Acórdão nº 797/15.3T8STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.797/15.3T8STC.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório BB, S.A. e CC, impugnaram judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT), a qual aplicou à sociedade a coima de € 4.000,00, pela prática de uma contraordenação grave, por negligência, consubstanciada no facto de a entidade empregadora ter obstado o exercício de ação sindical de dirigente sindical no local de trabalho, prevista e punida pelas disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 405.º e 460.º, do Código do Trabalho, sendo responsável solidário pelo pagamento da coima o segundo impugnante, na qualidade de membro do Conselho de Administração.

O tribunal de 1.ª instância manteve a decisão condenatória proferida pela entidade administrativa.

Inconformados, os impugnantes interpuseram recurso de tal decisão, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: «QUESTÕES PRÉVIAS DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO

  1. Nos termos do disposto no artigo 15.º do Código Penal, as infrações negligentes implicam uma dupla apreciação, sendo necessário verificar se o agente violou os deveres objetivos de cuidado que sobre ele impendiam e, cumulativamente, se o agente violou os deveres subjetivos de cuidado que era capaz de observar e ainda se representou ou não como possível a possibilidade de realização do facto.

  2. Acontece que, percorrendo o rol de factos dados como provados, não é possível descortinar qual o dever objetivo de cuidado que impendia sobre a Arguida e que foi por ela alegadamente violado, nem tão-pouco descortinar se a mesma violou também o dever subjetivo de cuidado que era capaz de cumprir, e, por conseguinte, se a Arguida agiu negligentemente ou não, sendo a sentença completamente omissa neste tocante.

  3. Acresce que, com base na matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, também não é possível concluir se, ao atuar, a Arguida representou ou não como possível a possibilidade de realização do facto típico; não é possível saber, enfim, se a Arguida agiu com negligência consciente ou inconsciente – e tanto assim é que o Tribunal a quo não qualifica sequer a concreta espécie (ou grau) da negligência imputada à Arguida, sendo certo que tal qualificação assume indiscutível relevância, entre o mais, no quadro da graduação da medida concreta da coima.

  4. Ora, não tendo sido apurados quaisquer factos integradores do tipo subjetivo, a matéria de facto provada é insuficiente para dar como verificada a suposta atuação negligente da Arguida, sendo hoje absolutamente pacífico que da mera enunciação de factos objetivos não é legítimo “extrapolar” ou “presumir” o respetivo elemento subjetivo, tendo há muito sido abandonada a ideia de “dolus in re ipsa”, E) Pelo que sempre se terá de concluir que a sentença está viciada por insuficiência da matéria de facto dada como provada para o sentido da decisão – vício resulta inequivocamente do texto da decisão recorrida –, nos termos e para os efeitos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, por falta de investigação dos factos integradores do elementos subjetivo, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

  5. Tendo a Arguida sido condenado pela prática negligente de uma contraordenação, e verificando-se que inexistem factos que permitam aquilatar, desde logo, a existência de qualquer violação do dever de cuidado, a invocada insuficiência factual conduz obrigatoriamente à absolvição da Arguida, mais a mais, quando tal insuficiência, que já se verificava na Acusação, jamais poderá ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo do artigo 358.º do CPP, conforme jurisprudência fixada no Acórdão n.º 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça.

  6. Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, o que não se admite nem se concede, deverá ser determinado, em conformidade com o disposto no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento.

    DA VIOLAÇÃO DA UNIDADE DA ORDEM JURÍDICA H) Correu já contra a Arguida processo-crime pelos mesmos exatos factos que estão a ser julgados nos presentes autos, tendo a Arguida sido não pronunciada pelo crime de violação da autonomia ou independência sindical, previsto e punido pelo artigo 405.º, n.º 2, 407.º, n.ºs 1 e 2, por referência aos artigos 460.º e 533.º, do Código do Trabalho – crime esse que se encontra numa relação de concurso aparente com a contraordenação pela qual agora vem condenada –, porquanto a Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial de Setúbal entendeu que as restrições de acesso impostas pela Arguida às suas instalações eram não só permitidas como aconselháveis.

  7. Ou seja, o mesmo exato comportamento que foi considerado permitido (e até aconselhável) por decisão judicial (já transitada em julgado) é agora considerado proibido por outra (posterior) decisão judicial.

  8. A ordem jurídica, globalmente considerada na sua unidade, não poderá suportar juízos contraditórios quanto à licitude/ilicitude de comportamentos – sob pena de a ordem jurídica se tornar incapaz de exercer a sua função primacial de orientação de condutas –, pelo que não poderá suportar que a mesma exata conduta seja, primeiramente, considerada permitida (e aconselhável) por um ramo da ordem jurídica e, posteriormente, e quando a decisão judicial que a considerou permitida (e aconselhável) já adquiriu definitividade jurídica, um outro ramo do direito venha considerá-la proibida, para mais quando estão em causa, como sucede in casu, normas jurídicas que tutelam exatamente os mesmos bens jurídicos (a autonomia ou independência sindical).

  9. Termos em que se impõe a imediata absolvição da Arguida, cuja conduta foi considerada permitida e até aconselhável por decisão instrutória de não pronúncia, já transitada em julgado.

    QUESTÕES DE FUNDO DA LICITUDE JUS-LABORAL L) A Arguida vem condenada pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 405.º, n.ºs 2 e 5, e 460.º, por referência ao artigo 533.º, todos do Código de Trabalho, donde se conclui que o tribunal a quo considera que a atividade do piquete de greve integra o exercício da atividade sindical, conclusão que não é admissível.

  10. Com efeito, é incompreensível que se defenda que a atividade do piquete de greve tem a ver com o exercício da atividade quando, por um lado, a greve pode não ser decretada pela associação sindical mas pela assembleia de trabalhadores da empresa (artigo 531.º, n.º 2, do Código do Trabalho) e, por outro, o piquete de greve pode não ser constituído por membros da associação sindical mas da comissão de greve (artigo 533.º do Código do Trabalho), eleita pela assembleia de trabalhadores da empresa (artigo 532.º, n.º 1, do Código do Trabalho), não tendo que integrar membros da associação sindical.

  11. Não se pode confundir a atuação da associação sindical ou da assembleia de trabalhadores (e da comissão de greve por esta criada) no âmbito de uma greve (i.e. enquanto integrante do piquete de greve) com o exercício da atividade sindical, tal como ensina MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, nas págs. 40 e 41 do parecer junto aos autos (Doc. 1).

  12. Pelo que sempre se teria de concluir que, mesmo considerando (erradamente) que a atuação da Arguida violava o artigo 533.º do Código do Trabalho, tal atuação não seria suscetível de violar o artigo 460.º do Código do Trabalho, porquanto a atividade do piquete de greve não integra o exercício da atividade sindical.

  13. Mas, mesmo que se considerasse, como parece considerar o Tribunal a quo que a atividade do piquete de greve integra o exercício da atividade sindical, ainda assim, teria a Arguida de ser absolvida, na medida em que os factos dados por provados não implicam qualquer violação do direito ao exercício da atividade sindical quer nos termos do disposto no artigo 460.º do Código do Trabalho, quer por referência ao direito à organização e atividade do piquete de greve (artigo 533.º do Código do Trabalho).

  14. Com efeito, ao analisar ao conteúdo do direito ao exercício da atividade sindical verifica-se que o mesmo − em qualquer das suas manifestações − não foi minimamente beliscado pelo facto de DD (dirigente sindical) não ter podido entrar nas instalações da BB nos dias em que decorria uma greve e não se encontrava escalado para turno, porquanto DD, tal como resulta dos factos dados por provados: (i) não solicitou qualquer sala para realização de reunião com trabalhadores (ponto 14 da matéria de facto provada), (ii) não solicitou, nem pretendeu obter, nenhuma informação junto dos responsáveis da fábrica ou da administração da BB a que tivesse o direito de aceder (ponto 14 da matéria de facto provada), (iii) não solicitou a afixação ou distribuição de informação sindical nas instalações da empresa (ponto 15 da matéria de facto provada).

  15. No que respeita ao direito ao piquete de greve, cumpre começar por referir que os trabalhadores da BB não foram, em qualquer momento ou por qualquer meio ou forma, impedidos de organizar e formar piquete de greve, nem isso resulta dos factos dados por provados, nem foi o piquete de greve impedido de exercer a sua atividade, na medida e que, como resulta do ponto 23 da matéria de facto provada, durante todo o período de greve, o piquete manteve-se na entrada das instalações da Arguida, acesso único utilizado pelos trabalhadores, tendo tido oportunidade de falar com todos os trabalhadores que entraram e saíram das instalações.

  16. Tudo se resume, portanto, a saber se a Arguida poderia, durante o período de greve, proibir os trabalhadores não escalados ao serviço de entrar nas suas instalações, sendo certo que ao proibir a entrada dos trabalhadores não escalados ao serviço iria necessariamente proibir a entrada dos membros do piquete de greve, sempre que os mesmos não estivessem escalados para o respetivo turno.

  17. Terá de concluir-se pela afirmativa, tal como, de resto, foi expressamente reconhecido pela Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da...

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