Acórdão nº 621/12.9IDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução06 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 621/12.9IDFAR.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Criminal de Albufeira, Secção 1, correu termos o Processo Comum Singular n.º 621/12.9IDFAR, no qual foram julgados os arguidos BB, Ld.ª, (…), CC (…), e DD (…), pela prática dos factos que constam da acusação de fls. 204 e ss. do processo principal (n.º 621/12.9IDFAR) e da acusação do apenso n.º 239/13.9IDFAR, sustentando que os mesmos são suscetíveis de consubstanciar a prática, em coautoria material, na forma consumada, por cada um destes, de um crime de abuso de confiança fiscal sob a forma continuada, p. e p. pelo artigo 105 n.ºs 1, 2, 4 al.ªs a) e b) e 5 do RGIT, e a sociedade arguida com referência aos artigos 7 do mesmo diploma e artigos 27 n.º 1 e 41 n.º 1 do CIVA.

Ao abrigo do disposto nos art.ºs 71, 76 n.º 3 e 77, todos do Código de Processo Penal, e do art.º 129 do Código Penal, o Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, no processo apenso (n.º 239/13.9IDFAR), veio deduzir um pedido de indemnização civil contra os arguidos e a sociedade arguida, pedindo a condenação da sociedade no pagamento da quantia global de €37.625,36, acrescida dos respetivos juros legais até seu integral pagamento, e os arguidos CC e DD, subsidiariamente, pelas coimas aplicadas à sociedade, no valor global de €8.390,17, quantia acrescida dos respetivos juros legais até seu integral pagamento.

A final veio a decidir-se: 1) Absolver o arguido CC da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105 n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT.

2) Condenar os demais arguidos: - A sociedade “BB, Ld.ª”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105 n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete) euros, o que perfaz o valor de € 770,00 (setecentos e setenta euros); - O arguido DD, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105 n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete) euros, o que perfaz o valor de €630,00 (seiscentos e trinta euros).

3) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível e, em consequência: - Julgar improcedente o pedido quanto ao demandado CC; - Condenar a sociedade demandada “BB, Ld.ª” pagar à demandante a quantia de €31.502,23, acrescida de juros de mora até ao seu integral pagamento; - Condenar o demandado DD a título subsidiário, a pagar à demandante a quantia de €8.390,17, acrescida de juros de mora até ao seu integral pagamento.

--- 2. Recorreram os demandados desta sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem como objeto a impugnação da matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, no que respeita à matéria da decisão cível, tendo os arguidos BB, LDA, e DD, sido condenados, respetivamente, no pagamento de 37.652,36 e, subsidiariamente, no pagamento de €8.390, 17.

  1. Em processo penal não pode o Ministério Público vir pedir indemnização cível quando se trate de uma dívida resultante de falta de pagamento de imposto, neste caso, IVA uma vez que neste processo tratamos do crime de abuso de confiança fiscal em processo penal e não de um processo tributário e/ou fiscal.

  2. A questão de ressarcir a Autoridade Tributária do valor em dívida tem um regime próprio, que corresponde ao regime tributário, regulado pelos normativos fiscais, tais como, Código de Procedimento e Processo Tributário (art.ºs 23 e 24 da LGT e 148, 149 e 150 do CPT), sendo o órgão de execução fiscal competente o do domicílio dos arguidos.

  3. Não se podendo neste caso confundir o regime próprio da Autoridade Tributária com o regime processual penal, que visa condenar a prática de crimes.

  4. Foi vontade da Autoridade Tributária aceitar que a arguida aderisse ao PERES desde 16 de novembro de 2016, que, conforme resulta dos autos, encontra-se a ser cumprido.

  5. Se a Autoridade Tributária ficasse prejudicada de alguma forma nunca teria aceite o presente plano de pagamento com os arguidos, tendo esta adesão sido a solução que satisfaz as necessidades daquela.

  6. Não tendo a Autoridade Tributária, em nenhum momento, manifestado interesse em deduzir pedido cível, uma vez que já está ser ressarcida dos valores em dívida na sua totalidade.

  7. Não pode o Ministério Público vir aqui, por sua iniciativa, deduzir pedido cível, quando a própria Autoridade Tributária manifestou o seu interesse em resolver este litígio de modo extrajudicial, através do PERES, e de forma a ser ressarcida daqueles valores.

  8. Assim sendo, tendo em conta que a Autoridade Tributária se satisfez com a adesão ao PERES, não se aceita porque razão veio o Ministério Público deduzir pedido indemnizatório cível.

  9. Pois na verdade tal facto resulta numa duplicação do pagamento do imposto devido.

  10. Ainda este respeito, veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, diploma este que criou o PERES: "(...) Neste contexto, é criado um regime especial de redução do endividamento ao Estado que visa apoiar as famílias e criar condições para a viabilização económica das empresas que se encontrem em situação de incumprimento, prevenindo situações evitáveis de insolvência de empresas com a inerente perda de valor para a economia, designadamente, com a destruição de postos de trabalho (...)".

  11. Tendo em conta que o plano PERES foi criado para facilitar o pagamento da dívida aos cidadãos, e uma vez que a arguida aderiu ao mesmo, e encontra-se a ser cumprido, não é legítimo ao Ministério Público em sede de ação penal pedir indemnização do valor em dívida, quando este se encontra a ser pago mediante prestações, de acordo com o referido plano.

  12. Os arguidos aderiram ao PERES em 15 de novembro de 2016, tendo ficado estabelecido um plano de pagamento do valor em dívida, em várias prestações, como consta dos autos.

  13. Tal adesão àquele plano comprova a boa intenção dos arguidos em procedem ao pagamento da dívida em questão, de modo a não prejudicar a Autoridade Tributária, uma vez que não têm outra solução de proceder à regularização da dívida, demonstrando assim a sua boa-fé.

  14. Com o cumprimento daquele plano de pagamentos a Autoridade Tributária será reembolsada do imposto devido.

  15. Valor que ainda falta liquidar, implicaria um duplo pagamento por parte dos arguidos.

  16. A responsabilidade civil por factos ilícitos depende do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 483 do Código Civil: facto voluntário, a ilicitude, o nexo de imputação, o dano e o nexo de causalidade.

  17. Atendendo ao facto de que o plano prestacional (PERES) irá satisfazer o pagamento do valor em dívida na sua totalidade e que o mesmo tem sido cumprido a tempo e horas, não existe dano por parte da Autoridade Tributária que deva ser ressarcido ou indemnizado.

  18. O requisito "dano" não se encontra preenchido neste caso, não estando assim preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo art.º 483 do Código Civil.

  19. Na douta sentença fez-se errada aplicação do artigo 483 do Código Civil, bem como dos artigos 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e ainda dos art.ºs do Decreto-Lei 67/2016, de 3 de Novembro, que criou o PERES, 23 e 24 da LGT e 148, 149 e 150 do CPT.

  20. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada na matéria cível, devendo a arguida BB, Ld.ª, ser absolvida do pagamento à demandante do valor de €31,502,23, e o arguido DD absolvido do pagamento ao demandante, a título subsidiário, do valor de €8.390,17.

    --- 3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - Conforme consta de fls. 324-330 do processo apenso n.º 239/13.9IDFAR, o pedido cível foi deduzido aquando da dedução da acusação, no dia 11 de setembro de 2014, antes, portanto, da adesão àquele plano de pagamentos.

    2 - Foi recebido por despacho de 25-01-2016 – fls. 358-359 do Processo n.º 239/13.9IDFAR.

    3 - A autonomia de que goza a Administração Tributária permitia-lhe, constatada a não entrega de IVA, instaurar execução fiscal (artigo 148 do CPPT) e/ou determinar a instauração de inquérito criminal (artigo 35 do RGIT).

    4 - Deduzindo acusação, o Ministério Público pode deduzir pedido de...

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