Acórdão nº 124/13.4TASLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução06 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos, acima identificados, do Juízo de Instrução Criminal de Portimão, da Comarca de Faro, as arguidas MM e EE foram acusadas da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos art.º 15.º al.ª a) e 137.º, n.º 1, do Código Penal. Porém, as arguidas requereram abertura de instrução, finda a qual foi proferido despacho de não pronúncia em relação a ambas.

C) Ao professar tal entendimento quanto à consistência e verosimilhança dos indícios, para aferir da possibilidade de dedução de Acusação ou de Pronúncia, o Senhor Juiz "a quo" interpretou e aplicou erradamente ao caso em apreço, o disposto no n.° 2 do artigo 283° do C. P. Penal, D) O Senhor Juiz Recorrido, a págs. 23 e 25 da Decisão Instrutória, considerou e bem, estarem indiciados com suficiência os 23 factos que referiu, os quais, em seu entender, porém, «não são bastantes para preencherem o tipo de ilícito objectivo, o tipo de ilícito subjectivo e a imputação objectiva do resultado morte e, desse modo, poderem sustentar a assacada autoria de um crime de homicídio por negligência».

E) Ao contrário, não considerou suficientemente indiciados os factos constantes dos n.°s 20 a 25 da Acusação, F) E, relativamente ao facto vertido no n.° 19 do libelo acusatório, só em parte o considerou indiciado.

G) Excluído o facto referido no n.º 23 da Acusação, que os ora Recorrentes concordam que não se deve considerar indiciado, H) Já relativamente aos demais, vertidos nos art.°s 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26 e 27 do libelo acusatório, os ora Recorrentes consideram que, ao não terem sido considerados como suficientemente indiciados pelo Senhor Juiz recorrido, este errou, de facto, na apreciação da prova recolhida no inquérito.

1) Ao julgar pela forma descrita, estão os ora Recorrentes convictos que o Senhor Juiz errou no julgamento de facto e que tal erro, não obstante ter dado e bem, como suficientemente indiciados os factos que descreveu as fls. 23 e 25 da sua Decisão Instrutória, J) Se radicou na circunstância de, em primeiro lugar, não ter valorado devidamente o facto de AA ter tido alta pelas 17h16 do dia 24 de Fevereiro de 2013 e ter falecido pelas 6h31 do dia seguinte, 25 de Fevereiro de 2013.

K) Na verdade, o referido AA foi encontrado sem vida no interior da sua habitação pelas 06h31 do dia 25 de Fevereiro de 2013, ou seja, decorridas mais de 13 horas sobre aquela em que lhe foi concedida alta médica.

L) Esse período de 13 horas, subsequente à alta que, indevida e precocemente, lhe foi concedida pela Arguida MM, conforme o próprio Senhor Juiz Recorrido reconhece, M) Teria sido mais do que suficiente para o evacuar para o Hospital Distrital de Faro, que dista cerca de 70 Km do CHBA - Unidade Hospitalar de Portimão, a fim de realizar exames complementares de diagnosticado, visando esclarecer as razões da dor que se mantinha, N) O que resulta do processo clínico do mesmo, em que a referida arguida consignou, pelas 17h15 do dia 24 de Fevereiro de 2013, «que o estado do paciente se mantinha inalterado» O) E para ser transferido para a unidade de referência hospitalar em Lisboa na área da cirurgia cardio-toráxica e cardio-vascular a fim de ser intervencionado à aorta justa cardíaca.

P) Isto é, mesmo desconsiderando que o referido AA permaneceu mais de 26 horas internado no CHBA, haja sido evacuado para o Hospital Distrital de Faro, Q) O que se impunha perante a incapacidade das Arguidas diagnosticarem a causa da dor que apresentava, não obstante a subida progressiva da troponina e da PCR e o resultado das Radiografias abdominal, renal e vesical arredarem a possibilidade de se tratar de uma cólica renal, R) Será curial concluir que, em vez de ter sido dado alta a AA, o mesmo, embora tardiamente, deveria ter sido evacuado para este hospital, sendo previsível que durante essas 13 horas teria havido tempo para o transferir para o hospital de Faro, (não demorando mais do que uma hora tal viagem), para neste hospital realizar exames complementares de diagnóstico, para o que não seriam necessárias mais do que 2 horas e para, na sequência desses exames, ser transferido de ambulância para Lisboa, no que se despenderia cerca de 3 horas.

S) Ou seja, AA poderia ter dado entrada no Hospital de Santa Maria ou de Santa Marta, em Lisboa, por exemplo, a fim de ser intervencionado à aorta por volta das 24 h do dia 24 de Fevereiro de 2013, isto é, cerca de 6 horas antes daquela em que se verificou o seu decesso.

T) Esta possibilidade não foi sequer considerada pelo Senhor Juiz Recorrido, o que constitui uma omissão grave do seu processo intelectual na avaliação das circunstâncias de tempo, modo e lugar que rodearam a morte de AA, U) À qual, o mesmo estaria condenado, no entendimento do Senhor Juiz "a quo", porque já contava com 78 anos de idade, porque residia no Algarve, encontrando-se a unidade de referência hospitalar em Lisboa...

V) O Senhor Juiz "a quo" errou ainda no seu julgamento de facto, ao não ter considerado expressamente indiciado o facto de AA ainda sofrer da dor que o levou a pedir e a procurar assistência médica no CHBA, no momento em que lhe foi dada alta.

W) O facto de AA estar calmo, consciente e orientado, conforme consta dos vários registos dos Enfermeiros, não significa que não se mantivesse com a dor precordial com irradiação dorsal.

X) O Senhor Juiz errou, obviamente, ao ter concluído que AA já não tinha a dor precordial que o levou ao hospital, só por estar calmo, consciente e orientado.

Y) Mas também errou e de forma clamorosa, ao referir que não há mais referência a tal dor no processo clínico de AA a não ser aquela que foi efectuada no momento da triagem pela senhora Enfermeira e, quando muito, pela Arguida MM também nesse primeiro momento.

Z) Na verdade, é esta médica que, ao dar alta a AA, pelas 17h15 do dia 24 de Fevereiro de 2013, consignou no processo clínico deste que «o estado do paciente se mantinha inalterado», sendo de concluir, por isso, que o mesmo se mantinha com dor precordial com irradiação lombar.

A

  1. Atento o atrás exposto, o Senhor Juiz "a quo" deveria ter dado expressamente como indiciado o seguinte facto: "no momento em que foi dada alta a AA, pela Arguida MM, este continuava a sofrer de dor precordial com irradiação à região dorsal".

    BB) Trata-se de uma omissão grave e que condicionou, de facto, o julgamento quanto à matéria de facto feito pelo Senhor Juiz Recorrido, erro esse que teve influência determinante na sua decisão de não pronúncia.

    CC) O Senhor Juiz comentando os factos narrados no artigo 16 do libelo acusatório, que até acabou por considerar suficientemente indiciado com algumas reticências, referiu: «não se narra neste facto, ou em qualquer outro, quais eram os valores de referência para a Troponina TH-S, nem tanto se consegue inferir das análises juntas aos autos que, a este propósito se quedam pela utilização de um asterisco que remete para a seguinte asserção "resultado fora do intervalo de referência". Mas fora quanto? Qual é o intervalo de referência utilizado no laboratório?».

    DD) Estas dúvidas do Senhor Juiz "a quo" revelam um espírito cartesiano verdadeiramente excessivo, até porque despreza os conhecimentos profissionais das Arguidas, as quais, sendo no seu próprio entendimento, médicas muito experientes e capazes, não podem desconhecer que os níveis normais de Troponina 1 cardíaca estão abaixo de 0,04 ng/l, o que é facto público e notório, porque publicado, designadamente na wikipédia - vd. Doc. 1 que se anexa.

    EE) As Senhoras médicas, Arguidas nos autos em referência, ao terem verificado, (se é que o fizeram), os níveis de Troponina TH-S que AA apresentava pelas 15h57 do dia 23 de Fevereiro de 2013, quando deu entrada no serviço de urgência do CHBA, só poderiam ter concluído que tais níveis indicavam dano cardíaco considerável, FF) Impondo-se accionar a via verde coronária que lhe foi atribuída aquando da sua admissão, ainda por cima, ao constatarem pelas 06h14 do dia 24 de Fevereiro que tais valores haviam subido para 35,1 ng/l e que pelas 15h42 do dia 24 de Fevereiro já atingiam o valor de 37,2 ng/l.

    GG) Esta subida brutal dos valores da Proteína C Reativa em pouco mais de 14 horas e que foram referenciados como resultados fora do intervalo de referência, indiciavam, sem qualquer margem para dúvida, um quadro inflamatório que podia sugerir que era resultante de aterosclerose ou de isquemia não sendo de desconsiderar a hipótese que poderia pronunciar risco de infarto do miocárdio, conforme resulta documentado no Doc. 2 que se anexa, publicado no wikipédia, o que torna tal facto público e notório.

    HH) Que o Senhor Juiz " a quo", que não é médico, manifeste tais dúvidas, percebe-se, mas o mesmo já não se aceita, relativamente às Arguidas, que são médicas experientes e que não podiam desconhecer que: a) queixando-se AA de uma dor precordial com irradiação dorsal, que se manteve até lhe...

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