Acórdão nº 309/17.4T8OLH-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

BB, SA interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Comércio de Olhão-Juiz 1, em sede de audiência prévia, na ação interposta pela Massa Insolvente da CC, SA contra a ora recorrente, despacho que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de obter a declaração de anulabilidade da deliberação tomada no dia 9 de dezembro de 2016 na assembleia geral da sociedade BB, SA.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor: «Analisada a petição inicial verifica-se que a Autora, Massa Insolvente da CC, SA pede o reconhecimento da inexistência ou a declaração de nulidade das deliberações societárias tomadas pela Ré, BB, SA, em relação à qual se arroga titular de 100% do capital social (única acionista da ora Ré).

Importa analisar a pretensão da Autora, à luz do alegado na petição inicial.

Assim, olhada a ação segundo o prisma da petição inicial, verifica-se que os factos encontram-se enquadrados como segue: a. A sociedade CC, SA foi declarada insolvente, em 21/10/2015, por sentença proferida no processo que corre termos pelo J2 desta Secção de Comércio, sob o n.º 56/14.9TBVRS.

  1. Em 28/01/2014 havia sido celebrado acordo de acionistas com vista à aquisição, por DD, Lda., e por EE, de respetivamente 72% e 16,5% das ações da Ré, e ainda à aquisição dos suprimentos aí detidos pela Autora.

  2. Foi realizada a vendas das ações da Ré, correspondentes a 88,5% do seu capital social, a DD, EE, e CC, na proporção de – respetivamente – 72%, 16,5% e 11,5%.

  3. O Administrador da Insolvência da Autora declarou resolver tal negócio a favor da massa insolvente, por carta de 10/03/2016, dirigida a DD, Lda. e EE.

  4. Ambos os visados impugnaram tais resoluções, por apenso ao processo de insolvência (apensos “I”, “K” e “E”).

  5. A Autora, em face das aludidas resoluções, e sem prejuízo das suas impugnações continua a ser a única acionista no capital social da Ré.

  6. A assembleia-geral da Ré, cujas deliberações estão aqui em crise, foi convocada para 9 de dezembro de 2016.

  7. A Autora, sobre a questão da validade jurídica daquelas deliberações, não especificadas, alega o seguinte: constatou que nenhum dos participantes apresentou junto da Presidente da Assembleia Geral as ações ao portador que permitissem a esta asseverar a sua qualidade e legitimidade para participar na aludida assembleia.

  8. O presidente da assembleia geral, apesar de alertado para tal vício, fez proceder à votação que culminou na aprovação de deliberações de quem não tinha a qualidade de acionista, considerando-se a Autora titular da totalidade do capital social da Ré.

    Importa configurar o ora alegado à luz do Direito.

    Uma deliberação social diz-se nula quando viola a lei pelo seu conteúdo intrínseco; e anulável quando ofende a lei em razão do seu processo formativo. Como exemplo das duas situações, verifica-se que a deliberação tomada numa assembleia convocada com uma antecedência inferior à prescrita na lei (art. 377.º do Código das Sociedades Comerciais) é anulável; e que é nula uma deliberação onde estatutariamente se fixe um período mínimo de antecedência da convocação da assembleia inferior ao do art. 377.º do Código das Sociedades Comerciais – cfr. Vasco da Gama Lobo Xavier, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 118, pág. 75; e Luís Brito Correia, Direito Comercial, III, pág. 272.

    Com efeito, à luz do preceituado no Código das Sociedades Comerciais, a solução da nulidade justifica-se quando a deliberação, pelo seu conteúdo, atenta contra normas imperativas, sob pena de – pelo decurso do prazo de impugnação, pela renúncia dos legitimados à ação de anulação ao exercício desta ou ainda pela confirmação da deliberação viciada – se admitir a intolerável subsistência de uma disciplina divergente da que é imposta por lei – cfr. Manuel Carneiro da Frada, Deliberações Sociais Inválidas no Novo Código das Sociedades, in Novas Perspetivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, págs. 319-320.

    Diversamente, quando uma deliberação viola, através do processo que a ela conduziu, uma norma imperativa, os interesses atingidos são normalmente apenas os dos sócios que o forem na altura, sendo o regime adequado o da mera anulabilidade, que deixa aos prejudicados o meio de defesa que satisfaz as exigências de certeza da ordem jurídica – a impugnação. Nos casos de nulidade, pelas razões já expostas, a sanção é mais severa.

    De harmonia com o art. 58.º, n.º 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, são anuláveis as deliberações sociais que violem disposições legais – quando ao caso não caiba nulidade – ou que violem os estatutos da sociedade.

    Como se disse, a Autora invoca apenas dois vícios fundamentais (diversamente do que ocorria noutro processo já mencionado): o presidente da mesa da AG não exigiu a apresentação das ações; a deliberação foi adotada por quem não tem a qualidade de acionista.

    Na sequência do já exposto, o primeiro vício pode reconduzir-se ao processo formativo da deliberação, sendo assim gerador de anulabilidade. Já a 2.ª questão tem uma dimensão diferente, sendo de natureza substantiva e reconduzindo-se à eventual preterição de normas que constituem o cerne ou coração do regime legal: conduz à nulidade. Também se deve referir que ambos os argumentos se ligam entre si, só podendo ser separados numa abordagem analítica, logo algo artificial.

    Na tese da Autora, não totalmente explicitada na petição inicial, a deliberação social diz-se nula porque viola a lei pelo seu conteúdo intrínseco, dado que os intervenientes têm que ter a qualidade de acionistas, não sendo admissível – à luz do sistema jurídico – que uma deliberação social seja tomada com os votos de não sócios, ou de não acionistas, logo de pessoas estranhas à pessoa coletiva.

    Pelo exposto, não procede a alegada caducidade do direito de obter a declaração de anulabilidade da deliberação em apreço, pela preterição do prazo de 30 dias, nos termos do art. 59.º, n.º 2, als. a), b) e c), do Código das Sociedades Comerciais.

    Com efeito, a questão suscitada é indubitavelmente de nulidade, não de mera anulabilidade.

    É teoricamente admissível, em tese, que a Autora, em face das aludidas resoluções, e sem prejuízo das suas impugnações, continue a ser a única acionista no capital social da Ré, embora o Tribunal não o declare ou não, por ora. Com efeito, enquanto as impugnações destas resoluções não forem procedentes, poder-se-á entender que as ações constituintes do capital social da Ré integram a massa insolvente da Quinta da Ria, questão a responder na ação.

    Com se disse, foi realizada a vendas...

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