Acórdão nº 2208/16.8T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 2208/16.8T8STR.E1 Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório: (…) e mulher, (…), residentes na Estrada da (…), lugar da (…), Fátima, instauraram contra Banco Bic Português, S.A., com estabelecimento na Rua Dr. (…), nºs 25/27, em Ourém, ação declarativa com processo comum.

Alegaram, em resumo, que tiveram conta aberta na agência de Ourém do Banco réu, na qual movimentavam, tanto a crédito, como a débito, parte dos seus dinheiros e possuíam as sua poupanças.

Em 12/4/2006, o gerente da referida agência informou o A. marido sobre a existência duma aplicação financeira, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco e com rentabilidade assegurada.

O referido gerente sabia que o A. não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os vários tipos de produtos financeiros e avaliar o risco de cada um deles, razões pelas quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

Convicto que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do Banco réu, o A. aplicou o montante de € 250.000,00 em obrigações SLN 2006, sem que soubesse concretamente o que tal era.

Em Novembro de 2015 o Banco réu deixou de lhes pagar juros, atribuiu a responsabilidade pelo não pagamento à SNL, entidade que os AA ignoram o que seja e, na data do vencimento, não restituiu aos AA o montante de € 250.000,00 que estes lhe haviam confiado.

Os AA desconheciam que tinham feito uma aplicação financeira com características diferentes de um depósito a prazo e caso soubessem, ou suspeitassem, que se tratava de um produto de risco, nunca a teriam autorizado.

O Banco réu logrou colher a assinatura do A. marido num “papel” preenchido pelo gerente da agência de Ourém, mas nunca foi entregue aos AA. cópia de qualquer documento que contivesse cláusulas respeitantes a obrigações subordinadas SLN e tais documentos, a existirem, só podem ser contratos com cláusulas gerais, inválidas sendo tais contratos nulos.

A falta de restituição do dinheiro aplicado e juros, tem causado aos AA grande preocupação, ansiedade, tristeza, doença, perda da alegria de viver, dificuldades financeiras e falta de perspetivas de futuro.

Concluíram pedindo a condenação do R. a pagar-lhes, ou a restituir-lhes, a quantia de € 250.000,00, bem como a sua condenação no pagamento da € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias estas acrescidas de juros.

Contestou o R. excecionando a incompetência do tribunal em razão do território e a prescrição do eventual direito emergente da sua responsabilidade enquanto intermediário financeiro e, contradizendo os factos alegados pelos AA, considerou, em resumo, que a subscrição de obrigações da SLN, SGPS, SA, à data titular, ainda que por interposta pessoa, de 100% do capital do Banco réu, era um investimento ou aplicação bastante conservador, que tinha como único risco o incumprimento da sociedade emitente e, assim, uma aplicação sem qualquer intenção especulativa, característica do histórico de investimentos e aplicações conservadores dos AA e que o A. marido foi exaustivamente esclarecido das condições e características do produto, esclarecimento acompanhado da respetiva nota técnica e boletim de subscrição, sem que o Banco réu, em momento algum, haja garantido o cumprimento das obrigações SLN.

Concluiu, a final, pela improcedência da ação.

Responderam os AA por forma a concluir pela improcedência das exceções suscitadas pelo R..

  1. Foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção da incompetência do tribunal em razão do território, relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da prescrição, afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou: “Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu Banco BIC Português, S.A., a pagar aos Autores (…) e (…), a quantia de €251.500,00 (duzentos e cinquenta e um mil e quinhentos euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais pedido.” 3. O R. recorre da sentença e formula as seguintes conclusões: “I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

    1. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita nos pontos 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.5.

    2. O Facto provado 2.1.2 deveria ter a seguinte redação: “Em Abril 12 de Abril de 2006, o funcionário do Réu, (…), atuando em nome do mesmo, disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e com rentabilidade assegurada.” IV. Deveriam ainda ser dados como provados os factos não provados 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.8, 2.1.9, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.14.

    3. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos da testemunha … (ficheiro 20170510095028_2665860_2871699) e pela análise do boletim de subscrição do produto.

    4. Os Autores intentaram a presente ação apresentando uma causa de pedir muito clara – artigo 17º da Petição Inicial – “Deste modo, o Banco Réu é depositário de € 520.000,00 que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente”.

    5. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro dos Autores, num produto que não o pretendido – o depósito a prazo – não resultou de forma alguma provada.

    6. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que o Autor marido contratou com o banco um depósito a prazo cabia aos Autores. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco – a venda de obrigações da SLN com depósitos a prazo do banco.

    7. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.

    8. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.

    9. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.

    10. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.

    11. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.

    12. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

    13. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objeto desses negócios de execução.

    14. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! XVII. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º, nº 1, do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2004.

    15. O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).

    16. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.

    17. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.

    18. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.

    19. O produto em causa era entendido efetivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal ativo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.

    20. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correta. O produto tinha efetivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respetiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.

    21. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de...

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