Acórdão nº 1057/18.3T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução29 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1057/18.3T8PTM.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB, Lda., devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT) que a condenou (i) na coima de € 9.180,00 pela prática de uma contraordenação muito grave, por violação ao disposto no artigo 78.º, n.º 3, alínea a) e n.º 5, da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, mais concretamente por falta de serviço interno da segurança e saúde no trabalho, (ii) e na coima de € 2.754,00 pela prática de uma contraordenação laboral grave, por violação ao disposto no artigo 32.º, n.º 5, alínea a) da Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, conjugado com o artigo 4.°, n.º 1, da Portaria n.º 55/2010, de 21 de janeiro, ou seja, em síntese, por falta de apresentação de relatório único.

Em cúmulo jurídico e pela prática das referidas contraordenações a arguida foi condenada na coima única de € 11.934,00.

Por sentença de 14 de junho de 2018, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz 2), foi decidido nos seguintes termos: «Por todo o exposto, considerando o recurso interposto procedente, decide-se: a) Absolver a arguida BB, Ldª da contraordenação muito grave, prevista pelo artigo 78º, nos 3, alínea a) e 5 da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, de que vinha acusada; b) Manter a condenação da arguida BB, Ldª, pela prática de uma contraordenação laboral grave, prevista e punida pelo artigo 32º, nº 5, alínea a) da Lei nº 105/2009, de 14 de setembro, conjugado com o artigo 4º, nº 1 da Portaria nº 55/2010, de 21 de janeiro; mas c) Fixar a respetiva coima em 15UC, ou seja, € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros)».

Inconformado, quanto à absolvição da arguida pela prática da contraordenação muito grave (falta de serviço interno da segurança e saúde no trabalho), o Ministério Público junto do tribunal a quo veio interpor recurso para este tribunal, tendo a terminar a motivação de recurso formulado as seguintes conclusões: «1. A ACT decidiu, em 25 de janeiro de 2018, condenar a arguida “BB, Lda.” na coima única de € 11.934,00 (onze mil, novecentos e trinta e quatro euros), pela prática de uma contraordenação laboral muito grave, por violação ao disposto no artigo 78º, nº 3, alínea a), e nº5, da Lei n° 102/2009, de 10 de setembro e de uma contraordenação laboral grave, por violação ao disposto no artigo 32º, nº 5, alínea a) da Lei nº 105/2009, de 14 de setembro, conjugado com o artigo 4°, nº 1, da Portaria nº 55/2010, de 21 de janeiro; 2. A arguida impugnou judicialmente aquela decisão administrativa e, com a sentença de 14-06-2018 o Tribunal decidiu, para além do mais que resulta daquela douta decisão, absolver a arguida da contraordenação muito grave, prevista pelo artigo 78º, nº 3, alínea a) e nº5 da Lei n" 102/2009, de 10 de setembro, de que vinha acusada; 3. Prevê-se no artº 78° da Lei n° 102/2009, de 10 de setembro que o serviço interno da segurança e saúde no trabalho é instituído pelo empregador e abrange exclusivamente os trabalhadores por cuja segurança e saúde aquele é responsável (nº1) e que, salvo nos casos em que obtiver dispensa nos termos do artigo 80.º, o empregador deve instituir serviço interno que abranja o estabelecimento que tenha pelo menos 400 trabalhadores [nº3 alínea c)], constituindo contraordenação muito grave a violação do disposto no referido preceito legal (n.º5).

  1. O Tribunal considerou que as responsabilidades relativas a SHST dos trabalhadores de uma empresa de trabalho temporário transferem-se para o empregador/utilizador, a quem compete assegurar a existência de condições de trabalho que salvaguardem a segurança e saúde dos trabalhadores e adotar medidas que previnam os riscos resultantes da atividade desenvolvida.

  2. Acrescentou ainda que a lei, ao impor a organização de serviços internos de SHST aos empregadores com pelo menos 400 trabalhadores ao seu serviço faz apelo ao conceito de «estabelecimento» - aludindo a que tal número de trabalhadores deve encontrar-se no mesmo estabelecimento ou em estabelecimentos distantes uns dos outros não mais de 50 km e a noção de estabelecimento (correspondente a uma fábrica, uma loja, um edifício de escritórios...) não podendo confundir-se com a de empresa, já que, a não ser assim, não teria o legislador sentido a necessidade de se referir especificamente ao estabelecimento, admitindo até a existência de mais do que um estabelecimento pertencente ao mesmo empregador.

  3. Por isso, o Tribunal entendeu que, como os mais de 2.400 trabalhadores contratados pela arguida estão distribuídos pelo país, ao serviço dos respetivos utilizadores, não se pode considerar que a mesma tenha um estabelecimento com pelo menos 400 trabalhadores.

  4. E, consequentemente, decidiu julgar procedente o recurso interposto, nesta parte, absolvendo a arguida da contraordenação prevista pelo artigo 78º, nº 3, alínea a) e nº5 da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro.

  5. Os factos essenciais considerados pela ACT na decisão administrativa provaram-se no julgamento, ou seja: a sociedade “BB – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.” tinha 2466 trabalhadores registados em 01-91-2016 e, quando foi realizada a inspeção documentada no auto de notícia que deu origem aos presentes autos, a arguida não tinha instituído um serviço interno de saúde e segurança no trabalho, tendo optado por serviços externos de uma empresa para organizar os seus serviços de segurança e saúde no trabalho.

  6. Considerou a ACT que, apesar de se tratar de uma empresa de trabalho temporário, e de a maioria dos referidos trabalhadores estarem alocados a outras empresas, porque o número de trabalhadores da arguida excedia os 400 previstos na alínea a) do nº3 do artº 78º da Lei nº 102/2009, tinha a obrigação de instituir um serviço interno de SHST.

  7. Tendo sido infringida a referida norma, a ACT decidiu aplicar a correspondente coima por considerar que uma empresa com aquela dimensão tinha obrigação de se informar e conhecer as normas jurídicas referentes às suas obrigações em matéria de segurança e saúde no trabalho, pelo que devia ter agido de forma mais zelosa e organizada, nomeadamente quanto a uma obrigação basilar como é o caso da norma infringida, razão pela qual considerou a sua omissão negligente (artº 550º do Código do Trabalho).

  8. Trata-se de matéria muito específica que, por isso mesmo, não vemos tratada na doutrina e na jurisprudência, o que motiva que se apele a V. Exas. no sentido de se pronunciarem sobre o assunto, até porque, sendo cada vez mais as empresas de trabalho temporário a operar em Portugal, muitas delas com quadros superiores a 400 trabalhadores, é importante determinar com rigor se essas empresas estão ou não obrigadas a instituir serviços internos de saúde e segurança no trabalho.

  9. Apesar de resultar do nº1 do artº 186º do Código do Trabalho que os trabalhadores temporários beneficiam do mesmo nível de proteção em matéria de segurança e saúde no trabalho que os restantes trabalhadores do utilizador, no nº4 daquele preceito legar consta que os exames de saúde de admissão, periódicos e ocasionais são da responsabilidade da empresa de trabalho temporário, incumbindo ao respetivo médico do trabalho a conservação das fichas clínicas, pelo que a empresa de trabalho temporário não está isenta de obrigações relativamente aos seus trabalhadores no que se refere à segurança e saúde no trabalho.

  10. Por outro lado, no nº4 do artº 189º do Código do Trabalho prevê-se que a empresa de trabalho temporário deve incluir a informação relativa a trabalhador temporário no mapa do quadro de pessoal e nos relatórios anuais da formação profissional e da atividade dos serviços de segurança e saúde no trabalho.

  11. Portanto, parece que as empresas de trabalho temporário não podem considerar que, ao ceder os seus trabalhadores para prestar trabalho noutras empresas, as suas responsabilidades relativas à sua segurança e saúde estão integralmente transferidas para o utilizador.

  12. Sendo assim, tendo a sociedade “BB – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.” contratado mais que 400 trabalhadores, não podia continuar a delegar a SHST num serviço externo e, tendo constatado essa irregularidade, a ACT atuou em conformidade com a lei ao sancionar o referido ilícito de mera ordenação social.

  13. Sendo esta a melhor interpretação do disposto na lei, ao absolver a arguida da contraordenação muito grave prevista pelo artigo 78º, nº 3, alínea a) e nº5 da Lei n" 102/2009, de 10 de setembro, de que vinha acusada, o Tribunal violou o disposto naquele preceito...

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