Acórdão nº 4/16.1T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BACELAR CRUZ
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO No processo comum n.º 4/16.1T9STR do Juízo Local de Benavente da Comarca de Santarém, mediante acusação pública, foi pronunciada: “P. .. S.A.”, pessoa coletiva n.º ---, com sede na Zona Industrial de Muge, em Muge, pela prática, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7.º e 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao disposto no artigo 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e ao disposto nos artigos 26.º e 30.º, n.º 2, do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 3 de maio de 2018, foi decidido: «(…)condenar a arguida P…,, S.A. pela prática, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.ºs 1 e 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs , 4, alíneas a) e b), 5 e 7, ex vi do artigo 107.º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, bem como nos artigos 26.º e 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo um total de € 1.750,00.

* Condenar a sociedade arguida P…, S.A.. no pagamento de 2 [duas] U.C.’s de taxa de justiça e nas demais custas do processo, nos termos dos art.ºs. 513.º, n.º 1 e 2 e 514.º do Cód. Proc. Penal e art.º 8.º, n.º 9 e da tabela III anexa ao RCP.

» Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «I.I – DA NULIDADE DA SENTENÇA, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 6 DO ART. º 328 CPP 1.

A Sentença proferida pelo tribunal A Quo enferma de uma nulidade absoluta, nos termos do Art.º 120º, n.º 2 do CPP, al. d) do CPP, em razão de a mesma violar o princípio da imediação das provas e continuidade da audiência, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos, porquanto, 2.

No dia 22.02.18 o tribunal A Quo deu por encerrada a audiência de julgamento.

  1. No dia 01.03.2018, data agendada para a leitura o tribunal A Quo decide reabrir a audiência de julgamento para que fosse produzida prova suplementar.

  2. Em 22.03.18 foi produzida a prova suplementar e exercido o direito ao contraditório, tendo a audiência de julgamento sido encerrada em 03.05.2018, seguindo-se na mesma diligência a leitura da sentença.

  3. Entre a data da produção do prova suplementar e a data de continuação da audiência de julgamento e leitura da sentença, decorreu mais de 30 dias sem que tenham existido causas interruptivas da mesma.

  4. Nos termos do Art. 328 do Código do Processo Penal, o legislador definiu: “1. A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento; 6- O adiamento não pode exceder 30 dias (...)”, consagrando assim o princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento no processo penal.

  5. A reaberta a audiência de julgamento para a produção de prova suplementar a mesma fica sujeita aos prazos previstos para a continuidade da audiência de julgamento.

  6. Pelo que, o tribunal A Quo andou mal quando entre a data de produção da prova suplementar e a data de encerramento da audiência de julgamento decorreu mais de 30 dias sem que exista uma causa justificativa ou interruptiva para tal, pelo que, a prova produzida perde eficácia, termos em que o julgamento deverá ser declarado inválido.

  7. Deste modo, a sentença proferida enferma de nulidade absoluta, nos termos do Art. 120º, n.º2 do CPP, al. d) do CPP, tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e, consequentemente, da própria sentença, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos, termos em que a sentença deve ser declarada nula.

    I.II – DA PRESCRIÇÃO DO CRIME 10.

    O tribunal A Quo decidiu condenar a arguida P…, S.A. na forma consumada e continuada de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7º, nº1 e 3, 107º, n.º1 e 105º, n.º4 alíneas a) e b) 5 e 7, ex vi do artigo 107º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias(…) 11.

    No entanto, o Tribunal A Quo interpretou incorretamente, a norma do n.º 2 do Art.º 107º do CPP, quando o mesmo interpreta a norma, no sentido de somar o valor constante nas diversas declarações apresentadas pelo contribuinte à segurança social, nos períodos pelos quais a sociedade arguida vem acusada, para verificar se o mesmo enquadra os pressupostos da qualificação ou não.

    Artigo 107.º 1 – As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total o parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º.

    2 – É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º Sendo aplicável os nº. 4 e 7 do Art.º 105 do RGIT, Artigo 105.º 4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

    7 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a presentar à administração tributária. (sublinhado nosso) 12.

    Salvo o devido respeito, tal entendimento não é correto e não resultada lei, porquanto, os valores a considerar para efeitos de qualificação do crime, afere-se pelo valor constante em cada uma das declarações em cada período e individualmente e não do somatório de todos os períodos, conforme resulta, do n.º 7 do Art.º 105º do RGIT.

  8. Ou seja, das declarações apresentadas pela sociedade arguida P. à Segurança Social, resulta claro e manifesto que, no período de Fevereiro a Dezembro de 2010 que consta na acusação, não existe nenhuma declaração cujo imposto declarado seja em montante igual ou superior a € 50.000,00, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos.

  9. Antes pelo contrário, da análise dos valores declarados em cada um dos períodos nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2010, nenhum dos mesmos é igual ou superior a € 50.000,00, logo, o crime de abuso de confiança fiscal nunca poderá ser enquadrável como crime qualificado mas antes simples.

  10. Assim, em abstrato, o crime alegadamente praticado pela sociedade arguida, de abuso de confiança fiscal para com a segurança social é de natureza simples, pelo que, a moldura penal não excedendo três anos, a prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos da alínea c) do n.º1 do Art.º 118 do CPP, aplicável ex vi, do disposto no Art.º 21º do RGIT.

  11. Ou seja, andou mal o tribunal A Quo quando decide que não há lugar a prescrição do procedimento criminal pelo qual a sociedade arguida vem acusada, em razão de o crime praticado pela referida sociedade sendo de natureza qualificada, o prazo de prescrição é de 10 anos, 17.

    Quando na verdade, tal conclusão e decisão enferma numa deficiente leitura da norma do n.º 2 do Art.º 107 do CPP, relativamente ao apuramento do valor para efeitos de qualificação.

  12. Gerando como consequência uma deficiente leitura do prazo de prescrição aplicável, uma vez que, sendo o prazo de prescrição de cinco anos, in casu, entre a data da prática do crime e a data da acusação, decorreu mais de cinco anos, pelo que, encontra-se prescrito o procedimento criminal, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos.

    I.III - DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO 19.

    O tribunal A Quo deu como provado no que à questão suscitada diz respeito que, nos períodos compreendidos entre os meses de Fevereiro de 2010 e Dezembro de 2010, a sociedade arguida deixou de cumprir a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e aos órgãos estatutários, no montante em dívida à Segurança Social - € 58.174,81, conforme resulta dos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados.

  13. O tribunal A Quo deu ainda como provado que, dos salários declarados e mencionados em 5 e 6, os salários referentes aos meses de Março e Abril não foram pagos aos trabalhadores constantes no ponto 16.

  14. No entanto, e não obstante o tribunal dar por provado que os salários de 95 trabalhadores que se encontram descritos no ponto 16, não foram pagos nos meses de Março e Abril de 2010, 22.

    O tribunal A Quo condenou a sociedade arguida P. na pratica de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, pela não entrega ao estado do imposto retido no montante de €58.174,81, quando tal facto é manifestamente errado e não corresponde à verdade dada como provada pelo próprio tribunal, fazendo assim tabua rasa dos factos dados como provados e, condenando a sociedade pela pratica de um crime de abuso de confiança fiscal para com a segurança social por um montante superior aquele que em abstrato era devido.

  15. Existe um vicio de contradição insanável da fundamentação e da decisão, ou seja, seguindo um fio condutor de raciocínio logico do julgador é manifesta a colisão entre os factos que o mesmo dá por provados e a decisão da sentença proferida.

  16. É manifesto o erro e notório o mesmo, quando o tribunal A Quo dá como provado que os salários não foram pagos nos meses de Março e Abril de 2010 e condena a arguida pela falta de entrega do imposto que não foi retido aos trabalhadores no referido período.

  17. Assim face ao vicio da efetiva contradição insanável da decisão deve a sentença proferida ser revogada, nos termos e para os legais efeitos.

    I.IV – ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA 26.

    O tribunal A Quo aferiu da sua convicção na “ausência de contraindícios...

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