Acórdão nº 3148/17.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

BB, de nacionalidade italiana, residente no Lote …, …, Quinta do Lago, …-…, freguesia de Almancil, concelho de Loulé; CC, de nacionalidade britânica, residente no Lote …, …, Quinta do Lago, …-…, freguesia de Almancil, concelho de Loulé; DD, de nacionalidade britânica, residente no Lote …, …, Quinta do Lago, …-…, freguesia de Almancil, concelho de Loulé; EE, de nacionalidade britânica, residente no Lote …, …, Quinta do Lago, …-…, freguesia de Almancil, concelho de Loulé; FF, LDA., com sede no Lote …, …, Quinta do Lago, …-…, freguesia de Almancil, concelho de Loulé; GG, LDA, com sede em Praça …, Edifício …, …, Vilamoura, …-…, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, Faro; e HH LLC, sociedade comercial, com o número único de matrícula de pessoa coletiva n.º …, com sede em … … Street, Wilmington, New Castle, Delaware …, Estados Unidos da América, intentaram a presente ação declarativa comum contra: - II, associação civil, com o NIPC …, com sede na Receção do …, Quinta do Lago, …- …, freguesia de Almancil, conselho de Loulé, Faro; Pedindo:

  1. Se declare a extinção imediata da Ré por prosseguir um fim real que não coincide com o fim expresso nos seus estatutos; b) Se declare a nulidade das deliberações tomadas na assembleia levada a cabo a 23 de Novembro de 2012; c) Se declare a falta de legitimidade da Ré para exercer o objeto para o qual foi constituída, nos termos, nas condições e na qualidade em que o tem feito; d) Caso assim não se entenda, se condene a Ré a abster-se de praticar atos no âmbito da sua putativa administração de alegadas partes comuns do presente loteamento, nos termos e nas condições em que o tem feito; e) Se condene a Ré a indemnizar os Autores, no valor de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), a título de sanção pecuniária compulsória negativa, caso o primeiro pedido não seja procedente mas sim qualquer um dos anteriores; f) Cumulativamente a todos os pedidos, se condene a Ré a restituir aos Autores, o valor total de 109.250,00 € (cento e nove mil duzentos e cinquenta euros), a título de pagamentos indevidos; g) Se condene a Ré a indemnizar os Autores, no valor total de 30.000,00 € (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; Alegaram, em síntese, que a Ré exerce, atualmente, as funções de administração do condomínio que alega existir sob determinadas áreas e infraestruturas sitas no loteamento L… V…, que as autodenomina como partes comuns, cobrando aos Autores, enquanto proprietários de moradias unifamiliares sitas nesse loteamento, todos os anos, avultadas quantias a título de uma alegada quota-parte de responsabilidade que os mesmos teriam no pagamento de putativas despesas com o condomínio que alega existir, sendo que adquiriram as suas moradias livres de quaisquer ónus ou encargos, nunca tiveram conhecimento da existência de quaisquer eventuais partes comuns inerentes ao seu direito de propriedade, pelas quais os mesmos teriam de se responsabilizar enquanto seus comproprietários, não existe qualquer título constitutivo de qualquer propriedade horizontal sob quaisquer parcelas, nem a sua existência alguma vez se manifestou ou refletiu nos registos prediais dos prédios urbanos de que são proprietários até ao dia de hoje.

    Citada, a Ré contestou, alegando que o loteamento L… V…, onde os Autores são proprietários de lotes, tem áreas privadas comuns, sujeitas ao regime legal da administração destas áreas privadas comuns do art. 43º, n.º 4 do RJUE, com as suas remissões para os arts. 1420º a 1438º-A do Cód. Civil, tendo o Regulamento aprovado pelos proprietários em assembleia geral, em 2012, definido o regime do uso, fruição e conservação das partes ou áreas comuns em causa.

    Foi dispensada a audiência prévia e proferido saneador-sentença que julgou improcedente a ação e absolveu a Ré dos pedidos formulados.

    1. Desta sentença vieram os autores interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: a) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 448/91, é verdade que o artigo 15.º, n.º 3 veio expressamente considerar os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada como partes comuns dos edifícios a construir nos lotes resultantes da operação de loteamento, regendo-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º do Código Civil.

  2. Não obstante, é preciso esclarecer que o que está em causa neste artigo é, tão-somente, a fixação do estatuto legal dos referidos bens, enquanto partes integrantes do loteamento urbano unitariamente considerado.

  3. Daí a necessidade de levar a registo, pelo menos, a afetação dos espaços e equipamentos aos fins que os definem como partes comuns dos edifícios a erigir nos lotes resultantes da operação de loteamento, como elemento que é do seu estatuto real.

  4. Só assim será possível a coexistência, com caráter de incindibilidade e por conseguinte, num plano unitário, do direito de propriedade singular e plena sobre cada um dos lotes e o correspondente direito de compropriedade, denominado “condomínio” sobre as partes comuns dos edifícios a construir nos lotes resultantes da operação de loteamento, mesmo fora dos contornos próprios da propriedade horizontal.

  5. Tal incindibilidade significa, nomeadamente, que nenhum daqueles direitos – o direito de propriedade sobre o lote e o correspondente direito de compropriedade sobre as partes comuns – pode ser alienado separadamente, nos termos do disposto no artigo 1420.º, n.º 2 do Código Civil.

  6. Resulta daí, também, ser vedado ao proprietário do prédio loteado, quando ainda não tenha transmitido para outrem a propriedade de qualquer dos lotes – e consequentemente a correspondente quota na compropriedade –, alienar apenas os bens que constituem as partes comuns dos lotes e igual proibição pende sobre os proprietários dos lotes, ainda que atuem em conjunto e sob consenso unânime.

  7. Pelo que, no âmbito da solução legal encontrada pelo Decreto-Lei n.º 448/91 de 29 de Dezembro, a alienação dos espaços verdes e de utilização coletiva resultantes da operação de loteamento, fora do contexto em que ela é admitida no artigo 1420.º, n.º 2 do Código Civil, será sempre manifestamente nula nos termos do artigo 294.º do Código Civil.

  8. Posto isto, lógica e facilmente se conclui que, qualquer que seja a posição a tomar relativamente à questão de saber qual o estatuto legal dos espaços verdes de natureza privada e utilização coletiva resultantes de operação de loteamento autorizada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 448/91 de 29 de Novembro, sempre teria o tribunal a quo de ter considerado nulas as suas alienações, nas condições em que ocorreram no caso em apreço nestes autos.

  9. Andou mal a sentença recorrida ao admitir uma coisa e exatamente o seu contrário, pois se a douta sentença perfilhou o entendimento que as áreas sub judice constituíam partes comuns do loteamento, não poderia ter considerado como válidas as alienações que lhe estiveram subjacentes na medida em que teria sido necessária a sua prévia desafetação como bens de utilização coletiva, o que demandaria a alteração do licenciamento e o consenso unânime dos proprietários dos lotes, sendo que nada disto se verificou.

  10. Omitiu o tribunal recorrido o seu dever de pronúncia sobre diversas e relevantíssimas questões que lhe haviam sido colocadas pelos Apelantes na sua douta petição inicial, ignorou as suas alegações e descorou a prova documental junta aos autos, cujo conhecimento teria tido profundas implicações na decisão da presente causa.

  11. Interpretou, ainda, no humilde entendimento dos Apelantes, de forma manifestamente errada, as normas jurídicas existentes aos factos que foram dados a conhecer ao tribunal a quo.

  12. A sentença recorrida é, assim, notoriamente ambígua e obscura, tendo o douto tribunal a quo utilizado fundamentos que se vieram a revelar estar em crassa contradição com a decisão proferida, não sendo possível compreender o raciocínio e a lógica intrínseca numa sentença que mais parece uma mera compilação de alguns dos muitos artigos escritos pelas partes nas peças processuais por si apresentadas, sem qualquer fundamentação ou explicação de Direito que a sustente.

    Da violação da lei: m) Proferindo sentença contendo a decisão que ora se apela e que se impugna, violou o tribunal a quo, o disposto no artigo 43.º, n.º 4 do RJUE, os artigos 1420.º, n.º 2, 1306.º, n.º 1, 939.º e 956.º, n.º 1, 892.º, 294.º do Código Civil.

    Finalizaram pedindo a revogação da sentença e usa substituição por outra que condene a Ré nos pedidos contra si formulados.

    *** 4. A Ré contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ***II. Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:

  13. Nulidades da sentença.

  14. Se a Ré pode exigir dos autores a sua quota-parte de responsabilidade nas despesas com o condomínio e administração das partes comuns.

    ***III.

    Fundamentação fáctico-jurídica.

    1. Matéria de facto.

    1.1.

    A matéria de facto fixada na 1.ª instância, que não vem posta em crise, é a seguinte: 1) A Ré II é uma associação civil sem fins lucrativos que tem como âmbito de atividade a proteção dos interesses dos proprietários de moradias e apartamentos sitos no L… V…, assim como assegurar, direta ou indiretamente, a administração das áreas e infraestruturas de utilização comum e deter a propriedade dos equipamentos comuns do Empreendimento L… V… registados em nome da Ré até que o registo dos mesmos possa ser alterado de modo a refletir que os mesmos...

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