Acórdão nº 1149/17.6T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.1149/17.6T8PTG.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] 1. Relatório O Ministério Público intentou ações especiais de reconhecimento da existência de contrato de trabalho[2], previstas nos artigos 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra BB, S.A., pedindo que seja reconhecida a existência de dois contratos de trabalho, um, celebrado entre a Ré e CC, com início em novembro de 2003, e, outro, celebrado entre a Ré e DD, com início em 1 de maio de 2012.

Em sede de defesa, a Ré alegou, no essencial, que as relações contratuais em apreço nos autos são juridicamente qualificáveis como prestação de serviços, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.

Os indigitados trabalhadores não apresentaram articulado próprio, não constituíram mandatário, nem aderiram ao articulado apresentado pelo Ministério Público.

Realizada a audiência de partes, seguida do julgamento, foi posteriormente proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, declarou-se que os contratos celebrados entre a Ré e DD e entre a Ré e CC têm a natureza de contratos de trabalho, fixando-se em 01 de maio de 2012 a data do início da relação laboral existente entre a Ré e o jornalista/repórter de imagem DD, e em 1 de janeiro de 2011, a data do início da relação laboral existente entre a Ré e o jornalista CC.

Não se conformando com esta decisão, veio a Ré interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações, com a seguinte síntese conclusiva: «1.º O presente recurso é interposto quanto à sentença que julgou procedente a ação e declarou a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e CC e aquela e DD, abrangendo este recurso a decisão de facto e de Direito.

No que respeita à decisão sobre a matéria de facto: (…) Quanto à decisão de Direito: 29.º Sem prejuízo da revisão pretendida da decisão sobre a matéria de facto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorretamente o Direito aos factos assentes, uma vez que dos mesmos não se pode extrair que os vínculos contratuais mantidos entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD seja de trabalho subordinado, ficando esta demonstração reforçada em face das alterações pretendidas quanto à matéria de facto.

  1. No caso em apreço, fundamenta o Tribunal a quo a sua decisão na aplicação da presunção de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, de onde extrai que competiria à Recorrente a prova da inexistência de vínculo desta natureza, por forma a ilidir a referida presunção.

  2. Porém, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, porquanto, estando em causa ação desencadeada por uma autoridade administrativa e em que é Autor o Ministério Público e não o alegado trabalhador, não pode operar a presunção de laboralidade prevista no aludido artigo 12.º do Código do Trabalho.

  3. Conforme tem entendido a jurisprudência, a aludida presunção não foi legalmente prevista para ser utilizada (permitindo, assim, a inversão do ónus da prova) em benefício de uma autoridade pública, incluindo o Ministério Público ou a ACT.

  4. Assim sendo, cabia ao Ministério Público, autor na presente ação, a prova dos factos constitutivos do direito que alega, neste caso, da existência de relações de trabalho entre a Recorrente e CC e DD (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil), 34.º O que, salvo o devido respeito, não sucedeu.

  5. Em todo o caso, ainda que se entendesse que a referida presunção de laboralidade seria aplicável, sempre se teria de considerar que, no caso concreto, a referida presunção não se encontra verificada, porquanto não se provaram – no que respeita à Recorrente e à relação entre esta e, respetivamente, CC e DD – duas ou mais características elencadas no artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

  6. Entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD foi acordada a prestação de serviços (em regime de “recibos verdes”), tendo estes últimos consciência e perceção do tipo de vínculo contratual que estavam a estabelecer com a Recorrente – o qual foi reiterado por ambos, pela última vez, em 2017.

  7. In casu, não foi alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada.

  8. Pelo que a vontade contratual das partes se afigura, no caso concreto, relevante.

  9. Atenta a natureza da atividade exercida pelos correspondentes ter-se-á de concluir que não seria possível conferir aos correspondentes liberdade – total – de escolher o local da prestação: (i) desde logo, por ser necessário que uma parte do serviço seja prestado no local onde os acontecimentos que são objeto das reportagens (reportagem jornalística e reportagem de imagem) ocorrem e, quanto a outra parte do serviço, (ii) por ser necessário fazê-lo com recurso a meios técnicos e equipamentos exigidos por razões técnicas, os quais estão disponíveis em local determinado.

  10. Por esse motivo, parece claro à Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado relevante, para efeitos de qualificação das relações contratuais em causa, o mencionado indício.

  11. Da factualidade provada decorre que DD e CC não estavam obrigados a cumprir período de trabalho diário ou semanal determinado, para além de não estarem conformados ao cumprimento de qualquer horário de trabalho definido pela Recorrente ou por quem quer que fosse, não sendo os mesmos alvo de qualquer obrigação de comparência e/ou controlo de assiduidade.

  12. Donde resulta evidente que a Recorrente não tem qualquer poder de determinar o quantum e o quando da prestação, conforme é característico do contrato de trabalho.

  13. Pelos motivos acima expostos, entende a Recorrente que o que de provado resulta em matéria de tempo para a prestação da atividade deixa claro que não estamos em presença de relação de trabalho subordinado entre esta e DD e entre a mesma e CC.

  14. Entende ainda a Recorrente que não se encontra preenchida a característica de laboralidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.

  15. De facto, se atentarmos na ausência de determinação de período normal de trabalho e de qualquer controlo de assiduidade bem como ausência de qualquer “obrigação de comparência ou permanência em instalações da Ré” e, bem assim, a circunstância dos dias e períodos de tempo em que os serviços são prestados dependerem das necessidades concretas da Recorrente e das especificidades dos serviços solicitados pela mesma torna-se claro que a forma de remunerar, in casu, os serviços prestados não constitui indício relevante da existência de contrato de trabalho, apontando, ao invés, para a existência de contrato de prestação de serviços.

  16. Com efeito, no modelo de avença, o valor pago não está, sequer indexado ao “volume” da prestação (medida em horas dias ou semanas) sendo o mesmo independentemente de serem muitas ou poucas as horas despendidas para produzir as reportagens solicitadas, factos que se afastam do regime da retribuição próprio do contrato de trabalho.

  17. Além disso, tal como se demonstrou supra a propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entende a Recorrente que não se provou nos autos que CC e/ou DD estejam sujeitos a ordens e autoridade por parte da Recorrente, aspetos essenciais do poder de direção do empregador.

  18. No âmbito de contrato de prestação de serviços, o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.

  19. In casu, do facto de os coordenadores dos jornais televisivos decidirem os conteúdos jornalísticos a incluir em cada jornal não decorre, pelo contrário, que a solicitação de reportagens que corresponda a esses conteúdos consubstancie ordem, no sentido jurídico-laboral do termo.

  20. A ausência de ordens e instruções emanadas da Recorrente – que possam ser entendidas como manifestação do poder de direção por parte desta – é um indício relevante da inexistência de relações de trabalho subordinado entre esta e, respetivamente, CC e DD.

  21. Nada se provou nos autos quanto ao exercício de poder disciplinar por parte da Recorrente.

  22. Ora, a ausência de poder disciplinar aponta no sentido da existência de contrato de prestação de serviço firmado entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD.

  23. Conforme se extrai da impugnação da matéria de facto supra indicada, CC e DD não se encontram inseridos na estrutura organizativa da Recorrente, o que igualmente aponta no sentido da inexistência de contratos de trabalho.

  24. CC e DD não se encontram sujeitos a qualquer obrigação de exclusividade, em sentido próprio (nem total, a que estão sujeitos os trabalhadores da Recorrente), relativamente à Recorrente, reconhecendo o primeiro, no depoimento prestado, que já havia desenvolvido, em simultâneo, serviço para outros meios de comunicação social.

  25. A ausência de exclusividade constitui indício que aponta para a natureza autónoma da relação jurídica em causa.

  26. A ponderação global dos indícios apurados nos autos no que respeita à Recorrente são claramente insuficientes para se concluir pela existência de contratos de trabalho entre esta e, respetivamente, CC e DD.

  27. Atento o exposto, ao declarar a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD, a sentença recorrida infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, bem como os artigos 1154.º e 342.º/1 do Código Civil.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT