Acórdão nº 145/17.8GESLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Silves (Juiz 2), foi julgado EE, solteiro, desempregado, nascido em 14-01-1977 a quem o MP imputara a prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, al. a), ambos do Código Penal.

  1. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º n.º1 e 155.º n.º1 alínea a) do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), perfazendo um total €480 (quatrocentos e oitenta euros).

  2. – Inconformado, o arguido vem recorrer daquela decisão extraindo da sua motivação as seguintes conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES: I- O presente recurso é interposto da douta sentença que condenou o arguido EE “pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º n.º1 e 155.º n.º1 alínea a) do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), perfazendo um total €480 (quatrocentos e oitenta euros).”.

    II- O Requerente não concorda nem se conforma o Recorrente com a mesma.

    III- A Douta Sentença considerou provados os seguintes factos, com relevância para a decisão respeitante ao ora recorrente: (…) 2. Nesse instante o ora Arguido, através do seu aparelho de telemóvel com número não concretamente apurado, efectuou uma chamada telefónica para o aparelho de telemóvel da referida JF, com o nº 966----.

  3. No decurso dessa conversa, o Arguido, que se encontrava na parte exterior da residência indicada em 1º, dirigindo-se para o Ofendido, BB, em tom sério e grave, proferiu as seguintes expressões: “é fácil pagar €500,00 a um preto para te limpar”; “sei onde moras e onde trabalhas, é fácil de te encontrar”; “agora não te faço nada, mas amanhã logo te apanho”; (…) IV- O Tribunal, na fundamentação da sua convicção, afirma que: “Assim, no que diz respeito à conduta desenvolvida pelo Arguido a convicção do Tribunal gizou-se no depoimento do Ofendido, BB, que num depoimento claro, escorreito e conciso, relatou toda a actuação do Arguido descrita nos factos provados, bem como no depoimento de JF que corroborou tais factos.” V- O Recorrente não se conforma com a dita fundamentação, não só porque os depoimentos do Ofendido BB e da testemunha e da testemunha JF, são contraditórios entre si; mas também porque estamos perante um método proibido de prova, no tocante ao testemunho do Ofendido.

    Concretizando: VI- Na fundamentação da douta sentença, o Tribunal a quo afirma que: “Mais se refira que pese embora, JF ter dito que o Ofendido ouviu a gravação da chamada, é mais plausível que tenha ouvido mediante sistema de alta voz, como referido pelo Ofendido, porquanto tal é compatível com o facto de o Arguido estar a fazer a chamada junta a casa onde Ofendido e a testemunha se encontravam.” V II- Há uma grande discrepância sobre o que se passou naquela noite, pois são realidades totalmente diferentes o facto de o Ofendido ouvir a gravação da chamada, ou ouvir a conversa através do sistema alta voz.

    VIII- As regras da experiência comum dizem-nos que não é normal que, num espaço de tempo tão curto – menos de nove meses –, o tempo tenha distorcido a memória das testemunhas ao ponto de surgirem estas duas versões que não encaixam entre si.

    IX- Tanto que, como se pode verificar no excerto da sentença supra citado, o Tribunal “a quo” optou por acreditar na versão apresentada pelo Ofendido, descartando a hipótese de gravação da conversa apresentada pela testemunha JF – e, consequentemente, desconsiderando esta versão dos factos.

    X- Quanto ao depoimento do Ofendido, o Tribunal “a quo” levanta (e bem) a questão de sabermos se: “O facto de terceiros escutarem palavras em chamada telefónica, que não lhes é dirigida, devido a acionamento de meio técnico (sistema de alta voz), não conhecido nem consentido pelo dono da voz escutada, pode contender com os direitos à palavra e à privacidade que beneficiam de consagração constitucional (artigo 26.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa).” XI- O Tribunal “a quo” optou por considerar que “Com efeito, salvo melhor opinião, neste caso mostra-se justificada a divulgação dessa conversa a terceiros pelo sistema de alta voz, pois foi a comunicação telefónica o meio utilizado para cometer o crime de ameaça e o recurso a esse sistema visou, assim, a obtenção de prova contra o Arguido, actuando a referida testemunha com causa legitima e mostrando-se proporcional e adequada a divulgação da conversa entre mantida entre JF e o Arguido.” XII- Mas, o Recorrente discorda com a decisão do Tribunal “a quo”, na medida em que as normas plasmadas na Constituição e na Lei, demonstram que a solução prevista pelo legislador, é outra.

    XIII- A Ordem jurídica portuguesa protege, de forma categórica, as comunicações e a privacidade das mesmas, seja através da criminalização, no Código Penal, da intromissão no conteúdo de telecomunicações que não lhe sejam dirigidas: XIV- Seja através da proibição e consequente nulidade, prevista no Código de Processo Penal e na Constituição da República Portuguesa, das provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações.

    XV- Estabeleceu assim o legislador nos artigos 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º n.º 3 do Código Processo Penal, a nulidade das provas obtidas através da abusiva intromissão nas telecomunicações, permitindo, apenas e só, como excepções à regra, o regime previsto nos artigos 187.º e seguintes do Código Penal, nos quais, mediante o cumprimento de determinados requisitos e formalidades, as autoridades possam interceptar e gravar, comunicações telefónicas.

    XVI- O legislador quis assim proibir as autoridades e os privados, de violarem o direito à palavra e a privacidade das telecomunicações de outrem, estabelecendo assim regras rígidas e absolutamente excepcionais, para que possa existir a intercepção e/ou gravação de chamadas telefónicas.

    XVII- No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT