Acórdão nº 1/18.2GABJA-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução26 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de inquérito nº 1/18.2GABJA, dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo Local Criminal de Beja), em que é arguido EE (e outro), foi proferido, em 08-03-2018, no âmbito do primeiro interrogatório de arguido detido, despacho judicial que aplicou a tal arguido a medida de coação de prisão preventiva.

Desse despacho interpôs o arguido EE o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do despacho que, na sequência do primeiro interrogatório, nos autos 1/18.2GABJA da Procuradoria do Juízo Local Criminal - 1ª Secção de Inquéritos - do Tribunal Judicial de Beja, determinou que o arguido devesse aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.

  1. Os indícios, e demais elementos constantes dos autos, não justificam que seja aplicada a medida de coação de prisão preventiva, desconhecendo-se a concreta existência de indícios de perigo de verificação de algum dos receios do artigo 204º do CPP.

  2. O tribunal não teve em conta que a decisão ainda não se encontrava transitada em julgado, tendo violado o princípio da presunção da inocência, valoração indiciária essa que deve ser feita exatamente ao contrário do realizado, ou seja, sempre a favor do arguido.

  3. Pelo que se sabe, este processo iniciou-se, apenas, há cerca de três meses, ou seja, está numa fase em que os elementos constantes do mesmo se encontram em plena fase de investigação e esclarecimento dos indícios, porventura, encontrados.

  4. O mais grave de todos eles baseou-se, como resulta das declarações do arguido, em este recusar-se a ser conhecido como "Dani", pelo que as autoridades policiais, em conjugação com o Ministério Público, devem esclarecer, de uma vez por todas, esta situação.

  5. O tribunal, nesta fase tão embrionária do processo, não consegue, com o mínimo de segurança, saber se existe ou não coautoria, isto é, que tenho sido delineado um plano conjunto entre os arguidos e uma execução conjunta, ou seja, uma distribuição funcional de tarefas no cometimento de putativos crimes.

  6. Os veículos com as matrículas -OL e -QE são da namorada do FF, desconhecendo-se quem é o proprietário do veículo com a matrícula -NN, sendo o veículo com a matrícula -OO da irmã do arguido.

  7. Por não ter carro em seu nome, o arguido alugou o veículo com a matrícula -RO-, que utiliza, sobretudo para ver as suas filhas, depois da separação da mãe delas, com quem deixou de residir há pouco tempo, que vão ser, brevemente, batizadas.

  8. O arguido desconhece a origem e a propriedade do produto estupefaciente encontrado no veículo apreendido, sendo que as duas argolas em ouro, os dois corações em ouro, a medalha e a pulseira são de sua propriedade, tendo sido trazidas de Cabo Verde.

  9. Os cartões encontrados são usados pelo arguido, uma vez que não tem internet fixa e os telemóveis Nokia, Yezz (novo, oferecido por uma prima) e um Samsung são do arguido e o telemóvel Samsung preto (pequeno) é do coarguido FF, provavelmente o utilizado nas conversações e que deu azo à confusão de nomes "Dani".

  10. O carro que avariou na ponte Vasco da Gama não era conduzido pelo recorrente, nem este se encontrava na viatura, sendo conduzido pelo coarguido, daí parecer cada vez mais notória a confusão de alcunhas entre os arguidos, até porque, nesta ocasião, diz o EE que o FF efetuou um telefonema para o EE, aquando da avaria; viatura com o seguro em seu nome em virtude da sua proprietária (namorada do FF - coarguido -) não ter carta de condução.

  11. O ora recorrente não tem qualquer primo em Faro (mais uma confusão de "Danis", na sequência de perguntas realizadas ao arguido), sendo que quem tem esse primo é o coarguido FF.

  12. Os cinco sacos plásticos de cor transparente, encontrados na habitação de Alvalade-Sado, nunca foram utilizados pelo arguido.

  13. O arguido encontra-se a residir em casa da sua irmã, tem duas filhas, tias e primas em Portugal, estando inserido social e familiarmente, não existindo indícios de concretizar, em concreto, qualquer tipo de fuga.

  14. Aliás, o arguido tem uma proposta de trabalho com AA, para trabalhar com a categoria profissional de caixeiro-ajudante, numa padaria (doc. 1).

  15. O perigo de fuga deve ser real e avaliado em concreto, e deve resultar da ponderação de fatores vários, como sejam a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como a inserção social e familiar do arguido - como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira -, sendo, também, a jurisprudência pacífica no sentido de que ele não deve ser presumido.

  16. Este arguido não possui meios para se subtrair à ação da justiça e às suas responsabilidades criminais e processuais e as deslocações/despesas ao Alentejo eram suportadas pelo coarguido FF, através do pagamento de €300,00 ao recorrente, em virtude daquele não possuir título de condução.

  17. As diversas moradas que o arguido possuiu explicam-se muito facilmente, pois este habitou com a mãe das suas filhas em Rio de Mouro, tendo-se separado e passando a residir na Amadora com a sua irmã.

  18. O perigo de perturbação do decurso do inquérito assenta nas escutas telefónicas, ora, sendo estas apenas um meio de obtenção de prova e não uma prova em si mesmo, de que se servem as autoridades policiais para investigarem, não se considera real e sustentável a existência de tal invocado perigo.

  19. O perigo de continuação da atividade criminosa não se encontra devidamente justificado no despacho, uma vez que não se conhecem ao arguido hábitos ou sinais de riqueza ou elevados rendimentos.

  20. Ter-se-ia que partir do pressuposto de nos encontrarmos perante uma atividade criminosa, ora, tal pressuposto é uma violação grosseira do princípio da presunção de inocência, com consagração constitucional, tendo tais perigos de indicar que a atuação do arguido prejudica a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça para que se possa afirma a existência de tais perigos.

  21. A VE permite controlar a ação do arguido, sendo uma forma menos gravosa da sua execução, em harmonia com os princípios de socialização e reinserção, dando uma maior eficácia, com um regulamento muitíssimo apertado que consta de lei própria e com a total impossibilidade dos a ela sujeitos poderem lograr a própria fuga.

  22. Assim, a medida de OPH, prevista no artigo 201º do CPP, e verificados os pressupostos da sua adequação e podendo ser fiscalizado o seu cumprimento pela utilização dos meios técnicos de controlo à distância, regulada pela Lei 122/99, de 20/08, obvia aos efeitos criminógenos derivados da prisão.

  23. O arguido tem a família, à exceção de uma filha, a morar em Portugal, nomeadamente umas primas e tias que residem na Rua----,Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, habitação com todas as condições para poderem ser instalados os equipamentos de VE, compatível com a proposta de trabalho agora apresentada.

  24. O tribunal devia ter aplicado ao arguido, que se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão, as medidas de coação de apresentações periódicas e a proibição de contactos com pessoas ligadas ao tráfico de estupefacientes, ou a OPHVE, suficiente, por proporcional e adequada, pois, efetivamente, não se indiciam verificados os receios do artigo 204º do CPP.

  25. Pois, dispondo os artigos 193º, nº 2, e 202º, nº 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, segue-se que, na interpretação que deles é feita no despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, nº 2, da CRP.

  26. Além disso, o despacho recorrido não fundamentou solidamente a prisão preventiva do recorrente em indícios sólidos e fortes, e em receios concretos, compatíveis com a situação do arguido, ora recorrente.

  27. A medida de coação de prisão preventiva, no caso concreto, revela uma total insensibilidade do tribunal, pois privou o recorrente do convívio social e familiar (com a irmã, filhas e restante família), tendo uma proposta de trabalho, não atendendo, também, à colaboração do arguido com o tribunal, pois já por duas vezes prestou declarações.

  28. Considera-se que a prova resultante das declarações prestadas pelo ora recorrente não foi corretamente analisada, porquanto o despacho recorrido não fez menção a este facto, apesar do mesmo resultar claro da análise das suas declarações.

  29. Assim sendo, nos termos dos factos supra descritos, demonstra-se com clareza que o despacho recorrido violou, por erro e má interpretação, os artigos 191º, nº 1, 193º, 202º, nº 1, e 204º, todos do CPP, não obedecendo aos princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, e ainda à excecionalidade da medida de coação de prisão preventiva.

    Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento, e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida que ordenou a medida de coação de prisão preventiva, ficando o recorrente a aguardar os ulteriores termos do processo na situação prevista no artigo 198º do CPP (obrigação de apresentação periódica) ou no artigo 201º (OPH - cumulativamente como sistema de VE, nos termos da Lei nº 122/99, de 20-08), e, eventualmente, a proibição de contactar com fornecedores e consumidores de produtos estupefacientes, nos termos do artigo 200º, nº 1, al. d), do CPP, respeitando-se, desse modo, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no artigo 193º do CPP.

    * O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que deve ser negado provimento ao mesmo.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando-se também no sentido da improcedência do recurso.

    Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT