Acórdão nº 145/16.5T8CCH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. N.º 145/16.5T8CCH.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo de Competência Genérica de Coruche I. Relatório: O Ministério Público, em representação do Estado Português, instaurou acção declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, contra (…), casado, residente na Rua e Lugar de (…), São José da (…), Coruche, e (…) e mulher, (…), residentes no Lugar da (…), da sobredita freguesia de São José da (…), concelho de Coruche, pedindo a final seja “anulado o acto de fracionamento consubstanciado na escritura de justificação lavrada no Cartório Notarial de Ana Fernanda Clara de Almeida no dia (…), com todas as consequências legais decorrentes de tal declaração, designadamente para efeitos de registo”. Em fundamento alegou, em síntese, terem os RR outorgado a aludida escritura de justificação, na qual ficou consignado ter o 1.º R declarado ser o legítimo possuidor do prédio misto que identificou, sito no lugar de (…) ou Foros de (…), com a área de 4.3355 m2, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o n.º (…) e aí inscrito a favor dos 2.ºs RR. Mais declarou no acto que o aludido prédio veio à sua posse mediante doação verbal efectuada pelos 2.ºs RR, seus pais, no ano de 1995, vindo desde então a usá-lo e frui-lo de modo exclusivo, sobre ele praticando actos de posse pública, pacífica e de boa-fé que, por ter perdurado por mais de 20 anos, conduziu à aquisição do direito de propriedade respectivo por usucapião. Ocorre, porém, que o prédio do qual foi desanexada a aludida parcela tinha a área total de 10.500 m2, sendo de classificar como terreno de sequeiro arvense, integrado na RAN, consubstanciado a descrita desanexação uma operação de fraccionamento ilegal, por violadora do art.º 1376.º, n.º 1, do CC conjugado com a Portaria 202/70, de 21/4, e art.º 27º do DL 73/2009, de 31/3, sendo portanto anulável nos termos do art.º 1379.º, n.º 1 daquele primeiro diploma. * Citados os RR, contestou apenas o demandado (…), sustentando serem verdadeiros os factos declarados na escritura de justificação, pelo que adquiriu o prédio assim autonomizado por usucapião, que expressamente invocou, a qual prevalece sobre eventual ilegalidade do dito fraccionamento, devendo a acção ser julgada improcedente. * Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, delimitado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova nos termos constantes do despacho exarado a fls. 66-67, sem reclamação das partes. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo-se a Mm.ª juíza deslocado ao local em questão, vindo a final a ser proferida douta sentença que decretou a total improcedência da acção, absolvendo os RR dos pedidos formulados. Irresignado, apelou o M.P. e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes necessárias conclusões: “1.ª- As normas vigentes que visam a proibição de fracionamento de prédios rústicos são normas imperativas que visam a preservação do ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida; 2.ª- São erigidos em normas que defendem os interesses de toda a coletividade e são exemplos de interesses difusos (art.º 52.º, n.º 3, al. a), da Constituição), cuja defesa incumbe ao M. Público. 3.ª- Na sentença recorrida conferiu-se prevalência aos interesses dos particulares intervenientes na escritura de justificação notarial, admitindo-se a aquisição por usucapião de um prédio rústico, ainda que com violação das normas de proibição de fracionamento, em detrimento das normas imperativas a que subjazem interesses de ordem pública, que proíbem o fracionamento de prédios rústicos. 4.ª- Tal interpretação não é, porém, consentânea com a regra definida no artigo 9.º do Código Civil, que prevê que na interpretação deve ponderar-se a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 5.ª- Na verdade, na ponderação das normas em confronto (por um lado, as normas que regem o instituto de aquisição por usucapião e, por outro lado, as normas que proíbem o fracionamento de prédios rústicos), o fulcro da questão está em saber o valor que a posse invocada para aquisição por usucapião tem, se a mesma se impõe mesmo contrariando normas de interesse público de valor constitucional (art.º 66.º da Constituição). 6.ª A pergunta que se coloca é: os atos de posse baseados num facto proibido pelas leis imperativas de interesse público permitem a aquisição por usucapião? 7.ª Sufragamos o entendimento que não é assim atualmente – como já se admitia que não o fosse no âmbito do Código de Seabra – «não obstante o artigo 1287.º do Código Civil excluir a usucapião quando haja "disposição em contrário" – no Código de 1867, o artigo 506.º, excluía do objeto da usucapião as coisas "que não forem exceptuadas por lei" – que o seu âmbito de aplicação é mais vasto, não sendo de excluir a usucapião apenas quando uma disposição legal o determine. Mencionava-se já no âmbito do Código de Seabra que a lei consentia exceções implícitas, tal o caso das coisas incorpóreas.» 8.ª Na verdade, como se referiu supra «A exclusão da usucapião sobre parcelas de propriedade justifica-se quando dela resulte ofensa de princípios de direito público; justifica-se igualmente noutros casos no sentido em que a usucapião, enquanto instrumento legal de aquisição originária de um direito, não pode servir, qual esponja que apaga o ato constitutivo da aquisição derivada da propriedade, para afastar normas imperativas que sujeitam quem adquiriu a coisa por aquisição derivada.» 9.ª Não é, destarte, admissível a aquisição por usucapião de uma parcela de um prédio rústico resultante de fracionamento ilegal, por desrespeitar as regras de proibição de fracionamento de...

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