Acórdão nº 76/14.3GTBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | ANA BARATA BRITO |
Data da Resolução | 05 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal: 1.
No processo comum singular n.º 76/14.3GTBJA, da Comarca de Beja (Ourique), foi proferida sentença a condenar o arguido AA como autor de dois crimes de homicídio por negligência, do art. 137.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos de prisão efectiva. Mais foi condenado na pena de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 2 (dois) anos.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “A. O presente recurso é interposto da sentença que condena o Arguido/Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de: a. um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, com referência ao art. 15.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.
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um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, com referência ao art. 15.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.
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Em cúmulo jurídico, condenar o Arguido/Recorrente AA na pena única de 3 (três) anos de prisão efectiva.
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Condenar o Arguido/Recorrente nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 2 (dois) anos, devendo proceder à entrega da carta de condução na Secretaria deste Tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após ser colocado em liberdade, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão da carta (art. 500.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal) e de incorrer na prática de um crime de desobediência.
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Para o efeito entendeu o Tribunal a quo dar como provado, nomeadamente, e cita-se: (…) C. Dos depoimentos do R. e das testemunhas VP e RF e NB, bem como dos documentos carreados para os Autos em sede de inquérito, não se podem retirar tais conclusões, D. Pelo menos de forma absoluta e sem qualquer margem para dúvida razoável.
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Quanto à prova, pese embora vigorar no Processo Penal o “Princípio da livre apreciação da prova”, a mesma não pode ser, nos termos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, “… arbitrária, discricionária ou caprichosa.” – cfr. Ac do Tribunal Constitucional n.º 1165/98, de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93; F. O Tribunal a quo expressamente afastou credibilidade aos depoimentos do R., única pessoa sobrevivente do acidente, e apta a explicar os eventos ocorridos naquela fatídica noite, preferindo assentar a sua convicção em meras presunções e por vezes opiniões, formadas a partir da recolha de indícios, efectuada segundo métodos desconhecidos, por pessoas cujos conhecimentos técnicos igualmente se desconhecem, e em convicções de carácter pessoal acerca de assuntos e matérias técnicas e científicas.
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Verificando-se assim que estão presentes os pressupostos do disposto dos n.º 1 e n.º 2 do art. 410.º do C.P.P, por existir uma errada valoração da prova produzida em audiência de julgamento, fundada essencialmente em extrapolações e conjecturas formuladas a partir de uma hipótese única, pelo afastamento injustificado de outras, igualmente plausíveis e merecedoras de crédito, H. Não afastando motivadamente e de forma inequívoca todas as dúvidas que daí resultam.
I. Assim, face à prova produzida, e perante inegável dúvida razoável, não pode dar-se como provado, que: (…) K. A prova produzida e a não produzida, teriam de fazer suscitar no Tribunal recorrido uma “dúvida razoável” relativamente aos factos.
L. Perante a falta de prova segura, deve vingar o “princípio in dubio pro reo”, o que determina por si só, a absolvição do arguido.
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Assim, ao ter sido o R. objecto de condenação, violou-se o princípio constitucional que decorre do n.º 2 do art. 32.º da CRP; N. Deste modo, e salvo o devido respeito, com a decisão recorrida verificam-se os pressupostos que fundamentam o presente recurso pelo disposto nos n.º 1 e n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
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É por demais evidente a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova, pretendendo-se a reapreciação da prova gravada, nomeadamente os depoimentos de: a. AA(…) b. VP (…) c. RF (…) d. NB (…) P. Inexistindo prova cabal, isenta de dúvidas, que permita assegurar que o R. cometeu tais crimes, devia o mesmo ter sido absolvido. Termos em que, nos melhores do Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá: i) Ser revogada a douta decisão recorrida.
ii) Ser realizada reapreciação da prova gravada, nomeadamente os depoimentos do R. e das testemunhas VP e RF e NB; iii) Serem reapreciados os relatórios elaborados pela testemunhas VP e RF; iv) Serem reapreciadas as declarações da testemunha NB em sede de inquérito v) Ser proferido Acórdão em que o R. seja absolvido dos crimes de que vinha acusado, ou em alternativa; vi) Ser proferido Acórdão em que o R. seja absolvido do crime de homicídio negligente relativo ao falecimento de BB, uma vez que, pelo acima exposto, a estarem preenchidos pressupostos da prática de ilícito seriam os p. e p. no Art.º 148.º do Cód. Penal; vii) Em face do exposto consequentemente deverão ser revistas as medidas das penas, principais e acessória, aplicadas, porque excessivas, não proporcionais, desadequadas e desnecessárias no todo ou em parte à necessidades de prevenção geral e especial, optando-se sempre, pela suspensão do cumprimento de qualquer pena de prisão que eventualmente venha a ser aplicada.” O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo: “1º. Segundo conseguimos depreender das conclusões de recurso apresentadas pelo Recorrente conjugadas com a respectiva motivação que as antecedeu, o arguido limita-se, no fundo, a firmar que, no caso concreto, o douto Tribunal “a quo” deveria ter lançado mão do princípio do “in dubio pro reo” por não ter alegadamente conseguido concretizar a velocidade a que o veículo circulava em concreto, nem, na sua opinião, a concreta dinâmica do acidente.
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Invoca, nessa medida, que o Tribunal “a quo” decidiu com base em meras opiniões e hipóteses, sem atender às declarações do arguido ou a perícias científicas ou mais exactas que permitissem aferir, sem qualquer dúvida, a que velocidade é que o veículo conduzido pelo arguido circulava no momento do embate.
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Sendo que, ainda que assim não fosse entendido, também não existe, no seu entender, nexo causal entre o acidente e a morte de BB, na medida em que o mesmo para além de se ter feito transportar no aludido veículo sem fazer uso do cinto de segurança, sobreviveu ao embate e só foi socorrido, cerca de duas horas depois.
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Sucede que, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Recorrente porquanto o que o Tribunal “a quo” fez (ao considerar que o arguido conduzia com uma velocidade excessiva e em consequente violação dos deveres de cuidado e inobservância das regras de circulação rodoviária), foi decidir, essencialmente, com base na chamada prova indirecta que está sujeita à livre apreciação do julgador e é perfeitamente válida à luz dos princípios gerais de direito. E fê-lo correctamente.
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Na verdade, ao arrepio de toda a prova produzida, quer quanto à dinâmica do acidente, quer quanto à causa de morte de BB, o arguido limita-se a dar a sua versão dos factos.
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Pese embora resulte dos elementos probatórios coligidos nos autos (designadamente, dos testemunhos de VP, RF e NB conjugados com toda a prova pericial e documental junta aos autos, com especial enfoque para as fotografias n.º 6, 7, 8 e 9 de fls. 210 a 212) que os danos provocados, designadamente nos postes de suporte das barras laterais da auto-estrada em causa e no painel de informação turística aí existente são incompatíveis com a versão apresentada pelo arguido.
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O arguido foi assim o único culpado pela verificação do acidente, em resultado do qual vieram a falecer não só BB, como também CC.
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E, por conseguinte, não existem dúvidas, e muito menos, alguma que seja séria e credível a ponto de se poder lançar mão do princípio do “in dubio pro reo” ou afirmar a violação do disposto no artigo 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.
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Também não restam dúvidas, assentes na prova produzida, que as causas de morte de BB advieram do acidente sofrido, designadamente, porque a vítima sofreu lesões graves como uma hemorragia subdural e subaracnoideia generalizadas das meninges e lesões no fígado (cf. relatório de autópsia médico-legal de fls. 268) e não existem elementos probatórios de onde decorra que ainda que tivesse existido o socorro mais imediato possível ou a vitima tivesse trazido cinto de segurança poderiam ter – ainda assim- sido evitadas ou curadas as referidas lesões.
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De referir, por fim e salvo o devido respeito, que o Recorrente também confunde e não concretiza nas suas conclusões de recurso se o mesmo incide sobre um dos vícios do artigo 410º n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal (sendo que, também não indica qual das alíneas está em causa) ou se sobre um eventual erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, n.º 3 do mesmo diploma legal.” Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença.
Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados: “1) No dia 10 de Outubro de 2014, pelas 03:00 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “Mercedes-Benz”, modelo “CLS”, e matrícula “OV” na Autoestrada n.º 2 (doravante designada por “A2”), no sentido Sul-Norte, em Santana da Serra, Ourique.
2) Dentro do mesmo veículo seguiam os passageiros BB, sentado ao lado direito do condutor, e CC, sentado no banco traseiro do lado direito.
3) A faixa de rodagem identificada em 1. era composta por duas vias de trânsito afectas ao mesmo sentido de circulação, separadas por um traço longitudinal descontínuo, marcado no pavimento, e ladeada, à esquerda e à...
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