Acórdão nº 693/17.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: 1. Para efeitos do art. 394.º n.º 3 do Código Civil, são de considerar terceiros os herdeiros legítimos ou legatários do simulador, que este, com a simulação, pretendia prejudicar.

  1. Tendo sido realizada escritura de compra e venda de imóvel a determinada pessoa, quando se pretendia na realidade doá-lo a um terceiro, ocorre simulação subjectiva, também conhecida como interposição fictícia de pessoas.

  2. Nestes casos, a única sanção possível é a nulidade, pois não ocorre a necessária intervenção dos declarantes do negócio dissimulado.

    Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Central Cível de Faro, (…) demandou (…), pedindo que seja declarada nula a compra e venda de imóvel identificado nos autos, celebrada entre (…) e a Ré, por ter sido celebrada com simulação absoluta e, em consequência, restabelecida a situação pré-existente à data da celebração do referido contrato, devendo, para o efeito, o imóvel voltar a pertencer à herança por morte do referido (…) e rectificar-se o registo predial em conformidade.

    Contestada a acção, realizou-se audiência prévia, na qual se julgou improcedente a excepção de caducidade que havia sido deduzida na contestação.

    Identificado o objecto do processo e enunciados os temas da prova, realizou-se julgamento, após o que se proferiu sentença julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência: - declarou a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda celebrado através da escritura pública identificada em 9. dos factos provados; - determinou a rectificação do registo de aquisição efectuado a favor da Ré passando a constar como causa de aquisição doação; - absolveu a Ré do demais peticionado.

    Recorrem ambas as partes.

    As conclusões da Ré são as seguintes:

    1. Com o presente recurso visa a Recorrente questionar a apreciação da prova feita e da qual resultará a violação dos arts. 392.º e segs. do CC.

    2. Ora salvo o devido respeito, não se verifica qualquer tipo de contradição relevante quanto às declarações das testemunhas, sendo que as mesmas foram peremptórias ao afirmarem que emprestaram dinheiro e viram entregar ao vendedor, (…), para a aquisição do imóvel sito na Trav. (…), n.º 2, Horta dos Pardais, Edif. (…), Bloco D – R/C Fr., em Faro.

    3. E consequentemente o negócio jurídico realizado foi uma compra/venda e não uma doação pelo que a douta sentença recorrida violou, por má interpretação, o disposto no art. 607.º n.º 4 do CPC, com remissão para os arts. 363.º, 369.º, 371.º, n.º 1 e 352.º do CC.

      Quanto ao Autor, coloca as seguintes questões nas suas conclusões (que aqui se sumariam, pois aquelas que apresentou não efectuam uma verdadeira síntese das suas alegações):

      1. Deveria ter sido considerada provada a al. b) dos factos não provados, pois tal resulta do depoimento das testemunhas (…) e (…) e dos documentos juntos aos autos, bem como das regras de experiência comum.

      2. Da prova produzida em audiência de julgamento resultou também provado que o pai do A. pretendia doar a fracção em apreço nos autos à pessoa que cuidasse dele, ou seja, à mãe da Ré.

      3. A 1.ª instância só poderia ter conhecido da existência e validade do negócio dissimulado, se alguma das partes lho pedisse.

      4. Ora tal pedido não foi deduzido por qualquer das partes, limitando-se a Ré a solicitar a improcedência da pretensão do A., o que até contraria o reconhecimento, que só agora pretende, da existência e validade do negócio dissimulado – art. 241.º do Código Civil. Quer a factualidade provada integre a previsão deste art. 241.º, quer não, a Ré teria de deduzir por via reconvencional um pedido autónomo contra o A. para que a 1.ª instância pudesse conhecer do negócio dissimulado.

      5. Por outro lado, não sendo os mesmos os intervenientes nos dois negócios jurídicos, o negócio dissimulado tem de ser sancionado com a nulidade porquanto não é possível aproveitar a forma observada na celebração do negócio simulado (em que tiveram intervenção sujeitos diversos daqueles que efectivamente celebraram o negócio oculto ou dissimulado).

      6. Pois o que o pai do A. pretendeu foi doar o imóvel à mãe da Ré.

      7. A mãe da Ré não é parte, nem se associou à presente acção.

      8. A sentença é nula por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.Civil.

      9. Dos factos provados, não existe um único que considere provado que o pai do A. pretendeu doar à Ré a fracção vendida (negócio simulado) e que esta aceitou tal doação.

      10. Nem tal questão constituiu o objecto do litígio, o qual consistiu em “saber se o contrato de compra e venda celebrado entre o pai do autor e a ré é nulo, por simulação e, em caso afirmativo, quais as consequências de tal nulidade.” K) Não é consequência da declaração de nulidade o considerar que houve uma doação. A única consequência é o restabelecimento da situação anterior.

      11. O Autor pediu ao Tribunal que declarasse nula a compra e venda celebrada entre o pai do Autor e a Ré por ter sido celebrada com simulação absoluta e, em consequência, restabelecida a situação pré-existente à data da celebração do referido contrato, devendo, para o efeito, a referida fracção voltar ao acervo hereditário de (…).

      12. Citada para contestar, a Ré pugnou pela validade da compra e venda, sem que tivesse deduzido pedido reconvencional, pugnando pela validade e existência do negócio dissimulado (doação).

      13. A factualidade provada e indicada na sentença recorrida, sob os n.ºs 1 a 12 dos Factos Provados, não integra a previsão do artigo 241º do Código Civil, razão pela qual, tendo a decisão recorrida conhecido da existência da doação como negócio dissimulado pela compra e venda (simulada) e ao reconhecer a validade daquela, cometeu a nulidade supra referida, por excesso de pronúncia.

      As partes não responderam às alegações das respectivas contra-partes.

      Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

      Da impugnação da matéria de facto Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].

      Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

      Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.

      Estando a matéria de facto impugnada por ambas as partes, analisemos as razões de cada uma delas.

      Da impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré Da análise das conclusões da Ré (…), resulta patente que esta pretende que se não considerem provados os pontos 10, 11 e 12 dos factos provados, nos quais a decisão recorrida declarou provado que a Ré não efectuou o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda, e que esta foi realizada com o propósito de retirar a...

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