Acórdão nº 451/13.0 TABJA-G.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR BOTELHO
Data da Resolução21 de Agosto de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No Processo de Inquérito n.º 451/13.0 TABJA a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Local Criminal de Beja, em que, para além de outros, é arguido JC, melhor identificado nos autos, ouvido este em 1º Interrogatório de arguido detido, foi em 22.05.2018 proferida decisão que aplicou ao mesmo arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

  1. 2. – Recurso 1.2.1. - Inconformado com essa decisão, dela recorreu aquele arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que lhe aplique a medida de coacção de apresentações periódicas ou a OPHVE, medidas que considera adequadas e suficientes para satisfazerem as exigências cautelares que se fazem sentir.

    Finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do despacho dos autos nº451/13.0TABJA, da Procuradoria do Juízo Local Criminal, 1ª Secção de Inquéritos da Comarca de Beja, que determinou que o arguido devesse aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.

  2. Dos indícios e demais elementos constantes dos autos, não justificam que, ao ora recorrente, seja aplicada a medida de coação de prisão preventiva, desconhecendo-se da concreta existência de indícios de perigo de verificação de algum dos receios do artigo 204º do CPP.

  3. O tribunal recorrido não teve em conta que a decisão ainda não se encontrava transitada, tendo violado, o “princípio da presunção da inocência”, valoração indiciária essa que deve ser feita exatamente ao contrário do realizado, ou seja, sempre a favor do arguido.

  4. Apesar do arguido ter confessado alguns factos, a aplicação de uma medida de coação importa um valioso e, por vezes, difícil juízo que traçará o seu destino imediato, que para todos os efeitos “se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação” – nos termos do artigo 32º, nº2 da CRP.

  5. O tribunal não consegue, com o mínimo de segurança, saber se existe ou não coautoria, isto é, que tenha sido delineado um plano conjunto entre os arguidos e uma execução conjunta, ou seja, uma distribuição funcional de tarefas no cometimento de putativos crimes.

  6. Sendo, assim, os indícios demasiado frágeis para que o arguido tenha coadjuvado os dois coarguidos dos autos “no transporte, acondicionamento, distribuição e venda de produtos estupefacientes a consumidores que os procuram/contactam com essa finalidade” – como se refere no despacho.

  7. Não parece ser verdade que o arguido tenha agido “em conjugação de esforços e de intenções”, ou que se deslocava “com regularidade a Espanha ou a Marrocos”, ou que tenha alugado “veículos de alta cilindrada”, ou que esteja inserido numa “organização já considerável”, combinando “viagens a Espanha”.

  8. O arguido, pretendendo falar, ao contrário de outros coarguidos, no primeiro interrogatório, quis colaborar com a justiça e esclarecer o tribunal na descoberta da verdade, não tendo, este tribunal, valorado, convenientemente, o seu depoimento.

  9. O perigo de fuga verificado nos presentes autos, assentou no facto de que os arguidos, após o primeiro interrogatório, “repensarão a sua vida” e devido às deslocações a Espanha e Algarve.

  10. O arguido encontrava-se a residir com a sua mãe, na casa desta, com a cônjuge (trabalha Beja) e os seus dois filhos, com 1 e 8 anos (estuda em Beja) [Doc. 1], estando inserido social e familiarmente, não existindo indícios de concretizar, em concreto, qualquer tipo de fuga, sendo, assim, o contexto familiar muito coeso, não tendo o arguido quaisquer antecedentes criminais.

  11. Como reconhece o próprio despacho, o arguido “trabalha no campo, auferindo perto de €770,00” e a “sua companheira trabalha nas limpezas onde aufere €580,00”, sempre tem trabalhado, efetuando os respetivos descontos junto da Segurança Social. [Docs. 3 a 5] 12. O arguido assume, com a sua mãe como 2ª titular, o empréstimo para aquisição de veículo automóvel no valor de €187,36, para um financiamento de €8.500,00 [Doc.2], provando que o arguido, com este empréstimo em 60 prestações, não possui grande capacidade económico-financeira.

  12. Aliás, este encargo tê-lo-á que continuar a pagar, apesar de estar, neste momento, privado do uso deste veículo, pelo que se requer que possa ser restituído, nomeadamente, para ser utilizado no transporte dos filhos menores do casal à escola.

  13. O dinheiro encontrado estava em dois mealheiros dos filhos menores, respeitantes a abonos recebidos, sendo outra parte pertença de sua mãe e outros do próprio arguido que, como se pode verificar, entre 31-07-2017 e 12-03-2018 ganhou em prémios no jogo placard €3.832,29 [Docs. 6 a 8], o que explica o dinheiro encontrado no cofre da sua mãe, como se provará em julgamento.

  14. O “perigo de fuga” deve ser real e avaliado em concreto e resultar da ponderação de fatores vários, como seja a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como a sua inserção social e familiar – como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira – sendo, também, a jurisprudência pacífica no sentido de que ele não deve ser presumido.

  15. Este arguido não possui meios para se subtrair à ação da justiça e às suas responsabilidades criminais e processuais, até porque, ao contrário dos demais arguidos, não reside no tal bairro designado como “supermercado da droga”.

  16. A justificação do requisito do perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo assenta nas escutas telefónicas “profícua e difusa”, nomeadamente, quando se argumenta que o arguido tem “atividade ilícita fortemente indiciada” e pelo “número de pessoas envolvidas” e, também, pelo facto que os arguidos “frequentam um pequeno bairro”.

  17. Não estará o tribunal a cometer um enorme erro tendo por base essas interceções telefónicas, pois, como se sabe, as escutas telefónicas são apenas um meio de obtenção de prova e não uma prova em si mesma, que se servem as autoridades policiais para investigarem, pelo que não se considera real e sustentável a existência de tal perigo invocado.

  18. Este perigo tem que assentar em factos que indiciem a atuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação, e este arguido não parece que tenha uma “atividade ilícita” fortemente indiciada, pelo número de pessoas envolvidas, sendo, assim, os meios de prova muito escassos.

  19. O perigo de continuação da atividade criminosa não está justificado, uma vez que não se lhe conhece “obtenção de meios económicos e de elevados lucros” ou faça “da venda de produto estupefaciente o seu modo de vida e para obtenção de avultados ganhos económicos”, ou tenha obtido “ganho económico do qual seria beneficiário”.

  20. O arguido é consumidor e fez com outros possíveis consumidores dos próprios autos, alguns consumos conjuntos e aproveitou uma ida a Lisboa, cerca de um mês antes da detenção (aquando do jogo de futebol entre Benfica-Guimarães), para adquirir o haxixe dos autos, a muito baixo preço (€320,00), para satisfazer os seus próprios consumos durante o período de 2 a 3 meses.

  21. Aliás, o arguido indicará, em tempo oportuno, como testemunha, o próprio consumidor falado no despacho, como seu possível comprador de droga, LF.

  22. Para existir perigo de continuação da atividade criminosa, em que se baseia o despacho recorrido, ter-se-ia que partir do pressuposto de nos encontrarmos perante uma “atividade criminosa”, sendo, tal pressuposto, uma violação grosseira do princípio da presunção de inocência, preceito consagrado constitucionalmente.

  23. Tais perigos têm de indiciar que a atuação do arguido prejudique a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça para que se possa afirmar a existência de tais perigos, não se percebendo, como nos diz o despacho, como se chegou a “um juízo de perigosidade social” para este arguido.

  24. A VE permite controlar a ação do arguido, sendo uma “forma menos gravosa da sua execução”, em harmonia com os princípios de socialização e reinserção, permitindo uma maior eficácia, com um regulamento muitíssimo apertado e com a total impossibilidade dos a ela sujeitos poderem lograr a própria fuga, sendo que a medida de OPH, prevista no artigo 201º do CPP pode ser fiscalizado o seu cumprimento pela utilização dos meios técnicos de controlo à distância, regulada pela Lei 122/99, de 20-08, obviando-se aos efeitos criminógenos derivados da prisão.

  25. O arguido vive com a mãe, a esposa (trabalha em Beja) e os dois filhos (um deles em idade escolar), todos residentes na Rua…, Beja, habitação com todas as condições para poderem ser instalados os equipamentos de VE, podendo, em alternativa, passar a residir com a sua irmã (AC, na Rua…, Selmes, no concelho da Vidigueira.

  26. Dispondo os artigos 193º, nº2 e 202º, nº1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, segue-se que, na interpretação que deles é feita no despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, nº2 da CRP.

  27. Além disso, o despacho recorrido não fundamentou solidamente a prisão preventiva do recorrente em indícios válidos, fortes e receios concretos compatíveis com a situação do arguido, ora recorrente.

  28. No caso em apreço, não se revela justa e adequada a aplicação da medida de coação decretada, pois caso não bastasse a aplicação da medida de apresentações periódicas, e tendo o arguido residência fixa e declarada nos autos, o tribunal deveria ter decretado, por proporcional e adequada, a medida prevista no artigo 201º do CPP – OPH; 30. e, simultaneamente, o sistema de VE, nos termos da Lei Regulamentar nº122/99, de 20-08 e Portaria nº109/05, de 27-01; eventualmente, com a medida de coação de proibição de contactar com fornecedores e consumidores de produtos estupefacientes, nos termos do artigo 200º, nº1, d) do CPP, evitando-se, assim...

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