Acórdão nº 1517/17.3T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1517/17.3T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

BB instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra CC-Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 13.933,29€, acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, para ressarcimento dos danos verificados no seu veículo em consequência do sinistro ocorrido na garagem da tomadora do seguro e que a ré recusou pagar.

  1. Regularmente citada, a ré contestou, alegando, em síntese, que os danos cujo ressarcimento é reclamado pelo A. nos autos não estão garantidos pela apólice de seguro, a qual só garante a responsabilidade extra contratual que seja imputável ao segurado no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares da apólice; que os mesmos sempre estariam excluídos da garantia, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, alínea a) das Condições gerais da apólice; e impugnando a descrição do sinistro apresentada pelo A. bem como os danos e valores por este indicados.

  2. O autor respondeu à matéria da excepção, invocando a violação dos deveres de comunicação e de informação por parte da ré ao tomador de seguro.

  3. Realizada a audiência prévia, o conhecimento da invocada excepção foi relegado para a decisão final, foi proferido despacho saneador tabelar quanto aos pressupostos processuais, tendo ainda sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

  4. Após a audiência final foi proferida sentença onde se decidiu julgar improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo-se a Ré CC-Companhia de Seguros, SA, do pedido.

  5. Inconformado, o Autor apelou, finalizando as alegações de recurso com as seguintes conclusões [transcrição]: «1-O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais é aplicável às cláusulas que integram as “Condições Gerais da Apólice”, encontrando-nos, no caso do contrato de seguro celebrado entre a recorrida e a segurada “DD, Lda.”, perante um contrato de seguro padronizado, com as características da pré-elaboração, da generalidade e da rigidez, indicadas como caracterizadoras das “cláusulas contratuais gerais”, submetido, assim, ao regime das cláusulas contratuais gerais, constante do citado Decreto-lei n.º 446/85, como comummente sucede com os contratos de seguro.

    2- Ao invocar a violação dos deveres de comunicação e de informação á segurada, por parte da recorrente, relativamente á aludida cláusula constante no Ponto 19º do acervo factual dado como provado, competia á recorrida o ónus de prova dos elementos alusivos à comunicação e informação dessa cláusula.

    3- A referida comunicação não pode ser meramente parcelar ou sumária e exarada no exacto momento da assinatura do contrato, devendo antes abranger a totalidade do clausulado, com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação - normalmente na fase de negociação ou pré-contratual - e efectivada de modo adequado, tendo-se em conta, designadamente, a importância do contrato, a sua extensão e complexidade das suas cláusulas.

    4- Na estrita sequencia lógica do que vem de ser dito, não é legítimo extrair do mero facto das cláusulas gerais constarem do contrato a conclusão de que a parte aderente delas teve conhecimento (adequado), nem bastando, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais”, competindo ao proponente que redigiu as cláusulas e que delas pretende prevalecer-se o ónus de prova dos elementos alusivos à comunicação e informação – e não sobre o aderente o ónus de alegação e prova de que as cláusulas em causa não lhe foram previamente comunicadas e/ou esclarecidas”.

    5- Não satisfaz tal exigência probatória, a mera remissão para o teor da apólice junta da fls. 94. ss , como acontece na respectiva fundamentação de facto produzida pelo Tribunal a quo, não resultando de tal motivação outro qualquer contributo probatório, seja de natureza documental, seja de natureza testemunhal.

    6- Tal fundamentação é, pois, manifestamente insuficiente para dar como provada a comunicação da citada clausula á segurada, o que equivale a dizer que a recorrida não fez qualquer prova de ter cumprido os seus deveres de comunicação e informação, relativamente á clausula constante no Ponto 19º do acervo factual dado como provado e, como tal, deve que a mesma deve ser excluída do contrato em questão e retirado o Ponto 19º do acervo factual dado como provado, como se pede e se espera.

    7- No caso vertente, estando provado que os danos ocorridos no veículo automóvel do recorrente foram causados pela queda parcial do tecto ou cobertura da garagem que a segurada da recorrida explora na sua actividade comercial, estamos perante um facto ilícito (artigo 483º, nº 1, parte do Código Civil: violação de um direito subjectivo de outrem).

    8- No enquadramento jurídico dos denominados “deveres no tráfico” ou “deveres de prevenção de perigo”, é possível estabelecer áreas de responsabilidade por omissão no domínio de uma esfera de vida espacio-fisicamente determinada e decorrente da assunção de uma actividade, impondo aos sujeitos deveres que evitem perigos ou afastem riscos, mormente no exercício de uma actividade comercial ou profissional.

    9- Na projecção desses deveres, o artigo 492º, nº1 do Código Civil estabelece os danos originados pela ruína de edifício ou de outras obras, podem e devem presumir-se ser causa da omissão daquele dever, por parte da pessoa que criou e mantém a concreta situação de perigo e que estava obrigado a assumir as cautelas e tomar as providências necessárias para evitar danos.

    10- Consagra-se, no citado preceito legal, uma presunção de culpa permitindo que a mesma seja ilidida por prova em contrário, ou seja, cabe ao proprietário ou do possuidor demonstrar que agiu com a diligência devida ou que, ainda que tivesse actuado diligentemente, os danos teriam ocorrido da mesma forma.

    11- É inócuo que o recorrente não tenha alegado, na sua petição inicial, que a queda da cobertura desse armazém se tenha ficado a dever a falta ou má conservação do imóvel, se essa falta veio a ser suprida, ao abrigo do Principio da Aquisição Processual, pela contestação apresentada pela recorrida, designadamente, ao exarar no artigo 8º daquela sua peça processual, que “o colapso da cobertura do armazém provém da má conservação dessa estrutura”.

    Mais ainda que assim não fosse, 12-No caso sub judice, a segurada da recorrente tinha a afectação material do imóvel em causa, ou seja, que o utilizava no exercício da sua actividade de exploração de Garagens e Parque de Estacionamento, assumindo o risco e a responsabilidade pelas utilidades extraídas desse mesmo imóvel, tendo assumido expressamente a responsabilidade pelo sinistro em apreciação.

    13-O abatimento de tal cobertura da garagem, enquanto uma parte componente ou integrante do imóvel, consubstancia uma ruína, para os efeitos do citado artigo 492º do Código Civil.

    14- À luz de uma “presunção ampla de ilicitude” que se deve ter por consagrada no artigo 492º, nº1 do Código Civil, cabia ao recorrente a prova do evento, ou seja, a queda do telhado da garagem onde se encontrava parqueado a viatura do recorrente), danificando o seu veiculo automóvel, que cumpriu, incumbindo á recorrida o ónus de alegar e provar que não foi por culpa da sua segurada, que ocorreu a ruína do edifício ou obra, designadamente, por ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação, que não cumpriu.

    15- Há, pois, que concluir pela culpa presumida da segurada da recorrida, reportada ou ao vicio de construção ou ao defeito de conservação, caso não de demonstre a existência de caso fortuito ou de força maior ou a culpa do lesado.

    16-Ainda que assim não fosse, ou seja, que a culpa presumida no referido preceito legal não dispense a demonstração da ilicitude (a ruína do edifício ou obra se deveu a vícios de construção ou defeitos de conservação), não se mostrando provada a existência de qualquer fenómenos extraordinários (v.g. terramoto, ciclone, furação), a ruína parcial da aludida garagem, só por si, segundo os próprios ensinamentos da vida e o curso típico dos acontecimentos, indicia o incumprimento de deveres relativos á construção ou manutenção de edifícios por parte da segurada da recorrida, funcionando, aqui, a chamada “prova de primeira aparência”, presunção judicial ou de facto, conferindo um juízo de probabilidade seria ou bastante desse facto.

    17- Não cumprindo o recorrido tal ónus da prova, há que concluir pela culpa presumida, reportada ou ao vicio de construção ou ao defeito de conservação. (…) 18- A cobertura do estabelecimento faz parte integrante do imóvel arrendado ao segurado da recorrida, o que vale dizer que estamos perante um dano provocado por uma coisa imóvel.

    19- É aplicável ao caso dos autos a modalidade especial de responsabilidade delitual ou extra-contratual prevista no artigo 493º, nº1 do Código Civil, porquanto na veste de arrendatária do estabelecimento / garagem em causa, que o utilizava no seu comércio e exploração de garagem e parque de estacionamento, retirando dai as inerentes vantagens (maxime, patrimoniais), deve preocupar-se com os seus perigos, impendendo sobre si o dever de o vigiar e a obrigação de avisar o proprietário/locador de molde a que este ordenasse as devidas obras de conservação e a evitar a ocorrência de algum sinistro.

    20- O artigo 493º, nº1 do Código Civil, consagra, para além de uma presunção de culpa, uma presunção de ilicitude, com o sentido de que tendo ocorrido danos, se presume que tenha ocorrido incumprimento dos deveres...

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