Acórdão nº 5000/15.3T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 - Relatório.

Na acção declarativa de Simples apreciação nos termos do art. 10 nº 3 do CPC que BB intentou contra CC formula os seguintes pedidos cumulativos "Por todo o exposto, assim se requer a V. Ex. a declare que: A) O regime de bens em vigor entre Autora e Réu antes da celebração do contrato nupcial, de 19.05.2014, era o de comunhão; B) O prédio urbano com o artigo matricial … da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a descrição …, melhor identificado em 3.º do presente articulado, é bem comum da Autora e Réu; C) É competente a Ordem Jurídica Portuguesa para conhecer da interpretação, validade e efeitos dos documentos denominados de "Contrato Nupcial" e "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária"; D) É nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" constante no documento n.º 8, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel descrito em 3.º do presente articulado; E) O "Contrato Nupcial" celebrado entre Autora e Réu em 19.05.2014, é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal, descrito em 3.º do presente articulado; F) O imóvel descrito em 3.º continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas de Direito Português; G) Deverão prosseguir os Autos de Inventário que correm os seus termos sob o Processo com o n.º 487612014 no Cartório Notarial da Dr.ª Paula Cristina Baptista Valentim, sito em Loulé, para partilha do referido bem.".

Para sustentar os supra referidos pedidos alega que, em 2 de Setembro de 1995, contraiu matrimónio com o Réu, em Moscovo, sendo que na pendência do matrimónio vigorou o regime de bens da comunhão, equivalente ao regime português de comunhão de adquiridos.

Em 9 de Abril de 2013 o Réu adquiriu sozinho e declarando estar casado no regime de separação de bens, sem dar conhecimento à Autora, o prédio urbano que identifica em artº 3º da petição inicial.

Em 19 de Maio de 2014 Autora e Réu celebraram, na Rússia, contrato Nupcial, pelo qual alteraram o regime de bens no casamento, estabelecendo, a partir dessa data, o regime de separação de bens.

Nesse mesmo contrato procederam à partilha dos bens comuns adquiridos na constância do matrimónio, tudo ao abrigo e em conformidade com a lei russa.

O matrimónio, entre Autora e Réu, foi dissolvido, por divórcio, em 24 de Junho de 2014.

Em 21 de Novembro de 2014 a Autora intentou, no Cartório Notarial da Dr.ª Paula Valentim, em Loulé, Processo de Inventário para partilha do referido bem imóvel, adquirido pelo Réu na constância do casamento.

Em sede de Oposição, nesse processo de inventário, o Réu apresentou um documento denominado "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", a que Autora faz referência como documento 8, no pedido referido na alínea d).

No âmbito do referido processo de inventário, a Sr.ª Notária procedeu à suspensão do processo por as partes discutirem no mesmo a validade do referido acordo e entender que tal matéria ultrapassava a sua competência, tendo remetido as partes para os meios comuns (cfr. artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do RJPI).

Assim, pretende a Autora por via da presente acção, e conforme resulta dos pedidos formulados, obter a declaração de nulidade de tal Acordo por entender que o mesmo se trata de um promessa de doação de bem imóvel em que o donatário seria o filho do casal, o qual não é admissível atento o disposto no artigo 940.º do Código Civil.

E, pese embora a Autora não ter procedido à junção do referido documento, o mesmo foi junto pelo Réu em sede de Contestação, não tendo sido objecto de impugnação, tendo-se por assente que se trata do mesmo documento.

O documento em causa denominado "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", foi celebrado e assinado pelas partes em 19 de Maio de 2014, na Rússia, na mesma em que foi celebrado o Contrato Nupcial acima referido.

Por requerimentos de 26.11.2016 e 04.05.2017 a Autora informou que o Réu não tem qualquer outra ligação a Portugal a não ser o imóvel em causa nos autos e o seu representante fiscal, desconhecendo-lhe qualquer outra morada, requerendo a sua citação edital.

O Réu veio a ser citado na pessoa do seu mandatário, a quem conferiu poderes para o acto, e apresentou Contestação.

Notificada para se pronunciar quanto ao valor da acção e quanto à competência dos tribunais portugueses para decidir a presente acção, a Autora respondeu pugnando pela competência dos tribunais portugueses, com os fundamentos constantes de fls. 236 e ss., e requereu a correcção do valor atribuído à acção para 568.106,08€, correspondente ao valor patrimonial do imóvel em causa nos autos.

O Réu não se pronunciou, tendo-se remetido ao silêncio.

Foi proferida decisão que julgou o tribunal internacionalmente e absolutamente incompetente e determinou absolvição da instância.

Inconformada com a decisão, a Autora recorreu, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «I. Em 2 de Setembro de 1995 Recorrente e Recorrido contraíram matrimónio na Conservatória de Registo Civil do Concelho de Babushkinskii, sito em Moscovo.

II. Na pendência do matrimónio vigorou o regime de bens da comunhão, (equivalente ao regime português de comunhão de adquiridos, já que o regime de comunhão geral de bens não é legalmente possível na Rússia).

III. Em 9 de Abril de 2013 o Recorrido adquiriu, sozinho, declarando estar casado no regime da separação de bens, e sem disso dar conhecimento à Recorrente, o prédio Urbano com o Artigo matricial … da Freguesia de Almancil, Concelho de Loulé, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé sob a descrição …/….

IV. Aquando da escritura de compra e venda prestou falsas declarações e referiu estar casado no regime da separação de bens.

V. Falsas declarações que levaram a Recorrente a instruir, um pedido de retificação do registo.

VI. Em 19 de Maio de 2014, ou seja, posteriormente à referida compra do imóvel descrito no artigo 6°, mas ainda na constância de matrimónio, Recorrente e Recorrido celebraram Contrato Nupcial, pelo qual alteraram o regime de bens no casamento, sendo tal alteração permitida pela lei Russa.

VII. Nesse Contrato Nupcial, entre outras declarações de vontade, referiram estar casados no regime da comunhão e estabeleceram que, a partir da data de celebração desse Contrato Nupcial, o regime em vigor passaria a ser o da separação de bens.

VIII. Nesse mesmo Contrato Nupcial procederam ainda à partilha dos bens comuns adquiridos na constância do matrimónio, que se encontravam em território Russo, sendo tal partilha também legítima à luz da lei Russa.

IX. No caso de partilha dos bens comuns dos cônjuges durante o casamento, aqueles bens comuns que não foram partilhados, bem como os bens adquiridos pelos cônjuges posteriormente, fazem parte dos seus bens comuns, segundo o Código da Família Russo.

X. O bem imóvel referido em 6.° não foi submetido, naquela data, a partilha pelo casal, continuando, por isso, a constituir um bem comum do casal.

XI. Em 24 de Junho de 2014 as partes dissolveram o matrimónio por divórcio.

XII. Uma vez que o imóvel identificado em 6.° continuava sendo bem comum do casal, a Recorrente intentou, em 21 de Novembro de 2014, Processo de Inventário para partilha desse imóvel, situado em território Português, e que deu entrada no Cartório Notarial da Dra. Paula Cristina Baptista Valentim, sito em Loulé, correndo os seus termos sob o Processo com o nº 4876/2014.

XIII. Em 26 de Janeiro de 2015, pouco tempo após a data da entrada do presente inventário (21 de Novembro de 2014), o Recorrido procedeu à alteração da descrição referente ao imóvel, no que concerne ao seu estado civil, passando a constar da mesma como divorciado.

XIV. O Recorrido foi nomeado Cabeça-de-Casal no Processo de Inventário supra referido e notificado, ao abrigo do Artigo 24.° do RJPI (Regulamento Jurídico do Processo de Inventário), para prestar declarações de Cabeça-de-Casal, bem como, para apresentar a relação de bens.

XV. Veio, no entanto, deduzir Incidente de Oposição ao Inventário invocando que não existem bens a relacionar, porquanto, se considera único proprietário do imóvel, porque a sua partilha, no seu entender, já foi feita.

XVI. Apresentou, um documento denominado de "Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade Imobiliária", por forma a provar indiretamente a partilha.

XVII. Em 16 de Novembro de 2015 a Sra. Notária determinou a suspensão do Processo de Inventário ao abrigo do disposto no Artigo 16.°, nº 1 e 2 do RJPI.

XVIII. Assim, sendo, foi a Recorrente sido remetida para os meios comuns, a fim de promover os termos processuais para esclarecimento e resolução das questões prejudiciais levantadas pela 8r.a Notária.

XIX. Entende a Recorrente que a presente ação declarativa que deu entrada em juízo, é sim, uma ação real.

XX. Ancora a sua posição no acórdão do STJ, datado de 09.03.2004, proc. 04B3808 disponível em dgsi.pt" "III. Nesta teleologia, o conceito de acções relativas a direitos reais sobre imóveis não deve ser interpretado no sentido se englobar toda e qualquer acção que se relacione como quer que seja indirectamente, ou se prenda a título secundário ou acessório com um direito real sobre imóvel, alheada do escopo garantistico de faculdades compreendidas na titularidade do direito, mas tão-somente aquelas que «tendem a determinar a extensão, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel, ou a existência de outros direitos reais sobre estes bens, e garantir aos respectivos titulares a protecção das prerrogativas emergentes dessa titularidade» ( ... )" XXI. E ainda, na análise de todas as peças processuais elaboradas pelas partes, documentos carreados para os autos e o próprio processo de inventário que...

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