Acórdão nº 2216/15.6T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | PAULA DO PA |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
P.2216/15.6T8PTM.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] 1. Relatório BB, patrocinado pelo Ministério Público, instaurou ação com processo especial de acidente de trabalho, contra CC, S.A. (que incorporou a Companhia de Seguros…, S.A.), pedindo que a ré seja condenada a reconhecer o evento descrito nos autos como acidente de trabalho, a transferência de responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do mesmo em função da retribuição auferida, no valor anual de € 11.571,00 e, em função disso, a pagar ao autor: a) uma pensão anual e vitalícia de € 6.479,76, devida desde 02.06.2016; b) o montante de € 9.390,73, relativo à indemnização legal devida pelo período de incapacidade temporária; c) um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no valor de € 4.371,62; d) o montante de € 2.656,44, relativo a despesas suportadas pelo sinistrado, devido a consultas e exames médicos, medicamentos e tratamentos clínicos e transportes.
Em súmula, alegou ter sofrido um acidente de trabalho, em 10 de abril de 2015, do qual derivaram lesões e sequelas incapacitantes, sendo a seguradora demandada a entidade responsável pela reparação do acidente.
A ré contestou, alegando, em síntese, que o acidente em apreço nos autos deve ser descaracterizado e a ré absolvida do pedido.
Discordou, ainda, do modo de cálculo das despesas de transporte peticionadas, pois, no seu entender, ao sinistrado competia alegar e provar as despesas efetivamente incorridas, uma vez que o regime de pagamento dos transportes aos funcionários do Estado não se mostra aqui aplicável.
O Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Faro, citado nos termos do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, veio deduzir pedido de reembolso, reclamando o pagamento da quantia de € 17.434,49, correspondente ao subsídio de doença pago por aquela entidade ao autor, no período compreendido entre 13.04.2015 e 03.12.2017 Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou a incapacidade do autor, selecionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Após a realização do julgamento e resposta à base instrutória, foi proferida sentença, com o dispositivo que se transcreve: «Nos termos expostos e em conformidade com as disposições legais citadas, julga-se a ação procedente porque provada e, em consequência, julga-se o autor BB, por via do acidente de trabalho de que foi vítima a 10.04.2015, afetado de 11.04.2015 até 31.05.2016 de uma ITA (incapacidade temporária absoluta), e afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 30%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde 01.06.2016, sendo as sequelas físicas de que ficou a padecer subsumíveis ao item 8.4.1.b), do Capítulo I da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, e, por via disso:
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Condena-se a ré “CC, S.A.”, a pagar ao autor BB a quantia de € 9.336,05 (nove mil, trezentos e trinta e seis euros e cinco cêntimos), a título de indemnização devida pelo período de incapacidade temporária absoluta (417 dias) a que o sinistrado esteve sujeito, acrescidas de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respetivo em que é devida; b) Condena-se, ainda, a ré “CC, S.A.” a pagar ao autor a pensão anual, vitalícia e atualizável de € 6.479,76 (seis mil, quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e seis cêntimos), devida desde 02.06.2016, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal; c) Condena-se a ré “CC, S.A.”, a pagar ao autor a quantia de € 4.371,62 (quatro mil, trezentos e setenta e um euros e sessenta e dois cêntimos), a ser paga de uma só vez, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; d) Condena-se a ré “CC, S.A.” a pagar ao autor a quantia de € 1.894,56 (mil, oitocentos e noventa e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de despesas suportadas pelo autor em consequência do acidente; e) Condena-se a ré “CC, S.A.” a reembolsar o “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Faro” pelas prestações respeitantes a subsídio de doença pago ao autor no período compreendido entre 13.04.2015 e 03.12.2017, no montante global de € 17.283,51 (dezassete mil, duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), a deduzir das prestações devidas pela ré ao autor; f) A ré seguradora vai também condenada no pagamento de juros de mora sobre as prestações pecuniárias em atraso, à taxa anual de 4%.
(…) Fixa-se à ação o valor de € 98.163,07 (cf. artigo 120º, nos 1e 2, do Código de Processo do Trabalho). (…)» Não se conformando com esta decisão, veio a ré interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: a. O Tribunal a quo não efetuou uma correta apreciação da prova produzida, nem uma ajustada interpretação dos factos, e, por conseguinte, uma adequada subsunção jurídica, bem como uma apropriada aplicação do direito.
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Ora, perante a prova produzida, impunha-se decisão diversa da proferida, pois das declarações de parte do Autor conjugada com a factualidade dada como provada, bem como dos restantes elementos de prova constantes dos autos resultou prova bastante para se descaracterizar o acidente de trabalho sofrido pelo Autor e, assim, ficar excluído o direito deste à reparação dos danos decorrentes do acidente em causa e o direito ao reembolso do Instituto da Segurança Social.
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O meio probatório que se entende ter sido erradamente apreciado e cujo reexame se solicita agora em sede recursiva é o seguinte: -Declarações de parte do Autor, gravado em CD único, produzido em sede de audiência de julgamento, dos minutos 06:55 a 07:25/07:12 a 07:15 e 07:26 a 07:28/04:43 a 05:33/04:31 a 04:41/09:09 a 09:11 e 09:17 a 09:18/07:56 a 08:07/09:39 a 09:43) d. Pois bem, salvo o devido respeito por diverso entendimento, na sequência do citado elemento probatório, deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que: 1. O Autor trabalhava com a máquina de cintar há 10/12 anos; 2. O Autor tinha claro conhecimento acerca do modo de funcionamento da máquina; 3. O Autor não desligou a máquina antes do início da operação de retirada da peça de pavé caída por baixo da máquina; 4. O Autor sabia que deveria proceder à retirada da peça de pavê caída com a máquina desligada; 5. O Autor colocou a mão por baixo da rede da máquina, para de lá retirar a peça de pavê que tinha caído, de forma voluntaria e com a consciência que a máquina estava em funcionamento; 6. O Autor nunca tinha, em data anterior ao acidente, colocado a mão por baixo da rede da máquina para de lá retirar as peças de pavê que caiam; 7. O acidente ocorreu por força da violação, consciente e voluntaria, por parte do Autor, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora e/ ou previstas na lei, e pela negligencia grosseria pelo mesmo protagonizada; e 8. O acidente foi consequência direta e necessária da conduta do Autor, já que ocorreu devido ao facto do Autor ter introduzido a mão por baixo da rede da máquina de cintar sem acionar previamente o botão de paragem da referida máquina.
Na verdade, e. Conforme resulta das declarações prestadas pelo Autor, transcritas, aliás, nas alegações do presente recurso, o Autor trabalhava com a máquina de cintar há cerca de 10/12 anos.
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Como qualquer técnico que trabalha diariamente com um equipamento, o Autor conhecia os componentes e o modo de funcionamento da máquina em questão.
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Na data e hora do sinistro a máquina estava sob o domínio exclusivo do Autor, uma vez que este trabalhava sozinho.
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Apesar de conhecer as características e o modo de funcionamento da máquina e de, bem assim, ter a perceção do alcance das condições de segurança que era suposto observar, o Autor introduziu a mão por baixo da rede da máquina para retirar de lá a peça que tinha caído, sem acionar previamente o botão de paragem da máquina.
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E fê-lo de forma voluntaria e consciente, sabendo que a máquina estava ligada e que estava a aceder a uma zona perigosa da mesma, constituída por elementos movíveis.
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Mais, fê-lo não só sem ordem nem autorização expressa para tal (nomeadamente emanada pela sua entidade patronal), como sem qualquer necessidade, ou seja, sem causa justificativa.
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Mesmo que, eventualmente, não fosse possível, por hipótese, acionar o botão de paragem da máquina, o Autor nunca poderia colocar a mão por baixo da rede da máquina encontrando-se esta em funcionamento.
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É de senso comum que tal ato é muitíssimo perigoso.
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Sendo o Autor um técnico experiente é-lhe particularmente exigível que cumpra as mais elementares regras de segurança na execução do seu trabalho.
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A conduta praticada pelo Autor - colocar a mão por baixo da rede da máquina com esta em funcionamento e sem acionar previamente o botão de paragem da máquina- é altamente reprovável, indesculpável e injustificada à luz das mais elementares regras de prudência e de senso comum e, por isso é constitutiva de culpa grave.
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Trata-se de uma conduta perigosa, arriscada, imprudente, audaciosa, arrojada, intrépida que não tem fundamento, nem pode ser tutelada pela ordem jurídica.
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Acresce que, conforme resulta das declarações por si prestadas, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Autor nunca tinha colocado a mão por baixo da rede da máquina para apanhar as peças que lá caiam, o que nos permite concluir que, in casu, a conduta do Autor não resulta da habitualidade por parte deste ao perigo do trabalho executado, à confiança na sua experiência profissional nem aos usos e costumes da profissão.
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Salvo o devido respeito por opinião diversa, só uma pessoa especialmente descuidada e incauta poderia praticar o comportamento resultante do acidente em causa.
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Face ao circunstancialismo supra descrito, e confessado pelo próprio Autor, em sede de audiência de discussão e julgamento, referente à dinâmica do acidente, só ao próprio Autor pode ser imputada a ocorrência do acidente em apreço.
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Isto porque, caso o Autor...
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