Acórdão nº 80-16.7GGBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução23 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que corre termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial de Beja, o MP acusou A., nascido a 26.12.1966, casado, empresário, residente em Albernoa, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº1, 182º, 183º nº1, alínea a) e nº 2 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.

  1. - Realizada a Audiência de julgamento, o tribunal singular condenou o arguido pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº1, 182º, 183º nº1, alínea a) e nº 2 e 184º, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito) euros, o que perfaz a quantia total de € 1.200,00 (mil e duzentos) euros; 3. – Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões «CONCLUSÕES: I) O arguido, com o “sentido de humor” que lhe é reconhecido, utilizou a sátira política, o tom jocoso para comentar a publicação feita na rede social “Facebook” pela União das Freguesias de ….

    II) Fê-lo nos exactos termos que a douta decisão recorrida reconhece: o arguido refere que os espaços públicos não estão tratados, sendo essa responsabilidade da Junta de Freguesia.

    III) E, de uma forma jocosa, refere que são “as suas galinhas, “a égua dos ciganos” e “a cabra do Xico” quem trata desses espaços.

    IV) A expressão “a burra da presidente essa não o faz e trata de outras espaços “Vermelhos” é utilizada no contexto da referência aos animais visados pela “queixa às autoridades” feita pela Junta de Freguesia.

    1. Neste contexto, a expressão “a burra da presidente” não tem o significado que a douta decisão encontrou no dicionário, ou seja, “diminuída mental”, “ignorante”, “sem inteligência”. Estando em causa uma crítica à falta de cuidado na preservação dos espaços públicos, e no contexto da publicação feita pelo arguido, tal interpretação é manifestamente desadequada, não faz sentido.

      VI) Para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural ou desportiva a tutela da honra e consideração, bem como a sua privacidade, palavra e imagem é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum, já que essas pessoas estão necessariamente sujeitas a críticas mais intensas.

      VII) As expressões utilizadas pelo arguido não põem em causa a honra, a consideração pessoal e profissional da ofendida.

      VIII) A liberdade de expressão e crítica constitui um dos fundamentos essenciais da democracia. Sem pluralismo, sem tolerância e espírito de abertura não existe sociedade democrática.

      IX) Obviamente que a liberdade de expressão tem, limites, mais amplos em relação ao agente político, ainda mais numa relação de maior proximidade como é entre o presidente da Junta de Freguesia e o cidadão aí residente, o qual se expõe, inevitável e conscientemente, a um controle dos seus actos e atitudes e que deve, por isso, revelar uma maior tolerância quando sujeita a crítica. A não ser que sejam levantadas suspeitas sobre a sua conduta, o que não foi o caso.

    2. O uso de uma linguagem abstractamente insultuosa não lesa o direito à reputação se funcionalmente conexo com o juízo crítico manifestado, como sucedeu “in casu”. É consentido, no âmbito da contenda de natureza política ou sindical, exprimir-se em tom e modo de desaprovação e reprovação, ainda que de uma forma muito áspera, de uma forma jocosa, desde que a crítica não reverta num ataque pessoal, ou seja, directamente conduzido à esfera privada do ofendido.

      XI) Nestes casos devem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e valoração crítica, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva. O direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva. Ponto é que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar.

      XII) No caso dos autos, no contexto do comentário crítico, em tom jocoso, feito pelo arguido é manifesto que tal crítica não foi dirigida à esfera privada da ofendida, não lesou a sua honra enquanto pessoa singular. A forma satírica, jocosa e caricatural é evidente.

      XIII) O interesse público-social da questão, suscitada pelo comentário feito pelo arguido, no contexto de uma publicação da Junta de Freguesia, no mínimo caricata, e o facto de a ofendida ocupar o lugar de presidente, exige que prevaleça a liberdade de expressão.

      XIV) A expressão utilizada pelo arguido, embora abstractamente possa ter-se como insultuosa, não lesa o direito à honra da ofendida já que foi utilizada no contexto da crítica manifestada.

      XV) Perante o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra da ofendida, por estar em causa o legítimo direito à crítica de um eleito local, deve prevalecer o direito à livre expressão do pensamento, já que foram respeitadas as fronteiras da esfera privada. Donde decorre a atipicidade da conduta do arguido.

      XVI) A própria expressão em si, em abstracto, não tem aptidão para ofender a honra e consideração da ofendida. Expressões como “palhaço”, camelo”, “burro”, “estúpido”, “idiota”, dirigidas a outrem, constituem uma grosseria, mas não excedem o âmbito da falta de educação nem ofendem a honra e consideração do visado. O descontentamento, a crítica pode ser manifestada através de palavras azedas, acintosas e agressivas.

      XVII) Foram violados os artigos 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, alínea a) e nº 2 e 184º, todos do Código Penal.

      Nestes termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido do crime de difamação agravada, como é de JUSTIÇA.» 4.

      O MP apresentou resposta detalhada ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência.

  2. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, analisando detalhadamente as questões colocadas, se pronuncia no mesmo sentido.

  3. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. P., o arguido nada acrescentou.

  4. Transcrição parcial da sentença recorrida: «Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 17 de Agosto de 2016, a União de Freguesias de…, publicou na rede social “Facebook”, um comunicado no qual dava conta de ter apresentado queixa às autoridades, queixa essa que deu origem aos pressentes autos, relativa à existência de animais (galinhas e cavalos), nos espaços públicos da freguesia, os quais estariam a danificar esses mesmos espaços.

  5. No dia 18 de Agosto de 2016, pelas 15h26, o arguido, utilizando o seu perfil na rede social “Facebook”, com o nome A., partilhou a publicação da União de Freguesias, à qual adicionou o seguinte escrito: “A galinha é minha a égua é dos ciganos a relva essa é da responsabilidade da UF de …, é triste ter de ser as minhas galinhas, a égua dos ciganos, a ovelha do Manuel, a cabra do Xico a tratar da manutenção dos espaços verdes da nossa aldeia porque a burra da presidente essa não o faz essa trata de outros espaços “Vermelhos” e está-se a cagar para o resto” 3. O arguido referia-se à ofendida B. que exerce as funções de Presidente da União de Freguesias de ….

  6. O arguido agiu com a intenção de divulgar, inclusivamente na rede social supra referida, a comunicação que se transcreveu supra, embora bem soubesse que as expressões nelas descritas ofendiam a honra e consideração pessoal e profissional da Presidente da União de Freguesias, e o que previu e quis concretizar.

  7. O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    Mais se apurou que: 6. A publicação efectuada pelo arguido na sua página do facebook e melhor descrita em 2. dos factos provados era um comentário público, portanto desde logo acessível a qualquer pessoa que consultasse o perfil do arguido, independentemente de estar ou não ligada por amizade.

  8. A ofendida foi eleita para a presidência da União de Freguesias de … pela Coligação Democrática Unitária.

  9. O arguido nunca foi eleito para cargo político nem foi candidato a qualquer cargo político.

  10. O arguido é visto pelos seus amigos como um cidadão que se preocupa com o desenvolvimento da localidade de …, que apoia logística e financeiramente diversas colectividades daquela localidade (clube de TT, futebol e caçadores), empreendedor e com sentido de humor.

  11. O arguido é gerente da sociedade X., Lda., auferindo € 2.000,00 mensais.

  12. A cônjuge do arguido é funcionária público desconhecendo quanto é que esta aufere de vencimento mensal.

  13. O arguido paga € 160,00 mensais de empréstimo à habitação.

  14. O arguido tem um filho maior.

  15. O arguido tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

  16. O arguido não tem antecedentes criminais.

    2.2. Factos Não Provados Não ficaram factos por provar com relevo para a decisão da causa.

    2.3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto (…) 3. Enquadramento Jurídico dos Factos Estabelece o artigo 180º, nº 1 do Código Penal que, “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.

    Como directamente decorre da inserção sistemática do tipo de crime em análise e também da epígrafe do capítulo VI do título I do livro II do Código Penal, o bem jurídico protegido no...

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