Acórdão nº 391/09.8TBCUB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 391/09.8TBCUB.E1 Comarca de Évora Instância Central – Secção Cível – J3 I. Relatório (…), casado, residente na Rua de (…), n.º 1, em Moura, instaurou contra (…) - Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., NIPC (…), com sede na Av.ª (…), n.º (…), 2.°-BC, em Cascais, acção declarativa, ao tempo a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final fosse reconhecido: a) que é o dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito à (…), da freguesia do Pedrógão, concelho da Vidigueira, inscrito na matriz predial sob o art.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º (…); b) que tal prédio se encontra encravado desde sempre e que o acesso sempre se fez, pelo menos desde há mais de 30 anos, por uma estrada em terra batida que atravessa pelo lado Sul do prédio rústico da Ré, com cerca de 2,5 metros de largura; c) o direito de servidão de passagem para passagem de pessoas, máquinas agrícolas e animais.

Mais pediu a condenação da ré a indemnizá-lo pelos prejuízos causados, remetendo a sua liquidação para posterior execução de sentença.

Em fundamento, e na sequência de convite ao aperfeiçoamento, alegou, em síntese, que é o dono do prédio rústico sito à (…), por tê-lo adquirido em 5 de Fevereiro de 1986, data a partir do qual passou a usá-lo e frui-lo, nele mantendo colmeias para a produção de mel. Tal prédio confronta do Sul com barranco, Poente e Norte com o prédio da ré denominado Herdade do (…) e do Nascente com o mesmo prédio e ainda com a Herdade do (…), fazendo-se o acesso à courela do autor, sempre e desde tempos imemoriais, pelo seu lado Norte, através de uma estrada em terra batida que atravessava a dita Herdade do (…) numa extensão de 6 Km, assinalada na planta a cuja junção procedeu, e que permitia o trânsito de pessoas, veículos e animais. Mais alegou que, à semelhança dos anteriores donos, após ter adquirido o prédio sempre ao mesmo acedeu através da descrita passagem, o que fez de forma pública, pacífica e de boa-fé, situação que perdura ininterruptamente desde há mais de quarenta anos.

Sucede que a ré, em Março/Abril de 2008, fechou a estrada de acesso, ficando o demandante impedido de aceder ao seu prédio, o que lhe vem causando prejuízos ainda não passíveis de contabilização, por cujo ressarcimento é aquela responsável.

* Citada a ré, invocou as excepções dilatórias de ilegitimidade activa e passiva, em ambos os casos por preterição de litisconsórcio necessário: o autor seria parte ilegítima por se encontrar desacompanhado do seu cônjuge; quanto à ré, estando em causa o encravamento do prédio do autor e a sua pretensão de constituição de uma servidão de passagem, por não terem sido demandados todos os proprietários dos prédios confinantes que sustentam o encrave.

Mais alegou não se encontrarem reunidos, não tendo sequer sido alegados, os pressupostos de que depende a constituição da pretendida servidão, impugnando ainda que o acesso ao prédio do autor se fizesse de modo contínuo pela dita Herdade do (…), uma vez que até à criação de um couto na Herdade do (…) – conforme agora também ocorreu no prédio da contestante – era por aquele prédio que o autor acedia à sua propriedade, assim concluindo pela sua absolvição dos pedidos formulados.

O autor respondeu à matéria das excepções, pugnando pela respectiva improcedência, esclarecendo neste articulado que o título aquisitivo da servidão cujo reconhecimento pretende ver declarado é a usucapião, direito que a constituição de um couto de caça turística no prédio onerado em nada pode prejudicar.

* Realizou-se a audiência prévia e nela, frustrada a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade activa e passiva, prosseguindo os autos com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, tendo sido pela Mm.ª juíza enunciados os seguintes, sem reclamação das partes: “a) da constituição de servidão de passagem por usucapião a favor do autor; b) da privação pela ré do acesso do autor à servidão de passagem; c) da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual; d) da existência de danos indemnizáveis e, em caso afirmativo, respectivo quantum”.

* Teve lugar audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, reconheceu o Autor como proprietário do prédio rústico sito na (…), com a área de 0,1750 ha, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da secção M, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vidigueira sob a ficha n.º (…), da freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira, absolvendo a Ré do mais peticionado.

* Inconformado, apelou o autor e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “1.ª- Veja-se que o significado de servidão predial está consagrado no art.° 1543 do Código Civil.

  1. - As servidões podem ser voluntárias (artigo 1547º, n° 1, do Código Civil), ou legais (art.º 1547º, n°. 2 e artigo 1550º do Código Civil).

  2. - Dispõe o art.° 1547º, n°. 1, do Código Civil que as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família.

  3. - A servidão por usucapião, enquanto causa genérica da aquisição do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo sobre uma coisa, alcança-se, atendendo ao preceituado pelo art.° 1287º do C. Civil, em consequência de uma posse duradoura sobre ela exercida, designada por posse prescricional, que se identifica com os actos materiais praticados sobre a mesma (corpus) com a intenção de o agente se comportar como titular do direito correspondente (animus), em nome próprio, de boa-fé, com publicidade, sem violência e, ininterruptamente desde o seu início, por período temporal suficiente, e que, na falta de registo e de boa-fé é de quinze anos, e de vinte anos, se for de má-fé, atendendo ao disposto pelo artigo 1296° do C. Civil.

  4. - O que está aqui em causa, e é isso que o Autor pretende, é que lhe seja reconhecida a constituição de servidão de passagem sobre o prédio da Ré por usucapião, isto é, que lhe seja, reconhecida a constituição de servidão voluntária de passagem.

  5. - O litígio concreto a dirimir diz apenas respeito ao Autor e à Ré, pois que o acesso ao prédio do autor sempre se fez, pelo menos há mais de 30 anos, por estrada de terra batida com cerca de 2,5 m de largura que atravessa o prédio da Ré – a Herdade do (…).” Conclui pela condenação da ré a reconhecer o direito de servidão de passagem, bem como a pagar os prejuízos causados ao recorrente.

A Ré não ofereceu contra-alegações.

* Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir no presente recurso determinar se se mostra constituída por usucapião uma servidão de passagem a favor do prédio de que o autor é titular do direito de propriedade.

* Da modificação oficiosa dos factos.

Embora o autor apelante não tenha impugnado a matéria de facto, nada obsta à sua modificação oficiosa nos termos consentidos pelo n.º 1 do art.º 662.º do CPC.

A Mm.ª juíza deu como assente no ponto 1 da sentença apelada que se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira, pela Ap. (…), de 1986/02/05, da ficha n.º (…) da freguesia de Pedrogão, a aquisição por compra a favor do A. do prédio denominado (…), sito em Pedrogão, a confrontar do Norte com a Herdade do (…), Sul, Nascente e Poente com a herdade do (…), inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo (…) da secção M, considerando como não provado que “

  1. O prédio referido em 1) confronta do Sul com barranco e do Nascente, Poente e Norte com a Herdade do (…)”.

    Para fundamentar a decisão proferida, no que respeita ao assinalado ponto da matéria de facto, fez consignar ter considerado a certidão do registo predial de fls. 77 e seguintes, a escritura pública de fls. 12 e ss.

    e as certidões de teor matricial de fls. 16 e ss e 75 e ss, explicitando ainda que os meios de prova mencionados levaram à consideração do facto vertido em a), acima transcrito, como não provado. Acrescentou ter o autor alegado “(embora implicitamente), que o seu prédio dispõe de confrontações diversas daquelas constantes do registo predial” e, admitindo embora que “a descrição predial não faça fé em juízo das confrontações, não se pode ignorar que por regra representa um ponto de partida para a indagação das mesmas”, acabando por concluir “ln casu, verificou-se...

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