Acórdão nº 238/16.9T8ELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução25 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

  1. AA, casado, residente na Rua …, n.º …, em Évora, intentou a presente ação especial de fixação judicial de prazo contra BB, casado, residente na Avenida …, em Campo Maior, pedindo que seja fixado ao Requerido o prazo de 90 (noventa) dias para proceder à marcação da escritura ou contrato de cessão das quotas na sociedade, conforme prometido.

    Alegou, em resumo, que em 19 de Março de 1984, pelo Cartório Notarial de Elvas, foi outorgada uma escritura pública de “trespasse, de compra e venda, cessão de créditos e fiança, através da qual o aqui Requerido adquiriu o direito ao trespasse, aos móveis e às existências e à clientela da sociedade comercial “CC, Lda.”. O Requerente além de ser sócio e gerente daquela sociedade desempenhava a tempo inteiro as funções de direção de vendas e de relações públicas com as marcas representadas, vivendo do rendimento que auferia com este trabalho e tendo em vista aproveitar os conhecimentos do Requerente e no sentido de este não se opor ao trespasse, o Requerido prometeu ao Requerente que na sociedade a constituir para exploração da atividade adquirida, o Requerente teria uma participação de 15% do capital.

    Com data de 19/03/1984 foi redigido a promessa que consta do documento apresentado a fls. 20, cuja assinatura do Requerido foi reconhecida notarial e presencialmente no Cartório Notarial e Elvas em 26/03/1984 e apesar de posteriormente o Requerido se haver ausentado do país, o Requerente não desistiu de lhe enviar cartas solicitando o cumprimento da promessa, sem que haja conseguido obter essa marcação.

    Citado, o Requerido contestou invocando, título de exceção, a prescrição do direito peticionado pelo Requerente, bem como a inexistência desse mesmo direito. E, complementarmente, invocou a inutilidade da fixação judicial de prazo.

    ***Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente e “fixou em 90 (noventa) dias o prazo para o Requerido BB proceder à marcação da escritura de constituição de sociedade ou à celebração de contrato de cessão das quotas de sociedade já constituída a favor do Requerente AA, nos termos e em conformidade com o declarado na promessa unilateral datado de 19.03.1984”.

    Desta sentença veio o requerido interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

    1. A factualidade articulada e provada não permite julgar a ação procedente.

    2. O presente processo é de fixação judicial de prazo regulado pelo disposto nos art.ºs 1026.º e 1027.º do CPC em conjugação com o disposto no art.º777.º, n.º1 e 2 do CC.

    3. O único pedido possível nesta ação é a fixação do prazo e a causa de pedir é a falta de acordo entre o devedor e o credor quanto ao momento do cumprimento da obrigação (art.º777.º, n.º2 do CC) (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., pág. 42).

    4. Faltando esse acordo entre as partes incumbe então ao tribunal a fixação do prazo para o exercício do direito ou o cumprimento do dever (art.º 1026.º do CPC e 777.º, n.º 2 do CC).

    5. O facto de não ser exigida legalmente a prova do direito invocado pelo Requerente, nem por isso a lei dispensa a justificação desse direito, devendo entender-se por tal justificação, pelo menos, a aparência do direito (“fumus boni juris”) exigida nos procedimentos cautelares (Ac. do STJ) de 14/12/2006 p.06B3880 e Ac. RC de 13/03/1984, CJ, IX, 2.º, 37, 1.ª Col. 2º a 5º PAR.).” E o requerente não justificou o seu direito, como deveria ter feito (art.ºs 1026.º e 368.º n.º1 do CPC e 777.º, n.º1 e 2 do CC).

    6. O documento transcrito no n.º 7 dos Factos Provados não consubstancia o reconhecimento de qualquer dívida ou outra obrigação por parte do Requerido. Não é, pois, uma promessa unilateral do Requerido. Trata-se, antes, de um mero documento informativo da futura gestão do estabelecimento trespassado. Nele não se indicam, sequer, os elementos essenciais do contrato de sociedade, designadamente, a natureza da entrada e os pagamentos por conta da quota por parte do Requerente. O documento não corporiza qualquer direito do Requerente.

    7. Mas mesmo que o referido documento incorporasse um direito de crédito a favor do Requerente, o que não se admite, o mesmo já está prescrito, uma vez que o documento (n.º7 dos Factos Provados) está datado de 19 de Março de 1984 e o Requerido foi citado para a presente ação em 14 de Abril de 2016. Decorreram mais de 32 (trinta e dois) anos, sendo certo que o prazo ordinário de prescrição é de 20 (vinte) anos (art.ºs 309.º e 306.º n.º1 do CC).

      Tratando-se de obrigação pura, a contagem do prazo da prescrição coincide com a data da constituição da obrigação já que é possível haver interpelação do credor (art.ºs 306.º, n.º1 e 777.º, n.º 1 e 805.º, n.ºs 1, todos do CC.) O Requerido, tem, assim, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304.º, n.º1 do CC).

    8. O Requerente também está legalmente obrigado a justificar o pedido, o que não fez, pois um dos fatos essenciais integrantes dessa justificação é o desacordo das partes na determinação do prazo (n.º2 do art.º 777.º do CC). A falta de acordo na determinação do prazo não consta da relação dos Factos Provados e nem foi, sequer, articulada pelo Requerente.

      Falta, pois, a causa de pedir (falta de acordo na determinação do prazo) no presente processo, o que torna inepto o requerimento inicial e nulo todo o processo (exceção de conhecimento oficioso, que se invoca para todos os efeitos legais (art.ºs 186, n.º1 e 2, alínea a) do CPC).

    9. O Requerente nunca, de resto, interpelou o Requerido para comparecer no Cartório Notarial para cumprir qualquer obrigação, apesar de ter tido possibilidades de o fazer (art.º805.º, n.º1 do CC).

    10. A fixação judicial do prazo também não se justifica por ser totalmente inútil, uma vez que o Requerido (1) não reconhece ter qualquer obrigação para com o Requerente (2) se recusa ao cumprimento de qualquer obrigação para com o Requerente, como o manifestou já na sua Resposta, (3) já não é proprietário do estabelecimento comercial referido no documento subscrito pelo Requerido em 19/03/1984 e nos n.ºs 1 e 7 dos Factos Provados e ainda (4) porque o valor nominal da sua quota na sociedade DD, Lda. corresponde apenas a 0,0125% do seu capital social.

    11. É, assim, objetivamente impossível, quer de facto quer de direito, que o Requerido constitua uma sociedade com o Requerente para explorar o referido estabelecimento comercial que já não lhe pertence desde Dezembro de 1996 ou que proceda à cessão da sua quota, ou parte dela, a favor do Requerente na sociedade CC, Lda. De modo a que o Requerente fique com uma quota correspondente a 15% do capital social, quando a quota do Requerido representa apenas 0,0125% desse mesmo capital social.

    12. A fixação judicial do prazo de 90 dias, pela douta sentença recorrida, para o “Requerido proceder á marcação da escritura de constituição de sociedade ou à celebração de contrato de cessão de quotas de sociedade já constituída a favor do requerente, nos termos e em conformidade com o declarado na promessa unilateral datada de 19/03/1984” não tem, pois, qualquer efeito útil por manifesta falta de justificação.

    13. Também, nesta...

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