Acórdão nº 1615/16.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB - Sucursal em Portugal, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 56.991,94, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento, bem como nas quantias que se remeterem para liquidação em consequência da reparação e parqueamento do veículo BJ, de danos futuros, baixas, incapacidades, cirurgias, tratamentos, assistência médica, medicamentosa, assistência de 3ª pessoa, que venham a verificar-se como consequência do acidente.
Alegou, em síntese, que no dia 19.07.2015, na estrada 261-5, ao Km 1,900, em Sines, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula …-BJ-…, propriedade do autor e por si conduzido, e o veículo com a matrícula …-…-RH, conduzido por CC, a quem atribui a culpa exclusiva na eclosão do acidente e do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve, dos quais se quer ver ressarcido, sendo que à data do acidente a responsabilidade por danos causados pelo RH encontrava-se transferida para a ré Companhia de Seguros.
A ré contestou, contrapondo que o acidente ocorreu devido a culpa do autor, mais impugnando os danos alegados e os montantes indemnizatórios peticionados.
Findos os articulados foi realizada a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, com subsequente identificação do objeto do litigio e enunciação dos temas de prova, sem reclamação.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
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Condenar a Ré Companhia de Seguros a pagar ao Autor AA a quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação desta decisão até integral pagamento.
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Condenar a Ré Companhia de Seguros, a pagar ao Autor AA a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de dano biológico, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação desta decisão até integral pagamento.
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Condenar a Ré Companhia de Seguros, a pagar ao Autor AA a quantia de €20.710,84, (vinte mil euros e setecentos e dez euros e oitenta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
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No mais, absolver a Ré do pedido.
Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento.
» Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo finalizado as respetivas alegações com as seguintes conclusões: «1ª) O douto Tribunal recorrido errou clamorosamente na apreciação da prova testemunhal produzida em julgamento, conjugada com a documental junta aos autos – auto de ocorrência, declarações dos intervenientes e fotografia do local; 2ª) Errou na apreciação dos depoimentos testemunhais e ao considerar como credível o depoimento da testemunha Helio …, que por diversas vezes referiu que o veículo RH estava fazer pisca, para depois, quando confrontado com o seu depoimento manuscrito, ter alterado o seu depoimento, 3ª) Não ponderou devidamente o depoimento do Militar da GNR que se deslocou ao local, que aferiu das características da via, bem como o depoimento da condutora do RH; 4ª) Ao ter efectuado uma análise critica deficiente, resultaram provados os factos 8, 10, 12, 13 e 16; 5ª) Tais factos considerados foram devida e formalmente impugnados, com as devidas transcrições por referência à reprodução mecânica dos mesmos e da análise dos depoimentos analisados no presente recurso resultam factos totalmente diferentes, pelo que os factos 6, 8, 10, 12, 13 e 16 devem ter a seguinte redacção, alicerçada no depoimento das testemunhas Hélio …, Rui … e Andreia …: 8 – Aquando do acidente a circulação dos veículos na Rotunda do Bolbugão processava-se em três faixas de trânsito.
10 – Por seu lado, o veículo automóvel de matrícula …-…-RH seguia pela hemi faixa de rodagem do meio da dita rotunda, atento o seu sentido de marcha; 12 – Nessa sequência iniciou a mudança de direcção da faixa interior directamente para a saída da rotunda, ficando na posição oblíqua ao sentido do trânsito; 13 – No decurso da manobra referida no ponto 12) ocorre a colisão na rotunda, na hemi faixa do meio dessa rotunda; 16 – Nas circunstâncias referidas em 13) a condutora do veículo automóvel de matrícula …-…-RH, não se apercebeu da presença do motociclo de matrícula …-BJ-… a circular à sua esquerda.
6ª) Com a alteração dos factos provados nos moldes ora indicados, necessariamente tem que se considerar que o condutor do motociclo foi o único responsável pela eclosão do acidente, pois entrou na rotunda - que bem conhecia - através de uma hemi faixa que se encontrava suprimida – em clara violação às normas estradais, nomeadamente a constante do art. 7º, nº 2, 1º do Código da Estrada; 7ª) O condutor do motociclo circulava na hemi faixa da esquerda da rotunda – dado ter entrado na mesma através da suprimida hemi faixa da esquerda, e ao pretender sair, apesar de ter feito sinalização luminosa, mudou a direcção do seu veículo de forma oblíqua à circulação de trânsito na rotunda e atravessou-se à frente do veículo automóvel que circulava na hemi faixa do meio na rotunda, alinhado com a saída, conforme referiu a testemunha Hélio; 8ª) Por sua vez, a condutora do veículo RH circulava na hemi-faixa do meio (central) e como não sabia qual era a saída para Lisboa, estava contornar a rotunda para quando descobrisse tal saída, pudesse sair da rotunda, não tendo violado qualquer norma estradal ou outra que possa ter dado causa ao acidente; 9ª) O que já não se pode dizer do conportamento do Autor, num local que bem conhecia e ao atravessar-se à frente do veículo que circulava na hemi-faixa do meio, ou seja, nem que fosse apenas pela sua localização tal veículo indicava que não pretendia sair da rotunda; 10ª) Por outro lado, considerou o douto Tribunal recorrido que face aos danos sofridos pelo Autor, a justa compensação deveria ser de € 9.500,00 a título de danos não patrimoniais e €10.000,00 a título de dano biológico – ofensa à integridade física de 3 pontos, porém, se analisarmos o relatório de perícia, a par do elenco dos factos provados, resulta que o A. não ficou afectado para a prestação da sua actividade profissional, mesmo a que presta aos fins-de-semana, ficando assim afectado com um dano biológico de 3 pontos; 11ª) Tal, felizmente para o Autor, não é relevante do ponto de vista da sua vida diária e profissional, e como não existem quaisquer repercussões na sua profissão, considera a Recorrente que a indemnização pelos danos não patrimoniais deveria ter sido efectuada num único capítulo, pois o dano biológico só deve ser separado dos restantes quando existam sequelas (patrimoniais) que impeçam o lesado de desempenhar a sua profissão, quando tal não exista, estamos perante um dano exclusivamente não patrimonial e como tal, passível de ser ajustado uma indemnização única a esse título; 12ª) Ainda que sem conceder, atendendo às lesões, ao período de recuperação (menos de 3 meses) e às sequelas permanentes de 3 pontos de DB, considera a Recorrente que o montante global a título de danos não patrimoniais (onde se inclui o DB) deverá ser no máximo de € 10.000,00 (dez mil euros), se atendermos aos critérios de equidade que subjazem ao cálculo indemnizatório.
13ª) No que respeita ao critério da reconstituição natural versus a indemnização por perda total, considerou o douto Tribunal recorrido que deveria optar pela reconstituição natural, pois a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura do Autor é de “apenas”5.257,94€, logo, para a Recorrente tal diferença não é excessivamente onerosa para ela, pois é uma companhia de seguros; 14ª) Citando a douta sentença acórdão no qual é mencionado que a excessiva onerosidade se prende com um sacrifício manifestamente desproporcionado: ora desproporcionada é a decisão: sendo o custo de reparação mais do dobro do valor venal do veículo, é razoável optar pela reconstituição em espécie? Se o veículo do Autor tem um valor venal de 5200€, não é essa a perda efectiva que o Autor tem? 15ª) Julga a Recorrente que sim, a par do legislador que no Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08, no artigo 41º, definiu o que é considerado de perda total.
16ª) Claro que o Código Civil dispõe sobre a reconstituição natural quando a mesma é possível, mas tal diploma rege as indemnizações em geral. O citado decreto-lei rege as indemnizações em sede de acidente de viação, ou seja, trata-se de legislação específica que afasta a geral, mormente o código civil, pelo que, considera a Recorrente que o critério de indemnização deverá ser o da perda total, e ainda que sem conceder, o montante que deveria ser arbitrado a este título é de € 4.423,00 (valor venal subtraído o valor do salvado); 17ª Assim, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos moldes indicados e considerado o condutor do motociclo como o único responsável pela eclosão do acidente, pois tal é o que resulta da dinâmica, condições da via e da aplicação da lei, tendo o douto Tribunal recorrido, com a decisão ora impugnada violado o disposto nos arts. 3 e 4 do art. 607º do CPC, ao não analisar criticamente toda a prova produzida, a par da violação dos arts. 7º e 14-A do Código da Estrada e arts. 483º, 566º, nº 2, 496º, nº 4 do CC e 41º do DL 291/2007, ao atribuir a responsabilidade pelo acidente à condutora do RH e ao decretar tais montantes indemnizatórios.
Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e atribuir-se a responsabilidade pela produção do acidente ao condutor do motociclo.
Só assim decidindo será feita Justiça e aplicado o Direito!» Contra-alegou o autor, pugnando pela manutenção do julgado.
II – ÂMBITO DO RECURSO...
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