Acórdão nº 16/15.2 GCABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J1 da Secção Criminal da Instância Local de Albufeira, da Comarca de Faro, em que A. deduziu pedido cível contra o arguido LF, esta foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152.º-A, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por idêntico período, condicionada ao acompanhamento da arguida e adesão a sessões psico-educativas promovidas pela PVAD, em regime de prova, bem como a pagar ao demandante, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 1.200,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido cível à demanda até ao efectivo e integral pagamento.

  1. Andou mal o Tribunal “a quo” ao valor da maneira como valorou o depoimento prestado pelo assistente, A.; d) Não pode o Tribunal “a quo” fundamentar e alicerçar a sua convicção no depoimento do assistente, quando inicialmente menciona que o assistente sofreu 2 AVC , e que nomeadamente no que diz respeito a datas, cronologia de eventos, havendo confusão quanto a esses pontos, mas no entanto, mais adiante já menciona que o assistente relatou de forma genuína, sincera, credível e coerente.

  2. Afinal qual o critério vertido na análise do depoimento? É credível ou não é credível? f) É questionável quanto à forma como a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido menciona expressamente que o facto de ter tido dois AVC lhe provoca confusão e incerteza quanto às datas e cronologia dos eventos… E quanto à demais matéria dada como provada, é a mesma credível? É que também foi prestada pelo assistente, o mesmo assistente que sofreu os dois AVC, será que esse facto não provoca nenhuma incerteza na demais prova dada como provada?! g) O caso vertente impunha a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, integrando a sua desconsideração a violação ao artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; h) O princípio do in dúbio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência, surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, e impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do dito princípio; i) Só a insuficiência matéria probatória e errada interpretação da mesma permitiu a decisão que veio a ser proferida contra a arguida, aplicando-lhe tão severa pena; j) A arguida é primária; k) A arguida continua com a sua actividade na área da geriatria, cuidando de dois idosos, como interina na casa dos mesmos.

  3. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa; m) A pena deve ser necessária e suficiente a garantir os fins da punição e não mais que isso.

  4. A decisão recorrida violou a norma contida no art.º 40.º, n.º 2 do Código Penal.

  5. A medida concreta da pena de prisão aplicada é desproporcionada, violando as normas contidas no art.º 40.º, n.º 2, 70.º e 71.º, n.º 2 do C.P..

  6. O Tribunal” a quo”, salvo o devido respeito, na concretização da medida da pena que aplicou à Arguida fez errada interpretação e aplicação das normas vertidas nos art.ºs 70.º e 71.º, do C.P..

  7. A pena deve ser concretamente determinada nos termos dos art.ºs 70.º e 71.º, tendo em conta o art.º 40.º, n.º 2 do C.P..

  8. Porque a matéria provada é insuficiente para a decisão tomada e ocorre erro notório na apreciação da prova, deve o acórdão recorrido ser revogado, dando esse Tribunal de recurso, perante as contradições existentes em toda a matéria provada, a interpretação e o sentido que a mesma impõe, devendo a arguida ser absolvida da prática do crime, em obediência ao principio do “in dúbio pro reo”.

    Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    II Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 1) A. nasceu em 16/12/1927, tendo à data dos factos 87 anos, tendo ainda sofrido um AVC em Julho de 2014 o que o tornou uma pessoa particularmente vulnerável, com necessidade de auxílio diário de terceiros para realização da sua higiene diária, alimentação e medicação.

    2) O queixoso e a arguida conheceram-se em data indeterminada, mas durante o período em que esta laborava no Centro de Dia do Centro Paroquial de Paderne que o mesmo frequentava, bem como pelo facto de esta ter iniciado um relacionamento com F, primo do ofendido e entretanto já falecido, circunstâncias essas que aliadas ao facto de a arguida o ter ido buscar ao Hospital de Faro, onde se encontrava internado e conduzido a casa quando obteve a alta clinica, apos a ocorrência do episodio descrito em 1), assim como tomado conta deste, nomeadamente auxiliando-o com sua higiene diária e alimentação após a alta em sua casa, fizeram com que o queixoso confiasse na arguida.

    3) Por essa razão, e por não ter familiares próximos que o ajudassem, acordou verbalmente com a arguida pagar-lhe € 250,00, e em troca esta deslocava-se diariamente à sua habitação para lhe fazer a higiene pessoal, lavar-lhe a roupa e confeccionar-lhe as refeições, tendo esta assim procedido durante um período não determinado no ano de 2014.

    4) Em data indeterminada de 2014, mas prévia ao falecimento do seu primo, este ultimo e a arguida convidaram o ofendido para ir viver com eles, na residência de ambos à data, no Sítio da Alcaria, em Paderne, na sequencia de problemas familiares entre o ofendido e o neto, o que o ofendido aceitou, tendo acordado, em contrapartida, proceder ao pagamento à arguida da quantia de € 160,00, para esta continuasse a fazer-lhe a higiene pessoal, alimentação e lavar a roupa.

    5) No dia 29 de Outubro de 2014, o ofendido fez testamento em Cartório Notarial de Albufeira por meio do qual legou à arguida metade do imóvel que é a sua residência sito no Purgatório, Paderne, como contrapartida de esta tomar conta deste.

    6) F. faleceu em 22.09.2014, tendo passado então o ofendido a residir apenas com a arguida.

    7) Após o aniversário do ofendido, em Dezembro de 2014, a arguida modificou a sua conduta para com o ofendido.

    8) Assim, e em data não concretamente apurada, a arguida durante dois ou três dias apenas confeccionou ovos para o ofendido comer, produto alimentício que não fazia bem à digestão do ofendido, facto que a arguida conhecia.

    9) Ainda durante esse período, a arguida durante um número indeterminado de dias, quando saia de casa colocava o ofendido no quintal, junto com os cães, sem acesso à habitação, à rua ou à casa de banho.

    10) Também, a partir dessa data, a arguida deixou de auxiliar o ofendido a fazer a sua higiene pessoal.

    11) Numa ocasião próxima do final do mês de Janeiro de 2015, a arguida saiu de casa durante um número não apurado de horas, mas pelo menos entre as 8h00 e as 12h30, tendo deixado o ofendido trancado no interior da habitação, sem acesso à casa de banho, que a arguida igualmente trancou.

    12) Quando a arguida regressou a casa, o ofendido reclamou por esta ter impedido o seu acesso à casa de banho, ao que mesma respondeu que se socorresse da fralda que o mesmo usava.

    13) No dia 29 de Janeiro de 2015, cerca das 10H00, quando ambos se encontravam no quintal da habitação o ofendido disse à arguida que se queria ir embora e que lhe desse a chave da sua mota, o que esta recusou, tendo, em acto consecutivo, o empurrado ao mesmo tempo que lhe puxou as canadianas, fazendo com que o ofendido caísse para cima da mota, rebolando posteriormente contra um moto cultivador que aí se encontrava.

    14) Como o ofendido tivesse querido gritar por ajuda, a arguida tapou-lhe a boca com uma das mãos e com a outra apertou-lhe o pescoço.

    15) Seguidamente e porquanto a arguida queria que o ofendido entrasse para o interior do seu veículo para leva-lo consigo até S. Bartolomeu de Messines com o propósito de assinar um documento em que se reconhecia devedor da arguida, o mesmo fingiu anuir com o pretendido, tendo já na referida localidade logrado fugir, pedindo posteriormente ajuda.

    16) Em consequência dos factos supra referidos sofreu o queixoso humilhação, medo e inquietação, bem como dores e hematomas e ferimentos nas zonas atingidas.

    17) A arguida agiu da forma supra descrita de forma livre, deliberada com o conseguido propósito de provocar no ofendido as lesões corporais, medo e humilhação supra descritas, bem sabendo que o mesmo em função da sua idade e debilidade era de si dependente e que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

    Mais se apurou que: 18) Em data indeterminada e em número não apurado de vezes, mas durante o período descrito entre 7) e 15), a arguida proferiu ao ofendido...

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