Acórdão nº 423/15.0T9LAG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA FERNANDA PALMA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 423/15.0T9LAG.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No processo Singular nº 423/15.0T9LAG, da Instância Local de… – J2, da Comarca de Faro, por sentença de 30 de Outubro de 2016, foi absolvida a arguida BB, id. a fls. 263, dos crimes de injúria e difamação, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 180º, 181º e 184º do Código Penal.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, nos termos da sua motivação constante de fls. 277 a 299, pugnando pela condenação da arguida, e concluindo nos seguintes termos: 1. Em relação à matéria de facto, a versão apresentada pela Arguida de que nunca teve intenção de denegrir o Assistente não merece qualquer credibilidade, demonstrando as suas declarações, ao invés, que foi exactamente isso que pretendeu fazer.

  1. Conjugando as declarações da Arguida com o depoimento das testemunhas, entendemos que das mesmas deveria o Tribunal ter dado como provado a existência de dolo directo por parte da Arguida, tanto porque o mesmo resulta directamente das declarações da Arguida, como porque, de tudo o que foi dito pela Arguida, pelo Assistente e pelas Testemunhas, se retira, com o auxílio da experiência comum, tal intenção dolosa.

  2. A Arguida quis dirigir-se ao ofendido e proferir aquela expressão, bem sabendo que a mesma, cuja significância conhecia, era apta a demonstrar a sua falta de consideração pelo mesmo e, por via disto, adequada a causar lesão na honra e consideração do mesmo.

  3. Por outro lado, tendo o Tribunal dado como provada a matéria de facto 1 a 4, deveria este, com o auxílio das regras da experiência comum, ter inferido de tais factos a intenção dolosa da Arguida.

  4. Dado como provada a existência de dolo por parte da Arguida, cumpria ainda ao Tribunal a quo, proceder à alteração não substancial dos factos imputados, nos termos do disposto no artigo 358º nº1 do Código de Processo Penal - com a formulação “Ao actuar da forma descrita, a Arguida agiu de forma livre e consciente, com a intenção de ofender CC no seu bom nome, honra e consideração por conta do exercício de funções deste como Deputado Municipal de ….; - A Arguida, embora tivesse perfeito conhecimento de que tal conduta lhe era proibida por lei, não se absteve de a prosseguir.” - pois que, de todos os elementos de prova supra analisados, resulta inequivocamente que, apesar do Assistente já não se encontrava em exercício de funções, foi por conta de tal exercício de funções que a Arguida proferiu aquelas expressões injuriosas; 6. Em relação à matéria de direito, consideramos que a adjectivação “lazarento” tem o potencial de atingir o bem jurídico protegido pelo crime de injúria, só servindo para reforçar o potencial injurioso da frase “o senhor é pior que um cão”.

  5. Isto porque, afirmar que alguém é pior – inferior - a um cão (animal irracional de quatro patas) é claramente um insulto e mais o é quando este é um cão particularmente desvalioso porque é leproso, postulento e esfaimado.

  6. Por outro lado, consideramos que a propalação daquela expressão não cai no espectro da mera falta de educação e, bem assim, que a mesma não foi proferida num contexto político, mas que apenas derivou, decorreu, do combate político, que foi este a sua motivação, mas não foi neste que os factos foram praticados 9. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada por outra que considere provada a existência de dolo directo na propalação da expressão “o senhor é pior que um cão lazarento”, que altere a redacção do elemento subjectivo nos termos propostos e que considere aquela expressão atentatória da honra, consideração e bom nome do Assistente e assim, apta ao preenchimento objectivo do tipo de injúria, e, em consequência, condenar a Arguida BB pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º nº 1 e 184º do Código Penal, pois só assim se fará Justiça.

    A arguida respondeu, nos termos que constam de fls. 304 a 313, concluindo pela sua absolvição, nos seguintes termos: I - As normas jurídicas distinguem-se das demais normas (religiosas, de costume, morais) porque se prendem com o núcleo essencial da convivência humana, atendendo a que tutelam valores de tal modo relevantes para a vida em sociedade, que o Estado impõe coactivamente a sua observância, estipulando sanções para os infractores.

    II – O tipo legal do crime de injúria tem por finalidade proteger a honra e a consideração dos indivíduos.

    III – A Honra protegida pelo crime de injúria é entendida como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um.

    IV – A Consideração protegida pelo crime de injúria é entendida como o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública.

    V – A ofensa à honra ou consideração não é susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social ou com atitudes desrespeitosas ou grosseiras, ainda que dirigidas a pessoa identificada, as quais não são objecto de sanção penal.

    VI – A expressão “o senhor é pior que um cão lazarento”, sendo indelicada, não contende com o conteúdo ético da personalidade moral do visado, não ataca o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual não atinge valores ética e socialmente relevantes do direito penal.

    VII – No contexto em que foi proferida a expressão, esta não tem outro significado que não seja a mera indelicadeza da Arguida, uma manifestação da sua revolta pela conduta que lhe fora imputada pelo Ofendido na sessão da Assembleia Municipal, mas sendo absolutamente incapaz de pôr em causa o carácter, o bom nome ou a reputação do visado.

    VIII – Não houve assim intenção por parte da Arguida de atingir o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação do Ofendido, sendo assim a expressão dirigida pela Arguida nas circunstâncias em que o foi destituída de relevância penal, motivo pelo qual se justificou inteiramente a sua absolvição.

    Neste Tribunal da relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, no qual se pronunciou no sentido de não lhe repugnar o teor do decidido, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao Ministério...

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