Acórdão nº 9336/17.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Recurso n.º 9336/17.0T8STB.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

Nos Autos de Instrução, com o n.º 9336/17.0T8STB (anterior n.º 159/17.8PBSTB), a correrem termos pela Comarca de Setúbal - Juízo de Instrução Criminal de Setúbal – J2, o M.mo Juiz de Instrução veio a não Pronunciar a arguida BB pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, do Cód. Pen., como peticionado pelo assistente CC.

Porquanto, da análise conjunta da prova supra elencada, da inexistência de indícios suficientes da factualidade constante do requerimento de abertura de instrução no que se refere ao crime de violência doméstica por parte da arguida BB. Na verdade, quanto a tal ilícito, para além da alegação do referido requerimento, não existe qualquer prova.

Inconformado com o assim decidido traz o assistente CC o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões: 1) A injustiça da dualidade de critérios de tratamento do assistente/arguido e da arguida, patente em todo o processo, foi levada à instrução, mas aparenta ser também ela afinal a linha condutora da própria decisão instrutória.

(A Arguida e o Assistente/arguido desistiram ambos das duas queixas que haviam apresentado e apensas a estes autos. Porém as dela não foram aceites, as do aqui Assistente foram, quando versavam todas sobre a prática do mesmo crime: violência doméstica).

2) A decisão instrutória é absolutamente omissa quanto aos fundamentos e provas invocados e apresentados pelo assistente/arguido em sede de requerimento de abertura de instrução, havendo uma brevíssima menção à prova junta e que se resume à afirmação constante da página 7 da Decisão em crise que se transcreve “(…) No que se refere à certidão junta relativa ao processo de inquérito que correu termos em Sintra do mesmo nada se extrai, com relevo para a decisão a proferir nos autos, até pela decisão de arquivamento no referido processo.(…)”.

(A decisão instrutória estriba-se na versão apresentada pelo MP e ignora por completo tudo quanto o assistente/arguido apresentou e levou também à instrução. Acolhendo a posição do MP, são liminarmente afastados os elementos indiciários que foram levados aos autos pelo assistente/arguido e que no entendimento deste justificam a sujeição da arguida a julgamento aí então se decidindo.

Queixas de Janeiro de 2017: 3) Os maus-tratos e as agressões cometidos pela arguida contra o assistente de que há prova remontam pelo menos ao início de Janeiro de 2017.

(Diz a queixa que o assistente apresentou em 8 de Janeiro, no posto da GNR de Setúbal, contra a arguida BB pela prática do crime de violência doméstica, (que deu origem ao Processo …, que a GNR de Setúbal enviou para o DIAP de Sintra e correu termos na 5ª Secção do Ministério Público, Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Oeste): “O denunciante explicou que estes factos (as agressões da arguida) se têm vindo a agravar” (cfr. fls. 31 e 32 do Doc. 1. Junto com o Requerimento de Abertura de Instrução).

4) O relatório do exame médico-legal feito ao assistente em 09 de Janeiro de 2017 evidencia agressões muito graves cometidas pela arguida contra o assistente (cfr. fls. 84 do Doc. 1. do Requerimento de Abertura de Instrução).

(Foi atribuído ao assistente/arguido o estatuto de vítima (cfr. fls. 12 e 13 Doc. 1. do Requerimento de Abertura de Instrução) e foi encaminhado para o Gabinete Médico-Legal e Forense da Península de Setúbal (cfr. fls 17 do Doc. 1. do Requerimento de Abertura de Instrução).

5) Se o relatório do exame médico-legal tivesse sido prontamente junto aos autos, certamente que o processo não teria sido arquivado por “(…) Inexistem outras testemunhas presenciais dos factos que possam ser inquiridas ou outros elementos que cumprisse fazer juntar aos autos e que, previsivelmente, viessem a contribuir para a descoberta da verdade material. (…)” (fls. 69, de Doc. 1, junto com o Requerimento de Abertura de Instrução).

(Com efeito, muito embora tenha sido observado em 09 de Janeiro de 2017 e aquele Gabinete tenha elaborado e remetido em 12 do mesmo mês o Relatório da Perícia respectiva para o DIAP de Setúbal e de este o ter recebido em 20 do mesmo mês de Janeiro – cfr. Fls. 80, do Doc. 1, junto com o Requerimento de Abertura de Instrução -, lamentavelmente foi só em Abril seguinte, já depois do inquérito arquivado, que o DIAP de Setúbal remeteu tal perícia para Sintra – v. Fls. 79, de Doc. 1, junto com o Requerimento de Abertura de Instrução).

6) Tanto quanto resulta do relatório do exame médico-legal feito à arguida no Hospital Fernando Fonseca - fls 26 dos autos – a arguida apresentava equimoses.

(No mesmo dia 8 de Janeiro de 2017 a arguida BB saiu da casa que o pai do assistente/arguido tem em Sintra e, ao que se sabe, terá ido para uma casa abrigo; Apresentou a queixa que originou o inquérito NUIPC …, que corria termos na mesma 5ª Secção do DIAP de Sintra, entretanto apensado aos presentes autos).

7) O confronto entre os resultados dos exames médico-legais supra-referidos, demonstra bem que as lesões sofridas pelo assistente/arguido são de muito maior gravidade que as lesões sofridas pela arguida, o que evidencia não só a agressividade e violência das agressões infligidas pela arguida, como a sua atitude ofensiva, por contraposição à atitude defensiva do assistente/arguido que, procurando evitar as agressões lhe provocou as equimoses.

8) Foi a arguida que, por sua livre e exclusiva iniciativa e vontade, contactou telefonicamente o assistente/arguido a dizer-lhe que estava grávida e por isso estava alterada, a prometer que não voltaria a agredi-lo e a pedir-lhe que a fosse buscar (como aliás a própria confirma quando a fls. 107 dos autos afirma ter estado três dias na Cruz Vermelha e ter resolvido voltar para o CC).

9) As desistências das queixas que a arguida e o assistente/arguido elaboraram e enviaram para o DIAP de Sintra em 16 de Janeiro, relativas às queixas que ambos haviam apresentado, ambas pela prática do crime de violência doméstica (cfr. fls. 47 e 48 do Doc. 1. do Requerimento de Abertura de Instrução e fls do Apenso), mereceram decisões opostas do MP.

(Logo que recebida a comunicação do aqui assistente de que não pretendia procedimento criminal, a queixa por este apresentada que tinha dado origem ao Processo … foi imediatamente arquivada, sem aguardar pelo recebimento da perícia médico-legal (de que já havia notícia nos autos respectivos); já a queixa da arguida (Processo …) não foi arquivada, tendo o MP dito expressamente que a desistência não tinha qualquer efeito por se tratar de crime público (exactamente como sucedia com a queixa apresentada pelo assistente).

Queixas de Fevereiro de 2017: 10) As fotografias juntas a fls. 67 a 71 dos autos e o relatório pericial de fls... demonstram a violência das agressões que a arguida dirigiu ao assistente em 04 de Fevereiro de 2017.

(A queixa do assistente/arguido contra a arguida pela prática, em 04 de Fevereiro, do crime de violência doméstica, foi apresentada pelas 00H55 de dia 05 de Fevereiro de 2017, tendo dado origem ao inquérito …– os presentes autos. Concretamente o assistente queixou-se de ter sido selvaticamente agredido, alvo de murros, arranhões e unhadas sobretudo na cara que muito o maltrataram e feriram, tendo ficado repleto de escoriações e equimoses A fls. 53v. consta que o assistente foi ouvido e declarou pretender procedimento criminal contra a denunciada. Foi-lhe concedido o estatuto de vítima e notificado enquanto vitima especialmente vulnerável - fls 54 a 57).

11) O relatório da perícia médico-legal a que a arguida foi sujeita, não comprova as agressões de que diz ter sido alvo.

(A participação da arguida deu origem ao inquérito …, melhor identificado a fls 21 e ss. Esta queixou-se de ter sido alvo de murros, chapadas, puxões de cabelo, aperto no pescoço, etc., agressões que o relatório não evidencia).

12) Mais uma vez o confronto entre os resultados dos exames médico-legais feitos por um lado ao assistente/arguido e por outro à arguida, demonstra que as lesões sofridas por aquele são de muito maior gravidade e extensão que as lesões sofridas por esta.

13) Não é crível que limitando-se a arguida a defender-se das alegadas agressões do assistente/arguido, como alega ter feito, tenha afinal lesões muito menos graves em comparação com a gravidade das lesões que o assistente/arguido exibia.

14) Depois destas queixas uma vez mais foi a arguida que, encontrando-se em paradeiro desconhecido do assistente/arguido que nada fez para a localizar, recomeçou a contactar telefonicamente o assistente/arguido, a dizer-lhe que estava grávida e por isso estava alterada, a prometer que não voltaria a agredi-lo e a pedir-lhe que a fosse buscar.

15) A fls. 96 e 98 constam as desistências das queixas que a BB e o CC haviam apresentado, ambas pela prática do crime de violência doméstica. Uma vez mais a queixa apresentada pelo assistente foi arquivada, e a queixa apresentada pela arguida não.

16) Desta feita a queixa apresentada pelo assistente foi arquivada por o MP ter considerado que se tratava de uma situação isolada, enquadrando-a como crime de ofensa à integridade física e, atenta a desistência de queixa apresentada, carecer de legitimidade para prosseguir.

17) Mas a verdade é que não se tratava de uma situação isolada. As agressões da arguida sobre o assistente foram-se sucedendo reiterada e crescentemente: aquando da primeira queixa apresentada contra a arguida em Janeiro de 2017, já o assistente afirmava que os factos denunciados vinham a agravar-se, o que significa que já antes se verificavam, não podendo assim deixar de consubstanciar a prática do crime de violência doméstica.

18) Do exposto resulta suficientemente indiciada a responsabilidade da arguida pela prática do crime de violência doméstica e, cremos, a possibilidade de a esta vir a ser aplicada em julgamento, uma pena ou medida de segurança.

19) O crime em causa tem natureza de crime...

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