Acórdão nº 1336/16.4T9BJA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório Na instrução nº 1336/16.4T9BJA, que corre termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, a Exº Juiz do referido Juízo proferiu, em 2/4/17, um despacho com o seguinte teor: «A ofendida D, tendo apresentado o requerimento de abertura de instrução de fls. 114 a 124 durante o prazo de 3 dias após o prazo normal, veio requerer a dispensa da multa devida uma vez que não tem meios económicos para pagar a multa, pleiteando com apoio judiciário que lhe foi deferido.

Cumpre decidir.

Nos termos do artigo 139°, n° 8 do Código de Processo Civil dispõe que, " o juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado directamente pela parte".

No presente caso, a requerente alega que esta a passar uma fase económica muito difícil e que não tem meios económicos para pagar a multa mas de tal não faz prova, sendo que, o facto de a requerente gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos não significa que esteja em situação "de manifesta carência económica".

Se assim fosse, o legislador teria ressalvado expressamente essa situação na norma supra transcrita, o que não sucedeu.

Aliás, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 197/2006[2] "Para obter apoio judiciário basta a "insuficiência de meios económicos" (n.º 1 do artigo 1º), a prova da "insuficiência económica" provada ou presumida (artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 30-E/2000). Para que o pagamento da multa seja dispensado ou esta seja reduzida é necessário que o interessado esteja em situação de "manifesta carência económica" para suportá-la. Há aqui a exigência de uma situação de mais acentuada incapacidade económica, o que bem se compreende porque no primeiro caso se trata de viabilizar o acesso aos tribunais e no segundo de corrigir a desproporção de um obstáculo às condições desse acesso que tem a sua causa imediata no incumprimento do prazo, (processualmente) imputável ao requerente".

Pelo exposto, indefere-se o requerido.

Notifique, sendo a requerente, nos termos do disposto na alínea c) do n° 5 do artigo 139° do Código de Processo Civil, a fim de, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da muita aí prevista».

Do enunciado despacho veio a ofendida, entretanto constituída assistente, D. interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1 - A recorrente vive em Lisboa, tem grandes dificuldades económicas, pelo que só em 20/2/2017 obteve cópia integral dos processos, como resulta de Fls. 110 e 111 dos autos.

2 - Pelo que não houve qualquer atraso do seu mandatário na elaboração e remessa do requerimento de abertura da instrução, pois a procuração foi outorgada em 21/2/2017, estando datado de 17/2/2017 o oficio de deferimento do apoio judiciário e o requerimento de abertura de instrução foi enviado no dia 23/2/2017; 3 - A recorrente fundamentou o pedido de dispensa do pagamento da multa alegando «não tendo meios para pagar a multa" pleiteando com pedido de protecção jurídica que já foi deferido ".

4 - A recorrente é farmacêutica de profissão mas não exerce desde 2006 quando ficou impossibilitada de continuar a explorar a Farmácia S, em Brinches.

5 - A recorrente, pelo facto de estar degradado o edifício, pondo em perigo a qualidade dos medicamentos, iniciou as obras de remodelação, em 2005, mas não foram aprovadas pelo INFARMED, conforme cópia do ofício de 16/11/2006, que se junta, iniciando-se um processo que determinou a cassação do alvará, também por outras vicissitudes, que estão para julgamento no Proc. ---/14.8TBSRP, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, do qual foram extraídas as cópias dos documentos de Fls. 9 a 42 do processo crime que ora nos ocupa;.

6 - O INFARMED não aprovou o projecto de remodelação da Farmácia S e a Câmara Municipal de Serpa não deu autorização para reabrir a Farmácia, como se verifica do requerimento da ora recorrente e do oficio de resposta da Câmara Municipal de Serpa que se juntam; 7 - Ou seja, para além dos outros factos em discussão no Proc. --/14. 8TBSRP, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, a não aprovação do projecto de arquitectura implicou a impossibilidade de funcionamento da Farmácia S., em Brinches, tendo tudo entrado num circulo vicioso; 8 - A recorrente tinha outra Farmácia em Relíquias, Concelho de Odemira, mas também esta encerrou, estando pendente no Tribunal Central Administrativo l Sul processo contra o INFARMED; 9 - Estes processos levaram ao empobrecimento da recorrente, a vários processos de credores, ao colapso da vida económica da recorrente, que nunca mais teve actividade profissional, envolvida como executada em vários processos executivos e outros; 10 - A recorrente vive do recebimento de rendas de imóveis, no valor de cerca de 277,740 € mensais, mas que só lhe pertencem em 1/6 por serem imóveis de herança ainda não partilhados, ou seja em bom rigor a recorrente vive com 1/6 de 277,74 € por mês; 11 - Todos os imóveis que a recorrente tinha foram penhorados e vendidos nos processos executivos instaurados pelos credores, sociedades fornecedoras de medicamentos, bancos credores de empréstimos e outros.

12 - Esta situação é uma clara situação de "manifesta carência económica" a que a recorrente chamou de "não tendo meios para pagar a multa ", o que em bom rigor tem o mesmo significado.

13 - O facto de a recorrente ser "farmacêutica" pode impressionar, mas uma "farmacêutica" com a idade da recorrente, sem meios económicos, está na miséria; 14 - A lei deve ser interpretada de forma a não inviabilizar o acesso ao tribunal e o exercício dos seus direitos e defesa dos seus interesses, devendo a norma do art. 139º n° 8 do CPC ser interpretada "cum grano salis ", de forma a optimizar o acesso ao direito aos que não têm meios económicos.

14 - E com o devido respeito pelo Acórdão do TC citado na decisão recorrida, geralmente os nossos tribunais judiciais interpretam o art. 139º n° 8 de forma mais ampla, concedendo a dispensa do pagamento da multa nas situações como a relatada pela recorrente.

15 - E assim foi no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, Unidade Orgânica 2, Proc. ----/11.5BELSB, onde a recorrente e requereu a dispensa do pagamento da multa, tendo sido deferida a dispensa, e noutro processo, o Proc. ---/05.3BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi deferido o pedido de dispensa de multa, como se alcança pelas cópias dos despachos que infra se juntam; 16 - Salvo o devido respeito, o despacho recorrido é ilegal porque interpretou erradamente os factos e fez incorrecta interpretação da norma do art. 139° n° 8 do CPC, aplicável ao processo penal ex vi art. 4° e 107º-A , ambos do CPP.

17 - Por outra via, a norma do art. 139º n° 8 do CPC, se interpretada no sentido de quem não tem meios para a multa não está em "manifesta carência económica" ofende o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20° n° 1 da Constituição da República Portuguesa, cuja norma não exige sequer "manifesta carência económica", mas "insuficiência de meios económicos ", sendo certo que o interprete tem de presumir que o legislador constitucional expressou correctamente o que quis dizer, sendo por isso a interpretação que o despacho recorrido faz da norma do art. 139º n° 8 do CPC materialmente inconstitucional, não podendo ser aplicado no sentido em que o foi, inconstitucionalidade que expressamente se argui para todos os efeitos legais; 18 - Acresce que o Ministério Público também pode praticar os actos nos termos do 107º-A do CPP e está isento do pagamento de multa, não podendo haver diferença de tratamento entre o MP e os outros sujeitos processuais, por ofender também o art. 6° n° 1 e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

19 - Pelo que deve ser revogado e substituído por outro que dispense a recorrente do pagamento da multa, cujo montante é muito elevado para a recorrente, que o não pode pagar, por estar em situação de "manifesta carência económica" a que a recorrente chamou "não tendo meios para pagar a multa ", o que é mesmo, bem vistas as coisas.

NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento a este recurso e em consequência revogado o despacho recorrido para ser substituído por outro que defira o requerimento de dispensa do pagamento da multa.

FAZENDO-SE ASSIM A BOA E COSTUMADA JUSTIÇA O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação da recorrente, tendo, por seu...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT