Acórdão nº 1146/16.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 1146/16.9T8FAR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. (…), divorciado, residente na Praça da (…), (…) – 7º-B, dto, em Faro, instaurou contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, Câmara Municipal de Faro, com serviços centrais domiciliados no Largo da Sé, em Faro, Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade Requalificação, Valorização da Ria Formosa, S.A.

    , com sede no Chalet João Lúcio, Pinheiro Marim, Guarda Nacional Republicana (Unidade de Ação Fiscal - Guarda Fiscal), com Comando Geral domiciliado no Largo do Carmo, em Lisboa e Polícia Marítima, com Comando Geral domiciliado no Largo do Carmo, em Lisboa, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que construiu uma casa, no ano de 1979, no designado núcleo populacional da Ilha da Culatra, fora da faixa de 50 metros que constitui a margem das águas do mar, composta por dois quartos, cozinha e casa de jantar/sala comum, casa de banho, duas arrecadações e logradouro, com a área coberta de 53m2, num total de 168m2, a confrontar a Norte com (…), Sul com (…), Nascente com a Rua do Sol e Poente com (…) e que desde a referida data, vem cuidando da casa e logradouro, habitando-a como sendo sua e nela recebendo familiares e amigos, à vista de todos, sem disputas nem demandas de quem quer que seja.

    A Ilha da Culatra é uma ilha que ocupa 340 ha, pertence ao domínio privado do Estado e, como tal, é suscetível de usucapião.

    Em Abril de 2015, foi-lhe comunicada uma deliberação do Conselho de Administração da ré Polis que determina a demolição da sua casa e a tomada de posse administrativa por parte da referida Ré, na sequência da qual o A. e outros moradores do local, intentaram providência cautelar, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, visando a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo, providência cautelar que se mostra suspensa para conhecimento da questão prejudicial que constitui o alegado direito de propriedade do A.

    Concluiu pedindo que se declare e reconheça que é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, sito na Rua do (…), nº (…), no Núcleo do Farol, na Ilha da Culatra, Faro, com a composição e confrontações que identifica, por o haver adquirido por usucapião.

    A ré Polis contestou, em apertado resumo, excecionando a ilegitimidade do A, por preterição de litisconsórcio necessário, a falta de personalidade judiciária e de legitimidade das rés Guarda Nacional Republicana, Polícia Marítima e Município de Faro, impugnando a generalidade os factos alegados pelo A. e defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa do A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    O réu Estado Português contestou, em apertado resumo, excecionando a falta de personalidade judiciária das rés Guarda Nacional Republicana e Polícia Marítima, impugnando a generalidade os factos alegados pelo A e defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa do A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    Respondeu o A. por forma a admitir a falta de personalidade da Guarda Nacional e Polícia Marítima e a defender a improcedência da exceção de ilegitimidade do réu Município de Faro e tomando posição sobre documentos emitidos pela Agência Portuguesa do Ambiente, juntos aos autos pelos RR, defende que os mesmos “não fazem prova plena de nada, pois são emitidos por quem é, neste processo, parte interessada, o Estado Português”.

    Foi admitida a intervenção principal de (…), como associada do A. a qual, não obstante citada, não ofereceu articulado, nem fez qualquer declaração.

  2. Foi proferido despacho que julgou procedente a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré Guarda Nacional Republicana e da ré Polícia Marítima e absolveu estas da instância.

    Seguiu-se a designação de audiência prévia com a indicação que os autos reuniam os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa.

    O A. apresentou requerimento defendendo o prosseguimento dos autos por se mostrarem carecidos de prova os factos referentes domínio do Estado – público ou privado – sobre o terreno em que se mostra implantada a sua casa.

    Realizada a audiência prévia, seguiu-se a prolação de saneador/sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “Por todo o exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, decido: - homologar a desistência da instância apresentada pelo autor (…) em relação ao réu Município de Faro e, consequentemente, declaro extinta a instância em relação a este réu; - julgar a presente ação intentada por (…) contra Estado Português e Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade Requalificação, Valorização da Ria Formosa, S.A. improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo estes réus do pedido.” 3. O A. recorre da sentença, exarando as seguintes conclusões que se reproduzem: “

    1. A decisão proferida quanto à matéria de facto foi incorretamente julgada, pelo que se impugna nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, a) e b), do C.P.C.

    2. A matéria vertida nos pontos 8. e 9. e tido como assente, sendo matéria do Autor, nunca foi alegada com esta formulação, pois nunca da petição inicial consta, nem “detenção” e nem “edificação”, mas posse, casa e prédio urbano.

    3. Assim, se tais factos tiverem de ser tidos como assentes por acordo, então os factos hão-de constar tal como foram alegados pelo Autor, mas se, porque controvertidos, devem então constituir tema de prova.

    4. Sendo que esses factos alegados pelo recorrente não foram objeto de prova, e nenhuma consideração foi feita, na fundamentação, aos documentos por este juntos, nomeadamente a um Edital do Município de Faro.

    5. Quanto à demais matéria vertida nos pontos 1. a 7., e tida como assente, considera-se ter sido incorretamente julgada atento o único meio probatório que a sustentou e que foi a certidão da APA.

    6. Certidão cujo teor foi posto em causa pelo recorrente, tal com o dos demais documentos, e, ao contrário do que pretendem os Réus Estado e Polis, e a cuja tese parece ter aderido inteiramente o tribunal recorrido, não faz prova plena das características dos solos em causa, e menos ainda da sua integração no domínio público.

    7. Pois a referida certidão apenas atesta, com base nas perceções da entidade documentadora, os meros juízos pessoais do documentador, que valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 371º do Código Civil, e não mais do que isso, e a ser avaliada no conjunto da demais prova, H) Neste sentido cita-se o exarado pelo Digníssimo Magistrado do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé no processo 316/15.1BELLE de 22.09.2015 ao afirmar com clareza que: “Note-se, concretamente, que ao contrário do que pretende a entidade requerida (in casu a Polis SA), a “certidão” emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (com a informação, os documentos e o parecer que a acompanha) não faz prova plena das características dos solos em causa, e designadamente que os mesmos sejam efetivamente formados por deposição aluvial, e tão pouco da sua integração no domínio público marítimo: com efeito, este documento atesta apenas que é este o juízo e o entendimento desta entidade pública que emitiu a “certidão”, a qual porém vale apenas como elemento sujeito à livre apreciação do julgador (cfr. Artigo 371.º, n.º 1, in fine, Código Civil).

    8. Ainda que assim não fosse, decorre do próprio teor da dita certidão, emitida em 17 de Março de 2016, mesmo a tempo e à medida de contradizer o que vinha sendo alegado pelos moradores que se reclamavam donos das casas do Farol Nascente por usucapião, que, indo muito para além do que resulta da Lei 54/2005, aquela considera leito das águas do mar, toda a Ilha da Culatra, arrogando-se a APA no direito de se substituir ao julgador, fixando um sentido interpretativo para a norma, ato que de todo tem de ser rejeitado.

    9. A Ilha da Culatra e os seus núcleos, ora reconhecidos pela Resolução da Assembleia da República n.º 241/2016, de 27 de Outubro de 2016, são designados por ilhas barreira, que, nomeadamente, na Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar, a que Portugal aderiu, ratificada pelo Decreto do PR n.º 67-A/97, de 14-10, publicado no D.R. I série – A, n.º 238, de 14-10-1997, preceitua que “Uma ilha é uma formação natural de terra, rodeada de água, que fica a descoberto na preia-mar”, K) É, pois, de facto e de Direito incompatível incluir uma ilha na noção de leito, que é, afinal o que consta da aludida certidão da APA, não cabendo aquela na noção de leito definido no artigo 10º, n.º 1, da lei 54/2005, de 15 de Novembro, e que, por isso, é tida como coisa pública, L) Diga-se, a propósito, que é a Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 84º individualiza os bens que pertencem ao domínio público, deixando, no entanto ao legislador a faculdade de, por lei ou decreto-lei, classificar outros bens como bens do domínio público, como decorre do artigo 165º, n.º 1, alínea v), não por certidão da Agência Portuguesa do Ambiente, não por resolução do Conselho de Ministros, não por deliberação da Ré Polis, S.A., M) E, quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, essas coisas serão públicas se estiverem afetadas de forma direta e imediata ao fim de utilidade pública, o que não ocorre, nem ocorreu, com os terrenos do Farol Nascente, Ilha da Culatra, concretamente aquele onde foi implantada casa do recorrente, N) A Ilha da Culatra, com os seus 340ha, e séculos de existência...

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