Acórdão nº 125/16.0EALSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 125/16.0EALSB, que correm termos na Comarca de Évora (Juízo de Instrução Criminal de Évora), por despacho, proferido em 07-07-2017, foi rejeitado o requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente “M…, S.A.”.

Inconformada com essa decisão, recorreu a assistente, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “A. Vem, a Recorrente, recorrer do despacho proferido a fls. 418 a 423 dos autos, que indeferiu o requerimento de abertura de instrução por si apresentado.

  1. O requerimento de abertura de instrução foi indeferido por, alegadamente, não obedecer ao legalmente exigido, designadamente no que toca à narração da factualidade.

  2. Todavia, a Recorrente discorda do referido despacho, considerando que no mesmo estão cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 287º, nº 2, em conjugação com as alíneas b) e c) do artigo 283º, ambos do CPP.

  3. O requerimento de abertura de instrução contém os factos que constituem a infração da Denunciada e que fundamentam a aplicação, à Denunciada, de uma pena.

  4. Ou seja, contém indicação de que a Denunciada ACB se encontra a comercializar, nas suas instalações, produtos - entre eles, capacetes de ciclismo, peças sobressalentes e acessórios para velocípedes e ferramentas de montagem - com a marca F FORCE.

  5. Referindo-se também que o pedido de registo de marca da União Europeia nº ---- F FORCE, relativo à marca aposta nos produtos acima referidos, apresentado por KCK Cyklosport-Mode s.r.o, foi recusado pelo EUIPO para identificar parte dos produtos requeridos, entre eles, os produtos comercializados pela Denunciada, com fundamento na confundibilidade desta marca com o registo de marca da União Europeia anteriormente registada em nome da Assistente - registo de marca n.º ----- “FORCE-X”.

  6. No requerimento de abertura de instrução consta também indicação das disposições legais aplicáveis ao comportamento da Denunciada, acima descrito, e que preveem a pena a aplicar.

  7. Nos termos do nº 1 do artigo 9º do Regulamento da Marca da União Europeia, ao registar a sua marca, a Assistente adquiriu o direito de propriedade e do exclusivo sobre a mesma e que o titular de uma marca registada pode proibir que terceiros, sem o seu consentimento, comercializem produtos nos quais esteja aposto um sinal idêntico ou confundível à marca da UE registada, sendo esses produtos idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada (nºs 2 e 3 do artigo 9º do Regulamento da Marca da União Europeia).

    I. Refere também, expressamente, que a venda, pela Denunciada, dos produtos com a marca F FORCE apreendidos nos autos - entre eles, capacetes de ciclismo, peças sobressalentes e acessórios para velocípedes e ferramentas de montagem - constitui um ilícito criminal previsto e punido nos termos da alínea c) do artigo 323º do Código de Propriedade Industrial (CPI).

  8. O requerimento de abertura de instrução contém também, de forma clara, as razões que fundamentam a discordância da Assistente relativamente à decisão de arquivamento processo.

  9. No requerimento de abertura de instrução a Assistente esclarece que discorda do arquivamento dos autos por este ter tido unicamente por base o relatório pericial efetuado pelo INPI e este não poder ser aceite pela Assistente.

    L. A discordância deve-se ao facto de o relatório do INPI, base do arquivamento, ignorar a decisão do EUIPO relativa à confundibilidade entre as marcas “FORCE-X” (em nome da Assistente) e F FORCE (em nome de KCK Cyklosport-Mode s.r.o.) quando não o deveria ter feito, uma vez que a questão da confundibilidade entre as marcas em causa já havia sido apreciada pela instância europeia competente, com carácter definitivo, tendo o INPI omitido tal facto.

  10. Do requerimento de abertura de instrução, conjugado com o despacho de arquivamento ao qual reage resulta perfeitamente identificado: a) quem é o arguido; b) quais os crimes cuja prática a assistente lhe imputa e quais os factos que os consubstanciam c) quais as motivos de discordância do assistente relativamente ao despacho de arquivamento.

  11. A aplicação das alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º do CPP ao requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente deverá ser adaptada e não entendida no sentido de que esse requerimento tem que “começar do zero”, esquecendo tudo o que foi trazido para os autos até ali.

  12. Nestas condições, entende a Recorrente que estão cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 287º, nº 2, em conjugação com as alíneas b) e c) do artigo 283º, ambos do CPP, e que o requerimento de abertura de instrução contém todos os elementos necessários para a delimitação do objeto da instrução.

    Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido deve conceder-se provimento ao presente recurso, com todas as consequência legais, nomeadamente, com a abertura da fase de instrução nos presentes autos”.

    * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, defendendo a improcedência total do mesmo.

    A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação de Évora emitiu douto parecer, pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

    No caso destes autos, e vistas as conclusões extraídas pela recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, a questão a apreciar prende-se com a aferição da existência de motivo legal de rejeição da instrução, face ao requerimento para abertura de instrução apresentado pela assistente, isto é, saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento a pedir a abertura de instrução.

    2 - A decisão recorrida.

    O despacho revidendo é do seguinte teor: “M…, S.A.”, admitida a intervir como assistente nos presentes autos, discordando do despacho de arquivamento proferido em 15.05.2017, veio requerer a abertura da instrução com vista a que fosse proferido despacho de pronúncia contra a “B, A.C.--.”, pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo artigo 323º do Código da Propriedade Industrial.

    O Tribunal é competente e o requerimento foi apresentado tempestivamente.

    Importa, contudo, apreciar se é de admitir ou de rejeitar a requerida abertura de instrução.

    A instrução consubstancia uma fase facultativa do processo comum visando, nos termos do nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Penal, “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

    Mas há que ter em conta que, como decorre do disposto no artigo 287º, nº 2, do mesmo diploma, o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente em caso de arquivamento pelo Ministério Público deve equivaler a uma acusação.

    Na verdade, o requerimento de abertura de instrução, quando deduzido pelo assistente, configura ele mesmo, em substância, uma libelo acusatório que irá delimitar tematicamente a fase jurisdicional que se seguirá, devendo assim conter os seus elementos essenciais, para o arguido poder exercer plenamente o contraditório quanto a estes (vide a este propósito Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, 2ª edição, III, p. 138-147).

    Note-se que, conforme o preceitua o artigo 283º, nº 3, do Código de Processo Penal, “a acusação contém, sob pena de nulidade:

    1. As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis (…)”.

      Nestes moldes, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a pretensão de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança...

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