Acórdão nº 296/17.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 296/17.9T8FAR.E1 Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelantes: BB, CC e DD (autores).

Apelada: EE, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Faro, J1.

  1. Os autores vieram impugnar judicialmente a regularidade e licitude do seu despedimento promovido pela ré.

    Realizada audiência de partes não chegaram as mesmas a acordo.

    Notificada para motivar o despedimento veio a R. alegar que, no dia 24 de março de 2016, os AA., na sequência de plenário de trabalhadores, procederam à divulgação pelos clientes, utentes da praia e auditores do hotel, de um comunicado redigido em português e em inglês, no qual a acusavam de precarização das condições de trabalho por recurso ao trabalho temporário pago com baixos salários e estagiários em substituição de trabalhadores, aumento da repressão, não atualização de salários e não pagamento do trabalho suplementar prestado o que não corresponde à verdade pelas razões que melhor elencou.

    Acrescenta que a convocatória do plenário foi efetuada, em nome próprio por três delegados sindicais, entre os quais os dois autores masculinos e outro que integrava a comissão sindical, que extrapolaram as respetivas atribuições porquanto a legitimidade para proceder a tal convocatória pertencia à comissão sindical.

    Instruído o processo disciplinar, de acordo com as formalidades legais que elencou, decidiu-se a R. pela decisão de despedimento com justa causa dos AA. por entender que a relação de confiança e lealdade se quebrou em virtude dos comportamentos ofensivos, desprimorosos e difamatórios de que entende ter sido alvo.

    Arrolou testemunhas.

    Notificados, os AA. responderam alegando que a convocatória do plenário foi subscrita pelos três elementos que integravam a comissão sindical, que o conteúdo do comunicado que foi posto à votação no mesmo era o resultado do debatido em plenários anteriores, pelo que a sua entrega pelos AA. foi-o no âmbito da sua atividade sindical e ao abrigo da liberdade de expressão, motivo porque a decisão é ilícita.

    Acrescentam que desconhecem os factos atinentes às finanças da R., referindo, no entanto, que a mesma beneficiou de financiamentos através do Programa Algarve 21, que o aumento salarial de 2007 não contraria as pretensões de 2015 manifestadas pelo comunicado, que o hotel esteve fechado para obras entre novembro de 2008 e junho de 2010 e durante tal tempo os trabalhadores estiveram em formação e, quando não estiveram, foram obrigados a comparecer em contentores ou a gozar as férias, que por vezes o aumento se deu sobre a remuneração dos mesmos trabalhadores, as promoções não podem considerar-se aumento generalizado, a disponibilização de refeições sempre existiu, a extensão do seguro à família tem que ser assegurada pelo trabalhador – o que não pode ser encarado como regalia -, a disponibilização de farda e sua manutenção, também, sempre existiu. Mais referem que a referência à precarização das condições de trabalho pretendia abranger o desgaste dos materiais, equipamentos e infra-estruturas onde o trabalho é prestado e aos horários de trabalho que não respeitam as 11 horas entre jornadas de trabalho. Continuam referindo que menos de 50% dos trabalhadores da R. são efetivos, o recurso ao trabalho temporário representa cerca de 10% do número de trabalhadores sendo que alguns já poderiam estar a trabalhar através de contrato sem termo, os estagiários asseguram tarefas que deveriam ser asseguradas por outros, vários trabalhadores fazem queixas de repressão e abuso de poder por parte da R. às quais não dão seguimento por temerem consequências. Acrescentam que apesar da R. lhes compensar o trabalho suplementar com dias de folga também lhes dificulta o seu gozo e só em caso de cessação do contrato é que tais dias são pagos. Por isso, ainda que se reconheça que praticaram infração disciplinar, a decisão de despedimento é desproporcionada – atendendo também à sua antiguidade e ausência de antecedentes disciplinares sendo, por isso, ilícita.

    Referem ainda que o comunicado foi distribuído por outros trabalhadores da R., para além dos AA. e relativamente àqueles a R. não instaurou qualquer processo disciplinar, tendo assim violado o princípio da coerência disciplinar o que acarreta ilicitude da decisão.

    Finalmente acrescentam que o processo disciplinar teve como fundamento o exercício dos seus direitos como trabalhadores nos seis meses anteriores à instauração do processo disciplinar pelo que, a sanção aplicada se tem de presumir abusiva.

    Acrescentaram que a R. nos art.º 126.º a 132.º acrescentou novos factos que não devem ser tidos em conta.

    Por fim deduziram pedidos reconvencionais de indemnização em detrimento da reintegração Finalizam pedindo se declare a ilicitude do despedimento com a consequente reintegração ou indemnização dos AA., caso por esta venham a optar, e caso se prove a abusividade da sanção, requerem a condenação desta a pagar-lhes a indemnização a que alude o disposto no art.º 392.º n.º 3 do Código de Trabalho, bem assim as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento.

    Indicaram testemunhas.

    A R. exerceu o contraditório, alegando que o pedido reconvencional é inepto em virtude dos AA. não exporem os factos em que o alicerçam.

    Saneados os autos, decidiu-se que a matéria alegada nos artigos 127.º a 132.º do articulado motivador não seria considerada em virtude de não constar do processo disciplinar. Consequentemente, decidiu-se pela não admissão dos documentos 4 a 24 juntos com tal articulado.

    Admitiu-se o pedido reconvencional relativamente ao qual se não julgou procedente a ineptidão.

    Designou-se data para julgamento, que foi realizado de acordo com as formalidades legais, tendo-se, posteriormente ao mesmo, proferido decisão declarando os factos provados, não provados e respetiva motivação.

    De seguida, foi proferida sentença com a seguinte decisão: Em face do exposto:

    1. Declaro que BB, CC e DD foram despedidos com justa causa, pelo que absolvo a R. EE, SA dos pedidos formulados pelos mesmos.

    2. Custas pelos AA. (cfr. art.º 527.º do CPC, ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT), sem prejuízo da isenção de que os mesmos beneficiam.

    3. Fixo o valor da causa em € 60 805,91.

  2. Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação que motivaram e com as conclusões que se seguem: I – DA INCORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS – DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO A. O Tribunal a quo deu como provado que foi corretamente enviada a comunicação de marcação do plenário de trabalhadores, tendo sido este também corretamente marcado (ponto 37. da matéria provada).

    B. Igualmente deu como provado que os trabalhadores assim reunidos decidiram proceder à distribuição de um comunicado, nesse mesmo dia, e assim o fizeram (ponto 41. da matéria provada).

    C. Mais deu como provado que os AA. participaram tanto no plenário, como na distribuição do comunicado (pontos 42. e 45. da matéria provada).

    D. Face a tais factos dados como provados, o Tribunal a quo concluiu que “Estamos, pois, perante imputações e condutas (na medida em que os AA. conhecedores daquele conteúdo, não correspondente à realidade, procederam à sua distribuição a clientes e terceiros que em frente ao hotel passavam, e se o fizeram é porque com ele concordavam, assumindo-o como seu) graves, ofensivas do bom nome da R. e potencialmente prejudiciais dos interesses da empresa enquanto um todo.”.

    E. Ora, o Tribunal a quo deu como provado que a decisão de aprovar e distribuir o referido comunicado se deu em contexto sindical, e de luta laboral.

    F. Mas depois conclui que os AA. decidiram proceder à entrega dos mesmos como se de opiniões próprias e particulares se tratasse, sem qualquer contextualização ou atenção à sua condição de trabalhadores e ignorando o precedente enquadramento sindical da ação.

    G. Tomando, sem mais, parte, exclusivamente, pelos direitos da entidade empregadora, a R., o Tribunal a quo desconsiderou não só o enquadramento da questão, como a própria conformação da liberdade de expressão, especialmente em contexto laboral e sindical.

    Isto porque: H. O artigo 10.º da CEDH [Convenção Europeia dos Direitos do Homem] determina que: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou idéias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras”.

    I. E ainda que tal direito tenha limitações, que as tem, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sustenta que estas “têm de ser interpretadas muito restritamente e sempre atendendo à existência de uma «necessidade social imperiosa»”.

    J. Ora, que necessidade social imperiosa é que pode beneficiar a entidade patronal, que possa justificar a limitação por esta desejada à liberdade de expressão dos seus trabalhadores? K. Principalmente quando não se provou qualquer dano efetivo à imagem da empresa, a mesma até aumentou a sua atividade entretanto e esta apenas se queixou de vagos sentimentos de vergonha e embaraço, que atribuiu a outros empregados seus e nem sequer a si? L. Veja-se que a liberdade de expressão é protegida a nível constitucional (artigo 37.º) e especialmente a nível laboral (artigo 14.º, do Código do Trabalho), sendo “reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa”.

    M. Aliás, segundo Guilherme Machado Dray “a liberdade de expressão e de opinião no âmbito da empresa constitui uma condição necessária à tutela da dignidade do trabalhador”, que é a parte mais frágil da relação laboral.

    N. Mais, refere Jorge Leite que “Desde que não ultrapasse os seus limites, a crítica, mesmo pública, corresponde ao exercício de um direito, aliás, como um longo e penoso percurso...

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