Acórdão nº 195/16.1PAESP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018
Magistrado Responsável | MARTINS SIM |
Data da Resolução | 08 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório Findo o inquérito, a assistente A…, SA, imputou ao arguido AF, id. a fls.88, a prática de um crime de difamação de publicidade e calúnia, p. e p. no art. 180º, nº 1 e 183º, nº 1 al. a) do C. Penal.
O Ministério Público acompanhou a acusação pelos mesmos factos, mas imputou ao arguido a prática de um crime de publicidade e calúnia, previsto e punido, nos arts. 183º, nº 1, al. a), ex vi do art. 187º, nºs 1 e 2 al. a), ambos do Código Penal.
O arguido requereu a abertura da instrução, pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
Por despacho de 19 de Maio de 2017, o Mmo Juiz de Instrução Criminal de Portimão, decidiu não pronunciar o arguido pelos ilícitos referidos.
Inconformada a assistente recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: «I – Ao contrário do entendimento perfilhado no despacho recorrido, o crime de “ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço” p. e p. no artigo 187.º do Código Penal contempla uma incriminação distinta da “difamação” e da “injúria” (artigos 180.º e 181.º do Código Penal), não podendo ambas ser confundidas.
II - O bem jurídico protegido no artigo 187º do Código Penal não é a ”honra”, mas, antes, um bem jurídico heterogéneo que engloba a tutela da credibilidade, prestígio e confiança e cujo núcleo essencial se prende com a ideia de “bom nome” (neste sentido, vide José Francisco de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, 1999, pp. 677).
III - Constitui “meio de comunicação social”, para o feito do nº 2 do artigo 183º do Código Penal uma página do “Facebook” acessível a qualquer pessoa e não apenas ao grupo de “amigos”.
IV - Nos crimes de difamação e injúria é hoje pacífico não ser exigido um qualquer dolo específico ou elemento especial do tipo subjetivo que se traduzisse no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração. Não distinguindo, os respetivos tipos legais admitem qualquer das formas de dolo previstas no art. 14º do C. Penal, incluindo o dolo eventual.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIAS. REQUER-SE A REVOGAÇÃO DO DOUTO DESPACHO RECORRIDO, E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE PRONUNCIE O ARGUIDO PELO CRIME DE DIFAMAÇÃO, PUBLICIDADE E CALÚNIA P. EP. PELO ART. 180º, Nº 1 E ART. 183º Nº 1, AL.
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DO CÓDIGO PENAL».
O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: «1.
O legislador ao criar o tipo de ilícito do artigo 187.º, quis afastar as pessoas colectivas do âmbito de aplicação dos crimes de difamação e injúria e limitar a sua protecção neste domínio à estrita previsão do citado artigo; 2. A não ser assim, ou seja, a admitir-se a aplicação às pessoas colectivas do crime de difamação, o tipo legal do artigo 187.º, seria redundante, uma vez que a totalidade das condutas nele previstas estariam também abrangidas pela previsão do artigo 180.º do C. P. Penal; 3. Atendendo as especiais características das pessoas colectivas, o legislador decidiu criar um tipo autónoma, mais restrito, pretendendo deliberadamente deixá-las de fora do âmbito de aplicação do artigo 180.º do C. P: Penal.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a douta decisão recorrido V. Ex. as farão a costumada JUSTIÇA » O arguido respondeu dizendo: «A. Decidiu bem o douto Tribunal recorrido (Fls. 6 da Decisão Instrutória) de que o crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º do CP, não é de per se mobilizável dada a previsão especial do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva no artigo 187.º do CP que, de resto, remete internamente para o correspectivo artigo 183.º do mesmo diploma legal.
B. O facto de serem, como sublinha e conclui a recorrente, incriminações distintas “não podendo ambas ser confundidas” não quer dizer, bem pelo contrário, que se possa mobilizar quer o artigo 180º quer o artigo 187.º ante uma pretensa ofensa a uma pessoa colectiva.
C. Já dizia José de Faria Costa (In Revista de Legislação e Jurisprudência, nºs 3927 e 3928, pág.
183, de ao “proteger — proteger penalmente — a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva quando ela não exerça autoridade pública e quando se sabe que essa mesma pessoa colectiva pode ser vítima de uma difamação ou injúria seria um alargamento a todos os títulos injustificado e insustentável. Pensar-se assim ou ajuizar-se desta forma seria dar maior protecção à pessoa colectiva do que à pessoa individual”, indiscriminando obtusamente et pour cause violando o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
D. O elemento histórico não permite que se alcance a conclusão da recorrente, avaliza sim que se afirme que o artigo 187.º do CP procurou suplantar algumas querelas doutrinas e jurisprudenciais, conferindo uma tutela penal adequada às pessoas colectivas, excluindo a aplicação do 180º do CP.
E. O artigo 187.º CP procurou responder à protecção de que as pessoas colectivas careciam e onde avulta, dada inclusive a sua a inserção no mercado, a protecção do seu bom nome, crédito e confiança ou na terminologia legal “credibilidade, prestígio ou confiança”.
F.
Como síntese lapidar Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 12-05-2010 (Relator Jorge Dias): “O legislador autonomizou no artigo 187º do CP a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva - credibilidade, prestígio e confiança - e reservou para as pessoas singulares a previsão dos arts. 180º e 181º do mesmo diploma, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhe são devidas.” G.
Estando o “bem jurídico do bom-nome da pessoa colectiva (enquanto credibilidade, prestígio e confiança) protegido na incriminação do art. 187.º não vemos o que sobrará para o art. 180.º (sendo que não podemos aqui estar a referir-nos à honra das pessoas singulares administradores das pessoas colectivas). Cremos pois, que o legislador quis proteger a pessoa colectiva no art. 187.º do Código Penal de modo completo, já que, salvo melhor opinião, não se perceberia porque é que estando a legislar a posteriori sobre tal questão, ainda assim, continuasse a deixar de fora situações que seriam enquadráveis no art. 180.º do mesmo Código (entendemos que o ficou de fora, designadamente os juízos de valor, foi uma opção legislativa, desde logo porque se bem se pensar os juízos se dirigirão mais às pessoas singulares que administram a pessoa colectiva do que à pessoa colectiva)”.
Ibidem.
H. Em conclusão, a “nível jurisprudencial a tese de que após a revisão do CP de 1995 e com os esclarecimentos da revisão de 2007, a “honra”, prestígio e confiança das pessoas colectivas são protegidas pelo disposto no art. 187 do CP, respeitando os arts. 180 e 181 às pessoas singulares, pessoas física.
(…) Porque se vinha entendendo que a “honra e consideração” são atributos das pessoas singulares, por serem valores eminentemente pessoais e ligados à condição humana, mas porque também havia necessidade de proteger as pessoas colectivas no seu prestígio, a revisão penal de 1995 veio introduzir o art. 187. O legislador autonomizou a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva -credibilidade, prestígio e confiança- e reservou para as pessoas singulares, pessoa humana a previsão dos arts. 180 e 181, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhes são devidos”.
In acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2011 (Relator Jorge Dias).
I.
Sendo esse entendimento reiterado, de resto, em vasta jurisprudência superior, nomeadamente, no acórdão da Relação de Coimbra de 12-03-2008 (Relator Alberto Mira), no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-10-2002, (Relatora Isabel Pais Martins), no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-10-2007 (Relator Artur Oliveira) e encontra esteira doutrinal em teses como as de Nelson Hungria e dos Conselheiros Leal Henriques e Simas Santos.
J. Andou, desta feita, bem o Tribunal recorrido quando subsumiu os factos constantes dos autos no artigo 187.º do CP (e decidiu que não estavam porém preenchidos os elementos objectivos daquele ílicito criminal).
K. E não redundou desse modo, repise-se - atento o entendimento pacífico de que o artigo 187.º não protege somente as pessoas colectivas que exerçam autoridade pública – na conclusão de que a “concessão, a toda e qualquer pessoa colectiva, da protecção derivada do artigo 187º a beneficiaria em relação às pessoas singulares, desprovidas da protecção a interesses que, limitando-se à credibilidade, prestígio e confiança, não integram a sua honra e consideração — o que constituiria desigualdade não fundada em diferença relevante e, por isso, ofensiva do artigo 13º da Constituição”.
L.
Mesmo que assim não fosse a conduta do Arguido, ora recorrido, nunca se subsumiria no crime previsto e punido pelo artigo 180.º do CP, não tendo havido mais do que a colisão do direito à honra e ao bom nome com o direito à liberdade de expressão e de divulgação do pensamento consagrado, de resto, no artigo 37.º da CRP.
M. A liberdade de expressão “ compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras”.
N.
Constatando desse modo o Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 12-03-2009, Relator Serra Baptista) que “o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do nº 2 do art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem”.
O.
As expressões utilizadas que a Recorrente considera difamatórias (artigo 5.º e 6.º da Acusação Particular) mais não são do que uma forma pessoalíssima de...
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