Acórdão nº 221/17.7T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Março de 2018
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 22 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I – RELATÓRIO 1.
AA, BB, CC e DD intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EE, FF, GG e HH, pedindo que as Rés fossem condenadas a reconhecê-los como legítimos proprietários do imóvel que identificam [prédio rústico, composto por um lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 827 metros quadrados, sito no Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, descrito na Conservatória do registo Predial de lagoa sob o n.º …/…, da freguesia de Ferragudo] e que seja declarada a prescrição da cláusula resolutiva constante do contrato de compra e venda respeitante a tal imóvel [efectuada em 29 de Março de 1973] e registada na Conservatória do Registo Predial.
Alegaram, para tanto e em síntese, que: – São legítimos proprietários do prédio rústico composto por um lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 827 metros quadrados, sito no Vale da Areia ou Ponta do Altar, freguesia de Ferragudo, na sequência do contrato de compra e venda celebrado em 22 de Março de 1973, entre João … e Maria …, na qualidade de vendedores e antecessores dos réus, e Manuel … e AA, na qualidade de compradores; – Este contrato foi celebrado sob a condição de, no lote de terreno vendido, ser construído um prédio unifamiliar no prazo de três anos, a contar de 22 de Março de 1973, obrigação que só se considerava cumprida mediante a apresentação do respectivo certificado de habitabilidade passado pela Câmara Municipal. No caso de a condição não ser cumprida, o terreno e tudo o que nele estivesse edificado tornar-se-ia propriedade dos vendedores; – Decorridos os três anos, a contar de 22 de Março de 1973, a moradia unifamiliar não foi construída, nem se encontra construída; – Acresce que a autora AA e o seu marido abordaram os vendedores do imóvel e, por volta do ano de 1976, João … e Maria … disseram-lhes que a «questão» da resolução não se colocava, porque então se vivia um período de conturbação pós-revolução de 25 de Abril de 1974; – Apesar disso, João deixou por testamento à sua mulher, Maria …, a parte que lhe pertencia nesse prédio e, por óbito desta, sucedeu-lhe o seu único herdeiro José …; – Com a morte deste, em 22 de Dezembro de 2004, foi instaurado o Processo n.º 636/08.1TJLSB, que correu termos pelo então 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 2.ª Secção, onde o referido prédio foi incluído na verba n.º 12 da relação de bens e adjudicado às rés, na proporção de ¼ para cada uma.
Referem também que o direito à resolução não pode ser exercido sem dependência de qualquer prazo, havendo de considerar, no caso concreto, como estabilizador das relações jurídicas estabelecidas entre as partes o prazo ordinário de 20 anos estabelecido no artigo 309.º do Código Civil.
Além disso, os autores têm registado a seu favor a propriedade do imóvel, beneficiando desta forma da presunção de que o direito existe e lhes pertence, prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial.
Concluem pela total procedência da acção, reconhecendo-se o direito que lhes assiste sobre o imóvel e declarando-se a prescrição da cláusula resolutiva inserta no contrato de compra e venda supra identificado.
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As rés contestaram a acção, fazendo-o por excepção e por impugnação, e deduziram ainda reconvenção.
Após aceitarem os termos do negócio celebrado em 22 de Março de 1973, qualificam como condição resolutiva a cláusula inserta no mesmo (que impunha, em determinado prazo, a construção no terreno transmitido de uma moradia unifamiliar), por via da qual, na sua pendência, o negócio celebrado produz todos os efeitos que lhe são próprios, que desaparecerão retroactivamente se a condição se verificar.
Nesta perspectiva, o contrato de compra e venda celebrado produziu os seus efeitos típicos, mas no que concerne à transferência da propriedade do prédio, ficou dependente da verificação de um evento futuro e incerto – construção de uma moradia unifamiliar, no prazo de três anos –, obrigação que não se tendo verificado, fez desencadear automaticamente a resolução do contrato e, consequentemente, a reversão da propriedade do prédio para os vendedores.
Assim, não obstante existir um registo a favor dos autores, as herdeiras dos vendedores, as aqui rés, são as legítimas proprietárias do imóvel em causa.
Finalizam, solicitando a total improcedência da acção e a procedência dos pedidos reconvencionais que deduziram, atinentes à verificação da condição resolutiva, conduzindo resolução automática do contrato de compra e venda celebrado entre os primitivos contratantes, com o consequente reconhecimento do direito de propriedade das contestantes/reconvintes e a obrigação de os autores procederem à entrega do mesmo.
Mais pretendem o cancelamento do registo da aquisição do imóvel a favor dos autores e a inscrição da propriedade a seu favor.
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Notificados da contestação, os autores apresentaram articulado de réplica, no qual mantiveram o alegado na petição inicial, concluindo pela integral procedência da acção, naqueles exactos termos, e pela improcedência da reconvenção, por não provada.
Ademais acrescentam que, dado o tempo decorrido, sempre teriam adquirido o direito de propriedade sobre o prédio rústico em questão por via do instituto da usucapião, assistindo-lhes por isso inteira razão nas pretensões que deduzem juízo.
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Dispensada a realização de uma audiência prévia, realizou-se audiência final após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e a reconvenção improcedente.
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É desta sentença que recorrem os Réus, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: “1. Por vontade consciente dos compradores, devidamente registada e constante da escritura de compra e venda ora em causa, um dos efeitos do negócio – a transmissão plena e definitiva da propriedade - ficou dependente de um facto futuro e incerto, totalmente externo às obrigações típicas do contrato de compra e venda.
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A edificação de uma moradia no prazo de três anos não é um facto certo ou incontornável, totalmente dependente da vontade dos compradores. Pelo contrário, é um facto futuro e incerto.
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O processo de licenciamento e construção de um imóvel está também dependente de terceiros e de factores externos à vontade das partes, não controláveis pelos compradores.
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Existe um grau de incerteza associado e inerente à condição a que o negócio ficou sujeito.
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As obrigações que caracterizam o contrato de compra e venda são, por um lado, o pagamento do preço e, por outro, a entrega da propriedade, as quais foram integralmente cumpridas.
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As Partes estipularam que a não-verificação da conclusão da obra em três anos implicaria a resolução dessa transmissão, optando expressamente por uma condição resolutiva, válida ao abrigo do disposto na parte final do artigo 270º do Código Civil.
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Tal condição não corresponde a uma obrigação contratual prestada pelos compradores a favor dos vendedores.
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Da leitura da escritura pública não se pode retirar que os compradores se obrigaram perante os vendedores a construir uma moradia unifamiliar e, caso não o fizessem, incumpriam o mesmo contrato.
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Como resulta claro da interpretação literal das declarações supra transcritas, prestadas pelos outorgantes na escritura de compra e venda, foi expressamente dito pelos mesmos que a venda foi feita “sob condição”.
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Sendo, ainda, expressamente referido que a venda se deu, naquele momento, como efectivada com a entrega do preço, mas que considerar-se-ia automaticamente resolvida se a condição a que ficou sujeita não fosse cumprida, o que reflecte a tipificação da condição como resolutiva, nos termos e para os devidos efeitos do disposto no artigo 270º e ss. do Código Civil.
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Os compradores aceitaram comprar este lote de terreno, sabendo que essa venda estava onerada com uma condição – a construção de uma moradia unifamiliar – assumindo o risco do negócio.
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Caso a construção não fosse concluída em tal período, os compradores perderiam o seu direito de propriedade, regressando a titularidade do bem à esfera jurídica dos vendedores mediante resolução automática do contrato por força da verificação da condição resolutiva.
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Não está, assim, em causa nos presentes autos uma cláusula resolutiva com base numa obrigação prestada pelos compradores perante e a favor dos vendedores e que ao ser incumprida geraria a resolução desse mesmo contrato.
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Está, sim, em causa um contrato de compra e venda sujeito a uma condição resolutiva.
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A resolução do negócio por força da condição resolutiva opera automaticamente, sem necessidade de qualquer comunicação pela parte a quem aproveita.
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Tendo o negócio sido automaticamente resolvido pelo preenchimento da condição resolutiva, não procede o argumento da alegada prescrição do direito a resolver o contrato, uma vez que este há muito se encontra resolvido.
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Tanto assim é que ao longo de mais de quarenta anos os compradores...
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