Acórdão nº 24/05.1EABJA.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório No 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetida a julgamento, além de outros[1], a arguida B, devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-la da prática, em co-autoria, de 36 crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b), ambos do C. Penal, que lhe vinha imputada, e, bem assim, julgar improcedentes os pedidos indemnizatórios que contra todos os arguidos haviam sido deduzidos por MG, JB e MB, “Banco Credibom, S.A.” e AC.

Interposto recurso dessa decisão pelo MºPº, com vista à condenação da arguida pela prática de 13 crimes de burla qualificada, foi proferido acórdão que determinou a alteração da decisão da matéria de facto (no que concerne aos pontos 13., 30., 32., 41., 43., 44., 46.-A, 46.-B, 46.-C, 48., 50., 55., 56., 80., 82., 83., 85., 86., 118., 119., 214., 227., 228., 230., 232., 261., 265., 326., 329., 332., 423., 424., 425., 426., 427. e 428. dos factos provados e als. h), ttt), uuu), xxx), yyy), www) e dddd) dos não provados, nos moldes que ali foram indicados, e eliminação das als. j), o), p) e r) também dos não provados), determinando, igualmente, que a arguida fosse condenada pela prática de 8 crimes de burla, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b), ambos do C. Penal, que a factualidade definitivamente considerada como assente preenche, e que, após baixa dos autos, a audiência fosse reaberta a fim de se realizarem diligências tendentes a apurar os factos, relativos ao circunstancialismo de vida pessoal, comportamento e personalidade da referida arguida, com interesse para a determinação da medida das penas, com a subsequente prolação de acórdão condenatório em conformidade com o decidido.

Em obediência ao acórdão desta Relação, foi reaberta a audiência e, realizadas que foram as diligências consideradas como pertinentes, foi proferido novo acórdão que condenou a arguida, pela prática de 8 crimes de burla, ps. e ps. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) do C. Penal, nas penas parcelares de 250 dias de multa por cada um e, em cúmulo, na pena única de 750 dias de multa à taxa diária de 7€.

Ainda inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo que seja revogada na parte restrita às penas parcelares e únicas e substituída por outra que condene a arguida em pena não inferior a 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada por regime de prova e pelo pagamento aos ofendidos das quantias que indica, para o que concluiu como segue: 1 – Aceita-se toda a matéria de facto provada.

2 – Bem como o enquadramento jurídico-penal da mesma efectuado no Acórdão recorrido, que condenou a arguida na prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, de oito (8) crimes de burla, p. e p. pelos artºs. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. b), do Cód. Penal.

3 – Ao considerar que a moldura penal aplicável a cada um desses crimes é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias e não a moldura de 2 a 8 anos de prisão, o Acórdão recorrido violou o disposto no nº 2, do artº 218º, do Cód. Penal.

4. O grau de ilicitude que é elevado, expresso na diversidade dos actos enganatórios praticados pela arguida, com recurso a múltiplos estratagemas para levar as vítimas a assinar os contratos, visando a arguida a obtenção de um lucro para si própria e para a entidade à qual prestava serviços e ainda nos valores obtidos com a sua conduta ilícita, que ascenderam a cerca de €4.000,00 por cada um dos lesados.

5. A culpa, também de grau elevado, pois a arguida agiu com dolo muito intenso (dolo directo), sendo vítimas da sua conduta pessoas fragilizadas quer pela idade avançada quer pela circunstância de se encontrarem desempregadas e às quais foram, falsamente, prometidos empregos; 6. A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, face ao aumento significativo deste tipo de crimes que se vem registando, ou pelo menos conhecendo, que impõe que se desencoraje a sua prática, assim se repondo a confiança da comunidade na eficácia do ordenamento jurídico; 7. As condições pessoais da arguida e a sua situação económica, pessoal e profissional 8. A conduta anterior aos factos: a arguida não tem antecedentes criminais registados, circunstância que não podendo traduzir qualquer prémio, posto que é dever de qualquer cidadão manter uma conduta conforme com o direito, não será aqui de desconsiderar totalmente, atenta a sua idade à data da prática dos factos.

9. A conduta posterior aos factos e as necessidades de prevenção especial: a arguida nunca assumiu a prática dos facos nem procurou ressarcir por qualquer forma as vítimas da sua conduta.

10. Deverá aplicar-se à arguida, quanto a cada um dos crimes, uma pena não inferior a dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.

11 – Importando, em seguida, proceder ao cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, nos termos estipulados no nº 1, do art. 77º, do Código Penal.

12 - Assim, segundo as regras da punição do concurso, o limite mínimo da pena aplicável ao arguido deverá ser de 2 anos e 6 meses e o limite máximo 20 anos de prisão- nº 2, do artº 77º, do Cód. Penal.

13 - Ponderando os factos na sua globalidade, nomeadamente, indiferença e desconsideração reveladas pela arguida em relação ao sofrimento alheio e a invulgar ousadia e frieza de carácter em contraponto com a concentração dos factos num curto período temporal, com um modo de actuação similar e mantendo, antes e após os factos aqui objecto de julgamento, uma vida conforme ao direito, sem outras condenações registadas no seu c.r.c., não se detecta uma propensão da arguida para o cometimento de ilícitos penais ou uma personalidade mal formada, pelo que se afigura adequada a condenação da arguida na pena única de cinco (5) anos de prisão.

14 – Atento o lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos sem que a arguida apresente antecedentes criminais registados aliada à sua inserção familiar e profissional é possível formular o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão permitem manter a arguida afastada do cometimento de novos ilícitos penais, pelo que se aceita a suspensão da execução da pena a aplicar à arguida B, pelo período de cinco anos.

15. Suspensão que, nos termos do disposto no artº 53º, nº 3, do Cód. Penal deverá ser condicionada ao cumprimento de regime de prova.

16. Bem como, ao abrigo do disposto no artº 51º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, à entrega, das seguintes quantias, com a obrigação de documentar nos autos a sua realização: i) no prazo de um ano, após o trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €103,50 à lesada MC; ii) no prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado do Acórdão, da quantia de €724,50 à lesada CV, sendo metade dessa quantia durante o primeiro ano e restante até ao termo do segundo ano; iii) oitenta e quatro euros (€84,00) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, à lesada, JR; iv) cento e dois euros e quarenta cêntimos (€102,40) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, aos lesados, FD e AD; e v) setenta e sete euros e sessenta cêntimos (€77,60) por mês, durante os cinco anos de suspensão da execução da pena, ao lesado, FB.

O recurso foi admitido.

Não foi apresentada resposta.

Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual - considerando assistir razão ao recorrente tanto no que respeita à invocação de lapso manifesto na aplicação de penas de multa quando aos crimes de burla qualificada ps. e ps. pelo nº 2 do art. 218º do C. Penal corresponde apenas pena de prisão, de 2 a 8 anos, como na parte em que pede a condenação da arguida nos termos em que o fez, apresentando-se como ponderadas e adequadas à conduta da arguida e aos critérios de prevenção geral e especial as penas, parcelares e única, propostas – se pronunciou no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo sido apresentada resposta apenas pelo demandante AC, que veio manifestar a sua concordância em relação àquele parecer, sendo igualmente da opinião de que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por decisão que condene a arguida B.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação No (novo) acórdão recorrido foram considerados como provados, na parte que para aqui interessa, os seguintes factos: a) - Constantes do acórdão de fls.3468 e ss., com as alterações[2] efectuadas pelo Venerando Tribunal da Relação: 1. A sociedade “Q”, matriculada na 3.ª Conservatória do Registo Comercial do Porto em 2.10.2000 sob o n.º ---, tem como objecto o “comércio a retalho de todo o tipo de artigos para o lar, importação e exportação” e sede na Praceta----, em Matosinhos; 2. Nos anos de 2005 e de 2006 JM e JMM eram administradores da sociedade “Q”; (…) 4. Entre Agosto de 2005 e Maio de 2006, a sociedade “Q” concretizou, através dos seus colaboradores, um número indeterminado de vendas de produtos, nomeadamente colchões, a que chamavam “aparelho” e “produto magnetizado/ortopédico” em Évora, Beja, Elvas, Reguengos de Monsaraz, Almodôvar, Vila Viçosa e Cuba; 5. Para tanto, os potenciais compradores eram previamente contactados via telefone e, com a promessa de receberem prémios, eram convidados a deslocar-se a hotéis ou associações e colectividades especificamente reservados para realizar reuniões e demonstrações de produtos; 6. Em concreto, a sociedade “Q” procedeu à reserva de salas no Hotel Ibis, a Albergaria Vitória e a Albergaria do Calvário, todos sitos em Évora; na Pousada de S. Francisco e o Hotel Francis, em Beja; na Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro, em Cuba; nos Bombeiros Voluntários de Vila Viçosa e de Almodôvar e na...

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