Acórdão nº 432/16.2PAENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo n.º 432/16.2PAENT, da Comarca de Santarém, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acusação particular deduzida pelo assistente LM procedente e, em conformidade, condenar o arguido V, como autor de um crime de difamação dos artigos 180.°/1 e 183.°/1, b), do CP, na pena de multa de 155 (cento e cinquenta) dias, à taxa diária de € 8 (oito euros), perfazendo o valor de € 1.240 (mil, duzentos e quarenta euros). Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, e, em conformidade, condenado o mesmo arguido demandado a pagar ao assistente demandante, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 700,00 (setecentos euros).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “1) O presente recurso tem como objecto a sentença que julgou a acusação particular deduzida pelo assistente procedente e, em conformidade condenou o arguido pela prática de um crime de calúnia, p. e p. pelo artigo 183º nº 1 al. b) do Código Penal na pena de multa de 155 (cento e cinquenta) dias à taxa diária de 8 € (oito euros), perfazendo o valor de 1240,00 € (mil duzentos e quarenta euros), e julgou o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em conformidade, condenando o arguido a pagar ao assistente a título de danos não patrimoniais a quantia de 700,00 € (setecentos euros), bem como no pagamento das respectivas custas criminais e em valor de 3 Ucs.

2) Tendo como fundamento o presente recurso: a) A decisão proferida, julgando improcedente a questão prévia de queixa manifestamente infundada e da nulidade da acusação particular, ora suscitada pelo arguido em sede de contestação; b) A nulidade da decisão proferida sobre a matéria de direito, por violação de normas jurídicas, erro na determinação de norma aplicável e a condenação do arguido por factos diversos e não descritos na acusação, nos termos e de acordo com o disposto nos artigos 379º nº 1 al. b), 410 e 412º nº 2 do CPP; e c) A impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, por existirem concretos pontos de facto que estão incorrectamente julgados, bem como as concretas provas impõem decisão diversa da recorrida, nos termos e de acordo com o artigo 412º nº 3 al. a) e b) do CPP; 3) O ofendido apresentou uma denúncia, munido de uma carta e afirmando sentir-se ameaçado de morte e recear pela sua integridade física e, em lado algum, durante a fase de inquérito referiu sentir-se afectado ou infamado por expressões escritas naquela carta, nomeadamente o epíteto “porco”, razões pelas quais o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento e não acompanhou a acusação particular. Entendeu-se também aqui que, aquela carta, em concreto e considerando o contexto familiar em que surge trata-se de um conjunto de desabafos, de forma pouco cortês e mal-educada, mas que não integra a prática de crime.

4) Foi apresentada acusação particular com novos factos, não denunciados e de âmbito particular, qualificados juridicamente de forma diferente, peticionando assim o julgamento e condenação por um crime mais grave - o de publicidade e calúnia p. e p. pelo artigo 183º nº 1 als. a) e b) do Código Penal; 5) Na contestação o arguido insurgiu-se contra este procedimento criminal, invocando a existência de queixa manifestamente infundada, omissão insubstituível por acusação particular com factos novos e qualificação jurídica por crime mais grave, bem como uma acusação insuficiente por não se encontrar alegado o elemento subjectivo.

6) O assistente jamais denunciou ou fez queixa dos factos constantes da acusação, pelo que impediu o cumprimento do princípio da investigação em sede de inquérito do processo penal e os respectivos direitos de informação, defesa e contraditório.

7) O Tribunal “a quo” ao decidir que existia queixa bastante, prosseguindo o julgamento com aquela acusação particular violou a lei, as regras e princípios processuais de Direito Penal, desde logo, porque omitiu a sua pronúncia quanto à legalidade da acusação particular que contém factos novos e acusa por um crime diferente e também jamais se pronunciou quanto à falta de elemento subjectivos, no cumprimento e de acordo com os artigos 285º e 283º do CPP.

8) Esta acusação particular importa uma alteração substancial, face aos factos denunciados em inquérito e que foram investigados, implicando a condenação do arguido não por crime de difamação p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal, mas pelo crime de publicidade e calúnia p. e p. pelo artigo 183. nº 1 al .b) do Código penal, o que configura uma nulidade da sentença, nos termos e de acordo com o artigo 379º nº 1 do CPP. Por outro lado, esta acusação particular não cumpre os requisitos legais, por não estar alegado quanto ao seu elemento subjectivo.

9) Omissões que não são passíveis de correcção, nem supridas oficiosamente, por o juiz não poder se substituir ao Ministério Público ou ao assistente, sob pena de se verificar uma alteração substancial dos factos, o que não foi decidido nos termos e de acordo com o artigo 311º e, posteriormente nos termos e de acordo com o artigo 338 nº 1 ou 368º do CPP; 10) Relativamente à queixa apresentada, é inequívoco que o assistente não manifesta qualquer vontade especificadamente pelos fatos de que alega ter sentido afetado, lesado ou difamado com tais palavras e que foram objecto de acusação particular. Segundo a lei e doutrina, a queixa exige uma manifestação de vontade especificadamente dirigida e em que tem de dar a perceber a intenção inequívoca do titular.

11) O principio da oficialidade da promoção processual sofre as limitações e excepções decorrentes da existência de crimes semi-públicos e dos crimes particulares, proclamando o artigo 48º a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, logo aí se ressalvam as restrições constantes dos artigos 49º a 52º, as quais conformam, justamente, as excepções a que o nº 2 do artigo 262º se refere.

12) Nos crimes semi-públicos e particulares a promoção do procedimento pelo Ministério Público está condicionada pela queixa das pessoas para tal legitimadas; A queixa nos crimes semi-públicos, a constituição de assistente e a acusação particular, nos crimes particulares são pressupostos da admissibilidade do processo, neste sentido, pressupostos processuais que constituem limitações, em que a denúncia não substitui a acusação, mas tem necessariamente de a preceder e mesmo autênticas excepções nos crimes particulares ao principio da promoção oficiosa do processo penal.

13) Pelo que, o tribunal andou mal ao entender que a mera denúncia é bastante para este procedimento criminal, errou na aplicação da lei, visto que não se vislumbra qualquer queixa quanto aos especificados factos, o tribunal “a quo” violou o princípio da oficialidade e da promoção do processo penal, o princípio da investigação e do acusatório, devendo a sentença ser declarada nula e com todas as consequências legais.

14) Da análise e teor da sentença, considerando os depoimentos prestados em audiência de julgamento, entendemos que o Tribunal “a quo” errou ao proferir a decisão de facto que resulta da sentença, pelo que se impugna a matéria de facto nos termos e de acordo com o artigo 412º nº 3 al. a) e b) do CPP, erro de julgamento que, em nosso modesto entender traduz uma decisão diferente - a absolvição do arguido.

15) Impugnação que se faz por referência às declarações prestadas e gravadas, com excepção, curiosamente, das alegações desta defesa que não se vislumbra qualquer gravação e cuja irregularidade e ilegalidade ora se suscita, para os devidos efeitos legais.

16) Mais, se impugnam os FACTOS PROVADOS EM 1 E 6, pois que não foi o arguido que entregou a carta ao assistente, nem o arguido que a divulgou, ou a fez divulgar, por alguma forma ou meio.

17) O tribunal errou ao escrever-se na fundamentação da sentença (pág. 5) que o arguido sabia que enviando a carta à Joana ela daria conhecimento à ex-mulher e esta, por sua vez ao assistente, incorrendo assim num erro notório e contraditório entre os factos e a fundamentação.

18) Pelo que, face ao exposto, nos parece de todo imprescindível ficar a constar da matéria de facto provada que: FACTO 1 - No mês de Junho de 2016, EP, mulher do assistente entregou uma carta escrita pelo arguido que lhe havia sido entregue pela ex-mulher do arguido, a testemunha AA; FACTO 6 - A referida carta era dirigida á sua filha Joana e foi encontrada pela pela ex-mulher do arguido em cima da mesa da cozinha da casa de habitação do arguido, 9) E conforme se atesta dos depoimentos de todas as testemunhas, com conhecimento directos destes factos, cujos depoimentos estão designadamente: a) as declarações de arguido gravadas em CD e prestadas em julgamento no dia 12.06.2017 aos 15:12 até 16:08; b) as declarações do assistente - LM gravadas em CD em 12.06.2017 aos 16:12 a 16:42; c) as declarações da testemunha EP, mulher do assistente, gravadas em CD em 19.06.2017 aos 14:38 até 15:21 e, d) as declarações da testemunha, ex-mulher do arguido, AA gravadas em CD em 19.06.2017 aos 15:32 até 15:58; 20) Igualmente se impugna o FACTO 6 quando refere que o arguido “não se coibiu de lhos dar a conhecer”. Na sequência, o arguido não deu a conhecer qualquer teor ou conteúdo da carta ao assistente ou quaisquer outras pessoas. O arguido escreveu a carta para a sua filha que a sua ex-mulher encontrou na casa que ela já não habitava e, sem a presença ou consentimento do arguido levou esta carta, reteve-a pelo menos, desde Janeiro a Junho de 2016, após o que decidiu dá-la a conhecer às irmãs do arguido, entre as quais a esposa do assistente que, por sua vez a mostrou ao seu marido, aqui assistente.

21) O FACTO PROVADO EM 7, com o devido respeito NÃO FICOU PROVADO, bem pelo contrário. O aqui arguido nas suas declarações gravadas em CD em 12.06.2017 aos 15:12 até 16:08 apresentou perante o tribunal sete motivos para, no seu entender considerar o assistente de porco, que no dicionário significa um...

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