Acórdão nº 1033/16.0T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi acusada e sujeita a julgamento, SM nascida a 02.11.1976, em Faro, casada, a quem o MP imputara, a prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.°, n.º 1, als. b) e e), do Código Penal.

  1. - Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenar a arguida pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 256.°, n.s 1, alíneas a) e d), do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

  2. Inconformado com a sentença condenatória veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões « III - CONCLUSÕES Pelo exposto, extraem-se as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. ( ... ), que julgando procedente a acusação, com os fundamentos explanados em sede de motivação e que damos aqui por reproduzidos, condenou a ora recorrente pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 256°, n. 1 al. a) e d) do Código Penal, numa pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), com a qual não se conforma a Recorrente.

    1. O documento em causa nos autos é um certificado de incapacidade temporária para o trabalho (documento de uso corrente, conhecido de qualquer homem médio), integralmente escrito em escrita informática, com data de emissão em 18/12/2015; o certificado é emitido por 4 dias.

    2. De todo o conteúdo do documento, a única parte que é diferente, porque manuscrita, e portanto se destaca, são as datas de início e termo da incapacidade, locais onde foram apostas de forma manuscrita as datas de 3 de Fevereiro de 2016 e 8 de Fevereiro de 2016. As datas assim feitas constar não correspondem ao computo dos dias do campo referente ao número de dias pelos quais o certificado é emitido - in casu, quatro dias -. Para além de que, sendo a data de emissão do certificado 18/12/2015, o mesmo seria emitido para data posterior em mais de um mês e meio! D. Do mero confronto do documento em causa, sem ser sequer necessário proceder à simples análise do mesmo se conclui que é visível e perceptível a olho nu que a emenda efectuada, nas datas de início e termo, de forma manuscrita, é perfeitamente perceptível e não tem a virtualidade de passar despercebida a qualquer pessoa. Pelo que, a rasura em causa não é idónea a induzir em erro qualquer homem médio.

    3. Além do mais, sendo esse o único campo adulterado, sem que nem o número de dias pelos quais o certificado é emitido nem a data de emissão do certificado tenham sido alterados, a desconformidade do documento com a realidade é imediatamente apreensível a qualquer observador.

    4. Para além do ponto um dos factos provados ser conclusivo, sempre se dirá que quer nesse ponto quer no ponto dois e no ponto cinco dos mesmos factos provados o tribunal "a quo" labora em erro. Porquanto, o que resulta da prova produzida e analisada em sede de julgamento, i.e., declarações da arguida e documento de fls 10 dos autos, é que o documento a que se referem estes pontos dos factos provados é um documento verdadeiro. E que a Recorrente o adulterou, ao apor no mesmo, de forma manuscrita, as datas de 3 de Fevereiro de 2016 e 8 de Fevereiro de 2016.

    5. O documento em causa não é materialmente falso. Quer o impresso quer as declarações nele constantes são verdadeiras, à excepção dos dados constantes do campo relativo às datas de início e termo da incapacidade, alteradas pela Recorrente, de forma manuscrita. Matéria esta que o tribunal "a quo" não cuidou de ponderar devidamente e que resulta da simples análise perfunctória do documento em causa, que serve de base à decisão sobre a matéria de facto.

    6. Assim, laborou o tribunal "a quo", na sua douta decisão, em erro de julgamento.

      I. Destarte, devem os pontos um e dois dos factos provados ser revogados, substituindo-se por outro de onde conste: " 1. Em data não concretamente apurada, a arguida apôs de forma manuscrita num formulário de um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, emitido pela médica DE, no local destinado ao início e termo de incapacidade, respectivamente as datas de 3 de Fevereiro de 2016 e 8 de Fevereiro de 2016, sendo a arguida a beneficiária, no âmbito da assistência prestada a familiares".

    7. Deve ainda o ponto cinco dos factos provados ser revogado e substituído por outro de onde conste: "5. A arguida tinha perfeito conhecimento que alterara componente que integra o mencionado documento, tendo feito uso dele visando obter um benefício a que sabia não ter direito - justificar as ausências ao serviço perante a sua entidade patronal." K. Mais, devia o douto tribunal "a quo" ter dar como provado que a arguida efectivamente não veio a auferir qualquer benefício com a sua conduta, pois que a Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P., do Ministério da Saúde logo detectou a desconformidade no documento apresentado pela mesma e, acto contínuo, remeteu participação criminal ao Ministério Público. E bem assim, nenhum prejuízo adveio da sua conduta.

      L. Destarte, aos factos provados da douta decisão ora posta em crise deve ser aditado ponto de onde conste: "A arguida não auferiu qualquer benefício ou causou qualquer prejuízo com a sua conduta".

    8. Ao contrário do doutamente pugnado na decisão ora posta em crise, é manifesto que estamos, no caso em apreço, perante um falso grosseiro.

      Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/10/2004, no processo n. 2407/2004-9, relatado por Margarida Vieira de Almeida, que se transcreve parcialmente por manifestamente relevante: "Como pode ler-se na anotação 7 ao art° 256° do Código Penal anotado pelo Exmo Conselheiro Maia Gonçalves ... "falso grosseiro, ou seja, daquela falsificação que reunindo os demais requisitos legais do tipo não tem qualquer virtualidade para encontrar crédito junto daqueles a quem é destinada, e, portanto, não é susceptível de causar prejuízo ... Vista agora a questão à luz das novas disposições sobre a punição da tentativa também se afigura inviável a punição, pois que no falso grosseiro é manifesta a inaptidão do meio empregado (se o não for o falso já não é grosseiro) estando portanto excluída a punição, ex vi do n. 3 do art° 23° ... Como se pode ler no acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Janeiro de 1985, CJ, X, Tomo 1, 83, o facto só não será punível se a falsificação for reconhecível (no sentido de manifesto) pela generalidade das pessoas normais dotadas de são entendimento,... quando uma pessoa medianamente informada e conhecedora a reconheça imediatamente .... tratando-se, nesse caso, de uma tentativa não punível - acórdão 6 de Março 1985, BMJ 345, 457. [. . .} a rasura era visível e perceptível a olho nu e que a emenda feita do número de dias de doença atribuídos no atestado não passava despercebida à normalidade das pessoas. [. . .} Fácil é concluir que a rasura feita é inidónea para causar prejuízo por facilmente detectável e que a tentativa através dela efectuada é inidónea para produzir o resultado pretendido, logo, não punível tal como se prevê no art° 23°, n 3 do Código Penal, por se tratar de "falso grosseiro"." N. In casu, a falsificação do atestado médico apresentado pela Recorrente à sua entidade empregadora era evidente e de tal forma grosseira que não tinha virtualidade de convencer ou induzir em erro aqueles a quem era destinada, pelo que, era insusceptível de causar prejuízo. Pelo que, estamos perante uma falsificação grosseira e, como tal, não punível tal como se prevê no art° 23°, n 3 do Código Penal. Impunha-se assim, a absolvição da arguida pela prática do crime que lhe vinha imputado.

    9. Assim, entende a Recorrente que o tribunal "a quo" não valorou convenientemente a prova documental, uma vez que a prova produzida impunha respostas diferentes aos factos ou a parte deles e, consequentemente, impunha uma decisão diversa daquela que foi produzida nos presentes autos. Mal andou o tribunal "a quo", ao decidir não estarmos perante uma falsificação grosseira, lavrando em erro de julgamento, o que resulta quer do texto da decisão que ora se põe em crise, quer do explanado supra, o que inquina de nulidade a douta sentença ora posta em crise.

    10. Ademais, e salvo o devido respeito por melhor opinião, curial seria o tribunal "a quo" ter feito aplicação do princípio in dúbio pro reo, regra legal de decisão em matéria de facto.

    11. No caso sub judice, resulta sobejamente dos autos que devia ter-se suscitado, em face da globalidade da prova produzida, dúvida insanável, devendo o tribunal "a quo" ter lançado mão daquele princípio, nada mais restando que, a essa luz, absolver a ora recorrente da factualidade que lhe vinha assacada.

    12. Violou assim, ainda, a douta decisão recorrida o disposto no artigo 32º da C.R.P. por interpretação indevida dos artigos 343º nº1 e 345º do C.P.P., e ofensa do direito à defesa e, consequentemente, o principio in dubio pro reo.

      TERMOS EM QUE, REQUER-SE A V. EXAS. que concedam provimento ao presente recurso e, consequentemente, declarem nula a douta decisão recorrida, ou quando assim douta mente se não entenda, a revoguem substituindo-a por outra que absolva a aqui Recorrente nos termos supra expostos.» 4. Notificado para o efeito, o MP pronunciou-se pela improcedência do recurso.

  3. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

  4. Cumprido o disposto no art. 417º n. 2do CPP, a recorrente nada acrescentou.

  5. A sentença recorrida (transcrição parcial)...

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