Acórdão nº 2749/15.4T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCLEMENTE LIMA
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2749/15.4T9FAR.E1 Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I 1 – Nos autos de processo comum em referência, os arguidos, BB e a CC - Restauração, Lda., foram acusados, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível (p. e p.), nos termos do disposto nos artigos 107.º e 105.º n.

os 1, 4 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), 30.º n.º 2 e 79.º n.º 1, estes do Código Penal, esta com referência ao disposto nos artigos 7.º n.

os 1 e 3, do RGIT, e 11.º, 30.º n.º 2 e 79.º n.º 1, do CP.

2 – O Instituto da Segurança Social, IP (ISS) formulou pedido cível contra os arguidos pela quantia indemnizatória de 37.152,16 euros e juros.

3 – O arguido BB contestou, alegando a insolvência de ambos os arguidos, a impossibilidade de pagar a dívida e manter a intenção de a liquidar, na medida das suas possibilidades.

4 – Precedendo audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, por sentença de 4 de Abril de 2017, decidiu: (i) declarar extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide; (ii) condenar o arguido BB, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107.º, 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 do RGIT em conjugação com o artigo 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, substituída por 72 (setenta e dois) períodos de prisão em Estabelecimento Prisional, com duração individual de 48 (quarenta e oito) horas, períodos esses que deverão ter início às 20 (vinte) horas de Sexta-feira e termo às 20 (vinte) horas de Domingo, a começar na primeira Sexta-feira decorridos que sejam 30 (trinta) dias após o trânsito da sentença; (iii) condenar a arguida CC - Restauração, Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107.º, 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, conjugado com o artigo 7.º, n.ºs 1 e 3 todos do RGIT e com os artigos 11.º, 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de multa correspondente a 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); (iv) condenar os arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Uc's, reduzida a metade por força da confissão (artigo 344.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal).

5 – O arguido BB interpôs recurso da sentença.

Formula o pedido nos seguintes termos: «deve declarar-se a nulidade e inconstitucionalidade invocadas, com as suas legais consequências, absolvendo-se o arguido do crime de que vem acusado; ou se assim não se entender, aplicar-lhe pena de admoestação, ou no máximo pena de prisão não superior a 6 meses, sempre suspensa na sua execução, ou a manter-se a pena decidida dever a mesma ser suspensa na sua execução.» Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I. A notificação feita ao arguido em 15.01.2016 nos termos do n.º 6 do artigo 105.º do RGIT, quer pessoalmente quer enquanto representante da sociedade, é nula.

  1. Ela faz-se na pessoa errada, uma vez que o arguido já estava então insolvente e já não representava a sociedade, representada pelo administrador de insolvência que nunca foi notificado e que eventualmente, se o tivesse sido, poderia até ter procedido ao pagamento e afastado a responsabilidade criminal.

  2. A mesma notificação intima o arguido para a prática de uma conduta que lhe está material e legalmente vedada, assim contendendo com os seus direitos de defesa.

  3. Deixa-se invocada a nulidade dessa notificação, a qual acarreta a nulidade da Sentença que sobre ela se baseia.

  4. Igualmente se deixa invocada a inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 105.º, n.º 6 do RGIT nos termos em que douta Sentença o faz.

  5. A pena em concreto aplicada é excessiva, pois que deveria ter sido o arguido absolvido.

  6. A pena baseou-se também numa análise incorrecta do registo criminal do arguido, considerando-o no seu aspecto parcelar, crime a crime, sem atentar que todos aqueles crimes não são mais que o desenvolvimento, por razões de organização dos processos fiscais e da Segurança Social, da mesma situação de descapitalização do arguido e da sociedade.

  7. Pelo que deveria ter sido o arguido absolvido; mas se não o fosse nunca deveria ter havido pena de prisão, devendo a pena aplicada ser a de admoestação.

  8. Se se entendesse que deveria ser de prisão a pena a aplicar, nunca a mesma deveria ir além de 6 meses.

  9. Em todo o caso, qualquer pena de prisão, mesmo que se mantenha a que foi decidida, sempre deverá ser suspensa na sua execução por estarem reunidos todos os requisitos para o efeito.

  10. Ao assim não entender, o Tribunal" a quo" violou os artigos 105.º, n.º 6 do RGIT, 32 da CRP, 71,40, 60 todos do CP.» 6 – O ISS interpôs recurso da sentença.

Pretende que se revogue a decisão recorrida na parte em que declarou extinta por inutilidade superveniente da lide a instância cível.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. Resultou provado na sentença recorrida que o arguido BB, atuou voluntária, livre e conscientemente, por si e na qualidade de sócio-gerente da sociedade CC - Restauração, Ldª", sabendo que os valores não lhe pertenciam e eram devidos à Segurança Social. E assim, os arguidos foram condenados, em autoria, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. nos artigos 107º e 105.° do RGIT.

  1. Em consequência da prática do crime em causa, o recorrente viu-se privado de valores a que, por força da Lei, tinha direito, ou seja, a conduta dos arguidos foi causa direta e necessária de tal privação e, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos "CC - Restauração, Ldª:" e BB, no montante de € 37.152,16 (trinta e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal, referente à soma das quotizações deduzidas nas remunerações pagas aos trabalhadores da sociedade e que não foram entregues à Segurança Social.

  2. O pedido de indemnização civil deduzido, é fundado na prática de um crime (abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 107° e 105° do RGIT), e consubstanciado no facto de terem sido deduzidas no valor das remunerações devidas a trabalhadores, quotizações legalmente devidas e não entregues à Segurança Social, no prazo legal e é deduzido no processo penal respetivo por força do Princípio da Adesão, só o podendo ser em separado nos casos previstos na Lei (artigo 71.° do CPP). Pelo que, o que está em causa, nos presentes autos é a responsabilidade civil dos arguidos, emergente da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por que foram condenados.

  3. O ISS, IP, tem interesse em obter título executivo também contra o gerente da sociedade arguida, em relação à totalidade dos montantes e períodos em causa nos presentes autos, pelo que o demandante, teria necessariamente, que demandar aquele, no âmbito do processo penal. E, inclusivamente, a sentença ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil, sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado ( ... ) (artigo 377.° do CPP).

  4. A Mma Juiz a quo decidiu declarar extinta a ínstância cível, por inutilidade superveniente da lide por referência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014. O pedido cível deduzido em processo penal não corresponde a uma ação declarativa no sentido e para os efeitos constantes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014 (publicado no Diário da República, I Série, de 25/02/2014).

  5. O Acórdão n.º 1/2014, é aplicável a temáticas do foro privatístico, nos domínios da responsabilidade contratual, quer a nível civil, quer laboral, não é extrapolável para os domínios da responsabilidade civil delitual/aquiliana, conforme esclarece o próprio Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 28/01/2015, no Proc. n.º 4608/04.7TDLSB.L2.S2 (processo em que está em causa, á semelhança dos presentes autos, um pedido de indemnização civil deduzido pelo ISS, IP), onde, face ao contexto do Acórdão n.? 1/2014, que foi proferido no âmbito de um processo que teve por base, uma ação declarativa intentada no Tribunal do Trabalho de Almada, se conclui "a ineludível singularidade do Acórdão n.º 1/2014, sem dúvida aplicável a temáticas reconhecidamente do foro privatístico, nos domínios da responsabilidade contratual, quer a nível civil, quer laboral, e daí não necessariamente extrapolável para os domínios da responsabilidade civil delitual/aquiliana. O pedido de indemnização deduzido pelo demandante emerge da prática de crime(. .. )" 7. Não colide com a natureza e o fundamento do processo de insolvência, a dedução de pedido cível em processo penal contra arguido insolvente, já que o demandante-credor sempre terá de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, assim se garantindo a salvaguarda da igualdade dos credores perante a insuficiência de património do devedor. Nesse sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30/09/2014, Proc. n.º 344/08.3 GAOLH.E1: "Nada obsta, e não colide com a natureza e o fundamento do processo de insolvência a dedução de pedido cível em processo penal contra arguido insolvente (…) Esta solução não contraria o AUJ n.º 1/2014, pois o pedido cível deduzido em processo penal não corresponde a uma acção declarativa no sentido e para os efeitos constantes desse Acórdão. Este não se pronunciou sobre o pedido cível deduzido em processo-crime não sendo neste identificáveis as homologias comuns aos direitos e processos civil e laboral. Decidir-se que o juiz da insolvência pode reconhecer os créditos de trabalhadores não significa decidir que deve também conhecer do crime e dos seus elementos típico".

  6. Acresce que, a declaração de insolvência de...

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