Acórdão nº 487/16.0T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 487/16.0T9STR Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo local criminal, J 1 - correu termos o processo comum singular supra numerado em que é arguido BB, nascido na freguesia da …, concelho de …, em …, casado, empregado de hotelaria, desempregado e residente na rua …, … a quem foi imputada a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), ambos do Código Penal.

* CC e DD deduziram cada uma delas pedido de indemnização contra o Arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a CC o montante de 19.375,69 € (dezanove mil trezentos e setenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos) e nos juros de mora, a contar da notificação, à taxa de 4% ao ano e juros vincendos até efectivo e integral pagamento, e a DD o montante de 27.794,15 € (vinte e sete mil setecentos e noventa e quatro euros e quinze cêntimos) e nos juros de mora, a contar da notificação, à taxa de 4% ao ano e juros vincendos até efectivo e integral pagamento O Arguido, notificado, apresentou contestação escrita, na qual em síntese nega que tenha praticado o crime de que vem acusado e impugna que deva às demandantes os montantes peticionados.

Por sentença de 20 de Junho de 2017 foi decidido julgar parcialmente procedente a acusação e, consequentemente, decidiu o tribunal recorrido: 1) Julgar improcedente, por não provada, nos termos expostos, a acusação do M.ºP.º contra o Arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), como vinha acusado, do Código Penal; 2) Julgar procedente a acusação do M.ºP.º contra o Arguido e, em consequência, condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos artigos 26.º e 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal na pena, de 290 dias de multa a taxa diária de 6 euros, o que perfaz a pena de multa de 1.740 euros; 3) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por CC contra o Arguido e em consequência, condenar o Arguido e Demandado a pagar a CC a quantia de 700 euros, acrescida de juros a taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e a quantia de 8.805,74 euros acrescida de juros a taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento; 4) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido por DD contra o Arguido e em consequência, condenar o Arguido e Demandado a pagar a DD a quantia de 900 euros, acrescida de juros a taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento e a quantia de 10.224,2 euros acrescida de juros a taxa legal desde a data da notificação para contestar até integral pagamento; 2. Condenar o arguido e uma demandante no mais legal.

* Inconformado o arguido interpôs recurso peticionando a sua absolvição, com as seguintes conclusões: 1-Prescreve o nº 5 do artigo 29º da Constituição da Republica Portuguesa que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime”, consagrando-se, assim, ao nível constitucional o principio “NE BIS IN IDEM”, que visa evitar a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado caso já julgado, protegendo-se o agente, defendendo-o contra a possibilidade de repetição de julgamento pelos mesmos factos.

2-O recorrente foi submetido a julgamento em 19 de maio de 2015 pela prática de factos idênticos aos do presente processo, e pelos quais foi novamente julgado, sendo a qualificação jurídica diferente. Por sentença transitada em julgado em 26 de Junho de 2015, o ora recorrente foi absolvido da pratica do crime de infidelidade (processo 516/12.6TASTR), e posteriormente, em 26 de Abril de 2017, com base nos mesmos factos, foi julgado pelo crime de abuso de confiança (processo 487/16.0T9STR).

3- Nos dois processos, analisando as duas acusações, o agente, as ofendidas, os factos, o espaço temporal, o espaço geográfico e os bens jurídicos são os mesmos, que no caso em apreço correspondem ao património das ofendidas advindo da herança aberta por óbito dos pais das lesadas e do ora recorrente.

4- Existe uma identidade fáctica (os mesmos factos) independentemente da qualificação jurídica, e de um distinto tipo penal (crime de infidelidade e abuso de confiança), sendo que para estabelecer a identidade factica para efeito de obediência ao supra citado principio constitucional, não interessa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, bastando que haja identidade de agente, lesados, factos, e bens jurídicos lesados (o que acontece no caso em apreço); ou seja, há unidade de sentido e identidade de objeto processual entre os dois processos crimes a que o recorrente foi submetido.

5- Sendo o objeto do presente processo idêntico ao objeto do processo anteriormente intentado contra o recorrente (já transitado em julgado), tendo sido aquele julgado pelos mesmos factos, considera e alega a defesa, que se verifica a exceptio judicati, violando-se, assim, o principio “NE BIS IN IDEM”.

6- Nos dois processos-crime verificam-se os três tipos de identidade de que a lei faz depender a ofensa ao principio “NE BIS IN IDEM”: a identidade do agente, a identidade do facto legalmente descrito e a identidade do bem jurídico agredido, porquanto a conduta apreciada nos presentes autos é idêntica à atividade delituosa apreciada no processo n º 516/12.6TASTR.

7- O principio constitucional “NE BIS IN IDEM”, consagrado pelo artigo 29º nº 5 da CRP foi violado, devendo o recorrente ser absolvido da prática do crime de abuso de confiança pelo qual foi condenado.

8- Por outro lado, e a não proceder o alegado nas conclusões descritas de 1 a 7, há procedimentos/meios judiciais específicos para partilha de bens integrantes de uma herança, aos quais as ofendidas deveriam ter recorrido, e não recorrendo a processo crime para conseguir a partilha de bens.

9- Salvo melhor entendimento, entende o ora recorrente que o processo crime não é o processo legalmente admissível para partilha de bens, uma vez que o direito penal deverá sempre ser a ultima “ratio” em matéria de litígio familiar.

10-Ainda alega o recorrente a intempestividade da queixa crime apresentada pelas ofendidas, pois prescreve o artigo 113º do Código Penal que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, (…), o ofendido..

.”, sendo que “O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores...” - artigo 115º daquele diploma, e o artigo 205º, nº 3 do CP refere que o procedimento criminal depende de queixa.

11- A queixa crime apresentada pelas ofendidas ocorreu no dia 11 de abril de 2012 e deu origem ao primeiro processo crime nº 516/12.6TASTR., e a data da prática dos factos (dia em que o ora recorrente depositou, com o consentimento das irmãs, o dinheiro da herança, na sua conta bancária) foi o dia 21 de novembro de 2007.

12- Desde a alegada prática pelo recorrente do crime de infidelidade, até à apresentação da queixa-crime pelas ofendidas decorreram, aproximadamente, cinco anos. O presente processo-crime de abuso de confiança teve o seu inicio em 14 de março de 2016, e salvo melhor entendimento, o recorrente deverá ser absolvido da prática do crime a que foi condenado.

13- Por outro lado, a fundamentação dos pressupostos cuja verificação dependem a responsabilidade civil e as razões que levaram o douto Tribunal a fixar as quantias de €700,00 a pagar à ofendida CC e € 900,00 a atribuir à ofendida DD, a titulo de danos não patrimoniais, foram manifestamente insuficientes para condenar o ora recorrente.

14-A Sentença é a decisão final do Juiz, exigindo a lei (nomeadamente o artigo 374º do CPP), que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo e aquela norma corporiza o dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no artigo 205º nº 1 da CRP.

15-Compulsados os factos dados como provados e que substanciam a fixação de uma indemnização por danos morais, nomeadamente o facto nº 30, não se vislumbram fundamentados os pressupostos da responsabilidade civil, atentos os artigos 496 e 483º do Código Civil, sendo que a lei impõe que o Tribunal não só dê a conhecer os factos que considerou não provados e provados, enumerando-os, mas ainda deverá apresentar expressamente a explicação do porquê da decisão tomada, através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

16- Da douta Sentença não consta como provado qualquer elemento relativo à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, nada constando, nem havendo explicitação da convicção do douto tribunal recorrido quanto à matéria factual em que se baseou para dar como procedente os pedidos de indemnização deduzidos pelas ofendidas.

17- Violou a douta sentença os artigos 205º do Código Penal e ainda os artigos 205º nº 1 da CRP, 374º nºs 2 e 3 do CPP, 379º, nº 1 a) do CPP, mostrando-se também violado o disposto nos artigos 483º, 487º, 562º e 566º do Código Civil, devendo assim ser declarada nula, por falta de fundamentação, pois não se provaram os pressupostos da responsabilidade civil, e consequentemente deve ser o recorrente absolvido dos pedidos de indemnização cível.

18- Quanto à reapreciação e reavaliação da prova gravada, atenta a impugnação ampla da matéria de facto, (artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP), entende o recorrente, salvo o devido respeito, (e a não ser procedente o alegado nas alíneas precedentes) que a prova produzida em julgamento conduziria a um novo facto provado, que não foi elencado, foi omitido pelo Mmo Juiz “ a quo” e que condicionaria os valores indemnizatórios a atribuir às demandantes, quanto aos danos morais, 19-Foi o recorrente condenado a pagar à ofendida CC a...

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