Acórdão nº 54/16.8T9CBA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1. - Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Cuba do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, constituiu-se assistente LB que, de fls 109 a 114, deduziu acusação particular e pedido cível contra JR, casada, nascida a 18.09.1954, imputando-lhe a prática de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º nº1 do C. Penal.

  1. - O MP não acompanhou aquela acusação particular por considerar que “…a descrição dos elementos típicos subjetivos do crime de injúria e da culpa da arguida são insuficientes e o seu aditamento constituiria uma alteração substancial dos factos (cfr fls 107).

  2. - Distribuído o processo para julgamento, o senhor juiz a quo proferiu o despacho de fls 128-9 rejeitando a acusação nos termos do art.º 311º nº 2 al. a) e nº3 al. b), do CPP, cujo teor se transcreve integralmente: «=CLS= Dispõe o artigo 311.º do Código de Processo Penal - Saneamento do processo 1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

    2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respectivamente.

    3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime.

    No caso dos presentes autos, estamos perante a eventual prática de um crime injúria – crime particular, tendo a assistente sido notificada para apresentar acusação particular – art. 285.º do Código de Processo Penal.

    Tendo-a apresentado, importa proceder ao saneamento do processo em conformidade com o que dispõe o preceito supra transcrito.

    Relativamente ao crime de injúria, não estando especialmente prevista a possibilidade de punição do facto com negligência, será punível, quando praticado com dolo – art. 13º, 14º e 181.º do Código Penal Ora, quanto ao preenchimento do tipo (subjectivo), limita-se a assistente a referir que “com as palavras supra descritas a arguida quis transmitir a ideia de que a assistente é uma pessoa sem moral, que se relaciona com diversos homens, que não está no seu juízo perfeito e que não é respeitada, por ninguém, nem pelos seus familiares” Será tal referência suficiente para suportar a estrutura acusatória do processo penal? Entendemos que não.

    Neste sentido, importa seguir o entendimento expresso no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2015 – D.R. n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27, onde considera que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.» e, bem assim que: a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito”.

    De acordo com o disposto no 285º, nº3 do Código de Processo Penal é correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto no artigo 283º, nºs 3 e 7 do mesmo Código, sendo que, nos termos da alínea b), do nº3 do artigo 283º a acusação contem, sob pena de nulidade, os factos relevantes para a imputação do crime.

    Como vimos, a acusação da assistente é omissa no que concerne à actuação da arguida, designadamente se livre, deliberada e consciente da ilicitude da sua conduta.

    Tal omissão é, como vimos, geradora da nulidade (da acusação particular) e implica a sua rejeição, sendo por ser manifestamente infundada, atento o disposto no art.311º, nº2, al. a) e nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, motivo pelo qual rejeito a acusação particular apresentada pela assistente.» 4.

    - Daquele despacho vem interposto o presente recurso pela assistente, LB, que extrai da sua motivação as seguintes conclusões: «EM CONCLUSÃO: 1- O tribunal recorrido errou ao declarar nula a acusação particular formulada pela assistente, rejeitando-a por infundada, nos termos previstos nos artigos 311º, nº2, alínea a) do C.P.P.

    2- A motivação do tribunal recorrido teve por base o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando a situação ali avaliada é bem distinta da descrita na acusação apresentada pela assistente.

    3- Na situação referida no mencionado acórdão, não se fazia qualquer referência aos elementos do tipo subjetivo do tipo, o que não aconteceu na acusação particular formulada nestes autos.

    4- O elemento subjetivo está descrito na acusação particular, nomeadamente, quando ali se refere que a arguida quis ofender a honra e consideração da assistente, o que conseguiu.

    5- O dolo é constituído pelo elemento volitivo e pelo elemento intelectual, correspondendo este último ao conhecimento de todos os elementos e circunstâncias descritas nos tipos de crime e ao seu sentido ou significado (representação ou previsão).

    6- O que se visa com este ultimo elemento é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada, para o seu caráter ilícito.

    7- Mas a exigência da sua indicação ou descrição está pensada para aqueles casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais, sendo requerido o conhecimento da proibição para afirmação do dolo do tipo.

    8- O que não é o caso dos presentes autos, em que o sentido ou significação da ilicitude do facto promanou da realização pela arguida da factualidade típica, agindo com o dolo requerido.

    9- O sentido das expressões “mentirosa”; putéfia”; “ordinária”, “vai-te tratar porque tu não estás bem” é claro para o homem médio e bom pai de família como sendo ofensivo da honra e consideração do destinatário das mesmas.

    10- Quem profere tais expressões tem perfeita consciência do seu significado e respetivo desvalor, bem como da sua proibição legal.

    11- O facto de ter faltado parte da fórmula estereotipada das acusações, como “atuando livre e sabendo que a sua conduta era proibida por lei”, não pode justificar a rejeição da acusação, uma vez que tal fórmula se alicerça, em regra, apenas na experiência da vida e da normalidade do seu devir.

    12- Tais elementos podem ser deduzidos com recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum.

    13- Não é impeditivo de o juiz comprovar a existência do dolo através de presunções naturais ligadas ao principio da normalidade ou da regra geral ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência.

    14- No caso concreto, e atendendo ao modo como se mostram narrados os factos, os elementos subjetivos em causa são de fácil apreensão, até por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT