Acórdão nº 164/16.1GBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n. 164/16.1GBLLE.E1 Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé, Juiz 1 - correu termos o processo comum singular epigrafado supra em que é arguido FMEA, nascido a…, natural da freguesia da …, concelho do …, casado, mecânico naval, imputando-lhe a prática em co-autoria de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203° n. 1 e 13°, 14° e 26°, todos do Código Penal.

Foi comunicada alteração não substancial de factos ao arguido, nos termos e para os efeitos do art. 358° n. 1 do CPP, nada tendo sido requerido ou oposto.

Por acórdão de 01 de Junho de 2017, julgada procedente a acusação, o tribunal recorrido condenou o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.°, n. 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), no total de 720,00 € (setecentos e vinte euros) e no mais legal.

* Inconformado, o arguido interpôs recurso peticionando a sua absolvição, com as seguintes conclusões: 1. O Arguido e ora Recorrente (não se) conformando com a sentença que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de muIta à taxa diária de €7.00 (sete euros), no total de €720.00 (setecentos e vinte euros) vem da mesma interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora.

  1. Desde logo e atenta a parca prova produzida deveria o mesmo ter sido absolvido do crime pelo qual veio a ser acusado e posteriormente condenado.

  2. Começando pelo acto de reconhecimento do Arguido por parte da testemunha FS, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento.

  3. É nosso entendimento e nossa convicção profunda que o acto de reconhecimento do Arguido em sede de inquérito e posteriormente em sede de audiência de discussão e julgamento não é válido.

  4. Não foi cumprido, em toda a sua acepção o artigo 1470 do Código Penal.

    6 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n° 2, o que não sucedeu nos presentes autos.

    7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto no artigo 1470 do CPP não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.

    8 - Logo nunca poderiam ter sido mostradas fotografias do Arguido à testemunha, fotos estas constantes de um outro processo judicial, sem mais nada se fazer de seguida.

    9 - Em matéria de prova produzida, salvo o devido respeito, nunca o Arguido deveria ter sido condenado pelo crime pelo qual foi acusado, mas antes deveria ter sido absolvido do mesmo.

    10 - Os factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 da matéria dada como provada, de acordo com a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nada nos autos consta que possa afirmar com a segurança razoável que o ora Recorrente cometeu todos os factos pelos quais veio a ser condenado pelo Tribunal a quo, muito menos ter sido produzida prova bastante para que a este resultado / conclusão se chegasse.

    11 - O depoimento da testemunha FS é tudo menos credível e lógico de acordo com as regras da experiência comum.

    12 - Mais, o Tribunal a quo elenca factos provados, os quais "nem de perto nem de longe" foram referidos pela testemunha.

    13 - A este propósito vejam-se os factos 4 e 6 da matéria dada como provada; 14 - "E introduziram-nas no interior da mala que o individuo do sexo feminino transportava consigo" _ facto 4/ facto 6 "Confiando que os artigos de que se haviam apoderado e colocado no interior da mala, não seriam detectados no sistema de alarme ali existente".

    15 - A testemunha FS em momento algum do seu depoimento referiu que viu o Arguido a colocar o que quer que fosse onde fosse.

    16 - Assim, por mais esforço que realizemos ficamos sem saber no que e onde se sustenta o Tribunal a quo para dar como provado este facto, pois que em qualquer parte dos presentes autos não uma única prova concreta para afirmar este facto e dá-lo como provado com a certeza que o Tribunal a quo lhe imprime.

    17 - A página 3 da sentença que ora se recorre é referido e cita-se "A testemunha FS, gerente comercial do estabelecimento alvo de furto, referiu que após o almoço regressou ao "LIDL" _ supermercado mencionado na acusação, e na zona das bebidas viu um casal, sendo que identificou em julgamento o arguido como sendo o individuo do sexo masculino, e que estavam a retirar os "alarmes autocolantes" das garrafas de whisky; 18 - Sendo que tal situação lhe chamou a atenção, razão porque deu a volta ao corredor e viu a pessoa do sexo feminino, a sair do estabelecimento com uma mala cheia (volumosa) que levava ao ombro, o que fez sem passar pela caixa registadora, pelo que, em face do que tinha visto, foi no seu encalço e observou a mesma a entrar para um veículo que ali se encontrava estacionado ... " 19 - Ora, de acordo com as regras da experiência comum, muita estranheza causa um gerente de uma superfície comercial ver aquilo que a testemunha FS referiu que viu e nada dizer, limitandose a dar a volta ao corredor.

    20 - Ora tal versão não é credível, não é crível, pois não faz sentido nenhum à luz das mais básicas regras da experiência, de acordo com os critérios do homem médio, perante uma situação destas, não ter abordado logo as pessoas numa situação destas.

    21 - Mas mais, a testemunha refere que não viu o arguido tirar nada, não viu o arguido colocar nada na referida e suposta mala, que ora é uma mala, ora é um saco.

    22 - Sempre e sem conceder, sempre se dirá que o argumento ao qual se socorre o Tribunal a quo para condenar o arguido e ora recorrente, é algo perigoso e que coloca em risco os mais básicos princípios de processo penal, alguns até de feição constitucional.

    23 - Da prova produzida nada pode infirmar que o Arguido e ora Recorrente cometeu um crime de furto, seja de que modo for, em conluio com alguém que se desconhece.

    24 - Os autos não o demonstram e muito menos a prova produzida em audiência de discussão e julgamento a isso conduz.

    25 - No limite e imaginemos a seguinte situação, de alguém que dá "boleia" a uma outra pessoa e essa pessoa transporta consigo uma quantidade de produto estupefaciente. No decurso dessa viagem o condutor é mandado parar pelas autoridades e após uma revista sumária, verifica-se que a pessoa a quem este último deu boleia tem o produto estupefaciente.

    26 - Acusa-se também o condutor por tráfico? À luz e critérios do Tribunal a quo parece que sim, pois o mesmo até refere que pode tirar ilações, mesmo na falta de qualquer prova para condenar.

    27 - Isto não nos parece correcto muito. menos sério.

    28 - Ao dar toda a factualidade como provada como deu e o modo como o deu, o Tribunal a quo violou grosseira e flagrantemente o disposto no artigo 4100 n° 2, alínea a) do Código de Processo Penal, o qual acarreta a nulidade de todo o julgamento ordenando a sua repetição.

    29 - É referido pelo Tribunal a quo, na sentença ora em sindicância, que" ... o certo é que na formação da sua livre convicção, ao Tribunal não está vedada a possibilidade de retirar ilações de factos probatórios, socorrendo-se de um racíocinio dedutivo ou indutivo, apoiado nos princípios da lógica e fundamentado nas regras do normal acontecer." - sic.

    30 - Assim sendo há que estabelecer a diferença entre indício e presunção. Indício é toda circunstância conhecida e provada a partir da qual, mediante o emprego de raciocínio lógico, chega-se à conclusão da existência do facto principal.

    31 - A Presunção, é o acto de tomar um facto como verdadeiro, sem a necessidade de prová-lo ou sem o conhecimento de qualquer circunstância, sendo certo que a presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o Tribunal partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica um facto desconhecido.

    32 - No presente caso, os factos conhecidos - o depoimento de uma testemunha, sem corroboração de mais qualquer elemento exceptuando as convicções do Tribunal, não possibilitam o salto no desconhecido, ou numa linguagem mais plástica, no escuro, pretendido pela decisão do Tribunal de que ora se recorre.

    33 - O Tribunal deverá saber, que o instinto da testemunha não chega. A investigação e a prova têm de ser consistentes. Que não é o que sucedeu no caso dos presentes autos.

    34 - O princípio da livre apreciação da prova e da livre convicção do Tribunal não podem ir assim tão longe, não devem ir tão longe como o Tribunal a quo o levou.

    35 - Não se pode concordar nem aceitar, que o Tribunal a quo se socorra de presunções naturais, sustentando a sua suficiência para a...

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