Acórdão nº 90/17.7T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra o seu ex-cônjuge BB, pedindo a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de € 21 637,61, correspondente ao pagamento por esta efetuado de dívidas da exclusiva responsabilidade do réu.

Alega que foi casada com o réu, tendo o primeiro casamento entre ambos celebrado sido dissolvido por divórcio decretado a 27-02-2007, na sequência do que voltaram a casar a 09-05-2009, casamento este que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 06-06-2015, transitada em julgado a 15-07-2015; acrescenta que são ambos titulares, desde 2001, de uma conta solidária aberta no balcão de Portalegre do Banco Santander Totta, a qual tem sido utilizada em exclusivo pelo réu; acrescenta que foi concedido ao réu pelo indicado banco um empréstimo no montante de € 23 000, aprovado a 03-12-2009 e creditado na indicada conta, tendo sido celebrado contrato de mútuo com hipoteca, no qual intervieram, além do banco, o réu como mutuário e autora na qualidade de terceira, procedendo o réu ao pagamento das prestações mensais acordadas, situação que se manteve até julho de 2015, tendo o réu deixado de proceder a tal pagamento após o divórcio; na sequência da falta de pagamento pelo réu de montantes vencidos, o banco exigiu tal pagamento à autora, que pagou a quantia de € 2056,57 relativa ao saldo negativo existente na indicada conta e a quantia de € 19 581,04 relativa ao empréstimo concedido, montantes cujo pagamento competia ao réu e os quais pretende reaver, invocando o direito de regresso, como tudo melhor consta da petição inicial.

Citado, o réu contestou, defendendo-se por exceção – sustentando que, no âmbito da partilha dos bens comuns do casal subsequente ao primeiro divórcio, ficou estabelecido que o pagamento dos montantes em causa caberia à autora, bem como que se encontra pendente, no cartório notarial que identifica, processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal subsequente ao segundo divórcio, no qual foi relacionada pela autora a verba cujo pagamento ora reclama e que o réu não reconhece, não se encontrando ainda dirimida a questão nesse processo – e por impugnação.

Foi realizada a audiência prévia, na qual se efetuou tentativa de conciliação, na sequência do que foi comunicada às partes a intenção do tribunal conhecer do mérito da causa, tendo sido dado contraditório para pronúncia sobre as questões elencadas na ata respetiva.

A autora apresentou articulado, no qual se pronunciou no sentido de não se encontrar o processo em condições de ser proferido saneador-sentença, pelos motivos que expôs.

Foi proferida decisão na qual, tendo-se considerado verificadas as exceções dilatórias de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo, e de incompetência absoluta, por incompetência em razão da matéria, foi o réu absolvido da instância, pelos motivos seguintes: “(…) Ora, atenta a factualidade provada, desde já se conclui que nos encontramos no domínio das dívidas dos cônjuges previsto nos artigos 1690.º e sgs. do Código Civil, pretendendo a A. imputar em exclusivo ao R. a responsabilidade pelo seu pagamento e operar o seu direito à compensação previsto no artigo 1697.º do mesmo Código.

Sendo que o aludido regime das dívidas conjugais aplica-se, não só a dívidas contraídas durante a vigência do casamento, como antes e depois, como expressamente se observa pelo preceituado nos artigos 1691.º, n.º 1, alínea a) e 1692.º, alínea a), ambos do CC.

Não se aplica assim o regime geral das obrigações solidárias traçado nos artigos 512.º e sgs. do Código Civil como pretende a A., pois que esta foi casada, inclusive por duas vezes, com o R., e o regime das dívidas conjugais, por se tratar de um regime especial, prevalece sobre o regime geral.

Não se trata aqui de “convolar” (sic) nenhuma acção, ou de o tribunal se pronunciar sobre questões que não lhe foram colocadas, como erradamente argumenta a A. no artigo 15.º do requerimento de 21/06/2017, mas de aplicar o direito aos factos, prerrogativa que assiste, em qualquer dos casos, ao tribunal, pois como claramente refere o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do NCPC «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

Ora, e desde logo, verifica-se pelo disposto no citado artigo 1691.º, n.º 1, alínea a) do CC que são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro.

Assim falece de imediato a pretensão da R. de assacar a exclusiva responsabilidade pelo pagamento das dívidas em apreço, pois que a mesma nem sequer alegou que não deu o consentimento para a sua contracção, facto essencial para a procedência da sua pretensão, cujo ónus de alegação lhe cabe nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do NCPC.

Pelo contrário, pela simples circunstância de a A. ter participado no contrato de mútuo como terceira, afere-se de imediato o seu consentimento; o mesmo sucedendo com o descoberto na conta-bancária, pelo facto de ser co-titular da respectiva conta.

Para além de que, tendo a A. oferecido como garantia um imóvel próprio seu, há lugar à aplicação do disposto nos artigos 1692.º, alínea c) e 1694.º, n.º 2, ambos do CC, que expressamente determinam a incomunicabilidade das dívidas que oneram bens certos e determinados de um dos cônjuges, sendo assim a dívida do empréstimo bancário da exclusiva responsabilidade da A..

Note-se que a alínea c) do artigo 1692.º afasta a aplicação de qualquer norma do artigo 1691.º, inclusive a da alínea a).

Assim é dado que essa dívida não se refere à percepção dos rendimentos do imóvel mas está antes relacionada com...

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