Acórdão nº 194/04.6GBGDL-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.
Por decisão proferida em 25 de outubro de 2017, no Juízo Central Criminal de Setúbal (Juiz 1), não foi reconhecida a F idoneidade para ser titular de licença de uso e porte de arma de caça.
Inconformado com a aludida decisão, dela recorreu F, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “
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O presente incidente constitui-se como o segundo junto aos autos principais, deduzindo o ora recorrente pedido de reconhecimento de idoneidade para obter licença de uso e porte de arma de caça.
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O primeiro requerimento foi apresentado em 10/02/2010, tendo o parecer da Digna Magistrada do Ministério Público, promovido o indeferimento do requerido e o Tribunal a quo proferido Decisão no sentido de não se reconhecer a idoneidade ao requerente para que lhe fosse concedida licença de uso e porte de arma da categoria D, aderindo, na íntegra, ao parecer formulado pela Digna Magistrada do Ministério Público.
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Não concordando o ora recorrente e então requerente com tal decisão recorreu da mesma sendo que, a final, por Acórdão datado de 21/12/2010, o douto Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, mantendo a douta Decisão recorrida.
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Na Decisão de que ora se apresenta recurso, o douto Tribunal a quo, integrando os factos ao direito, após referir o teor do nº 2 do artigo 14º da Lei das Armas, fundamenta o decidido na condenação de que foi alvo o requerente nos autos principais porquanto, constatada a prática e condenação do recorrente pela prática do crime de homicídio, em seu entendimento está sobejamente indiciada a falta de idoneidade para a pretensão aduzida.
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Não se conforma o recorrente que a condenação penal de que foi alvo seja de per si suficiente e/ou determinante para a Decisão proferida, porquanto existem outros elementos que deviam ter sido tomados em consideração pelo douto Tribunal a quo na Decisão, já que cumpriu a pena em que foi condenado de forma exemplar e encontrando-se em liberdade há alguns anos tem cumprindo as regras e adotado um comportamento de acordo com o direito.
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Importa saber qual o juízo que o Tribunal decisor poderá ou deverá efetuar para poder concluir e decidir pela idoneidade ou pela falta dela, aplicando a justiça ao caso concreto, sendo que para efeitos de apreciação do requisito de idoneidade estabelecido na alínea c) do artº 15º, consagra o nº 2 do mesmo artigo que a apreciação é feita nos termos do artº 14º, nºs 2 e 3, da mesma Lei, e preceituando o mesmo normativo em questão “sem prejuízo do disposto no artº 30º da Constituição e do número seguinte”.
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O ora recorrente não necessita de ter armas ou praticar o desporto da caça para que aconteça a sua reintegração, mas o indeferimento do requerido impossibilita a obtenção de licença de uso e porte de arma de caça e determina a impossibilidade de praticar o desporto que mais gosta e que há muitas décadas pratica, constituindo-se tal uma restrição à sua liberdade, não se conformando assim com a Decisão, já que aceitá-la seria aceitar que não há para si e na totalidade, reinserção social possível, encontrando-se limitado no exercício de direitos.
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Atentos os fundamentos apostos na Decisão de que se recorre, foram exclusivamente razões de prevenção geral que determinaram o decidido, sendo que a mesma, com todo o respeito o dizemos, deveria ter também atendido à reintegração do recorrente.
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É comummente reconhecido que nas doutas decisões judiciais deverá ter-se em conta as finalidades de prevenção geral positiva de integração e de prevenção especial sendo que, acompanhando doutrina e jurisprudência vária se é a prossecução da finalidade de prevenção geral que deve orientar as Decisões judiciais, é a finalidade da prevenção especial de socialização que fixa a sua medida final sendo que o douto Tribunal a quo, fundamentando-se num fim preventivo geral, olvida a reinserção e ressocialização do requerente, ora recorrido.
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Compulsada jurisprudência a propósito em situação semelhante à dos presentes autos, na mesma entende-se que a questão da idoneidade para os efeitos pretendidos pelo ora recorrente não pode ser apreciada tomando apenas como referência determinante a condenação pela prática de um crime, sendo que “(…) se assim fosse, a falta de idoneidade para uso e porte de arma constituiria uma decorrência automática da condenação criminal, o que seria manifestamente inconstitucional (…)” - (TRC, Proc. 47/08.9TAAVZ.C3 de 21/03/2012 in www.dgsi.pt).
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Atenta a doutrina, a Lei das Armas, a remissão para o Artigo 30º da CRP e a jurisprudência sobre o mesmo assunto, nada existe que determine ser esta ou aquela situação em concreto que revelam a falta de idoneidade, importando concretizar o conceito de idoneidade - (TRE de 20/12/2016, Proc. 3/10.7 GBETZ-A.E1 in www.dgsi.pt).
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Nos presentes autos, o requerente e ora recorrente aduz a pretensão de que lhe ser reconhecida a idoneidade para obter licença de uso e de porte de arma de caça e não se conforma com o decidido porquanto, a lei não consagra que o cidadão que cometa um homicídio fique, para sempre, inibido de caçar.
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Atentas as normas aplicáveis, a condenação pela prática do crime de homicídio apenas é suscetível de indiciar falta de idoneidade, um indício, um indicativo, um sintoma, não uma certeza, uma indubitabilidade.
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O Tribunal a quo deveria ter considerado todos os elementos existentes nos autos que lhe permitiriam apurar, de modo concreto, a idoneidade do ora recorrente para os efeitos pretendidos, o que não aconteceu.
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Os elementos existentes nos autos principais e os carreados para os autos do incidente permitiriam concluir pela reinserção social do ora recorrente, a sua aptidão, capacidade e qualidades para obter licença de uso e porte de arma de caça e desempenhar a atividade de caçar.
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Não foram considerados pelo tribunal a quo na sua douta decisão e em abono do requerido que: o crime de homicídio pelo qual foi condenado foi praticado em 16.06.2004, há mais de 13 anos; que a partir do cumprimento de oito meses da pena cumpriu a pena de prisão em que foi condenado, em regime aberto; que teve louvores, que em 08/07/2011 lhe foi concedida liberdade condicional sem restrições; que em 04/07/2016, lhe foi concedida a liberdade definitiva; que não constam do CRC outras condenações; que está integrado profissional, familiar e socialmente.
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Como também não foi considerado pelo Tribunal a quo na sua decisão, devendo tê-lo sido, que se retira dos autos e do parecer da douta Procura do MP no Incidente de pedido de reconhecimento de idoneidade datado de 2010, que o homicídio praticado pelo ora recorrente encontra-se inserido num contexto muito específico, não tendo o mesmo provocado os acontecimentos nem tendo sido um ato descontextualizado de violência gratuita mas antes o culminar de uma relação tensa e de uma série de acontecimentos que o amedrontaram.
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Deveria ainda ter sido considerado para a douta decisão do Tribunal a quo que, apesar de estar a cumprir pena de prisão, o então e ora requerente, revelando já um comportamento de respeito pelas normas instituídas, requereu o pedido de...
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