Acórdão nº 2658/16.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução10 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA, intentou ação declarativa de condenação com processo comum, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém – J5), contra Banco BIC Português, S. A.

, em que invoca no âmbito de intermediação financeira efetuada em 2007 na Agência de Torres Novas do Banco Português de Negócios S. A.

(posteriormente adquirido pelo réu) ter sido induzido em erro pelo funcionário do banco, para subscrição de um produto financeiro, que não subescreveria se não fosse essa atuação, o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, concluindo por peticionar a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 56.147,26, (a título de danos patrimoniais), bem como a quantia de € 3.500,00 (a título de danos não patrimoniais), acrescidas juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Citado o réu veio contestar, por exceção, arguindo a incompetência territorial, bem como a prescrição e, por impugnação, pondo em causa parte dos factos alegados pelo autor, concluindo por pedir a absolvição do pedido.

Em sede audiência prévia foi julgada improcedente a exceção da incompetência territorial e, relativamente à prescrição, foi relegado para final o seu conhecimento.

Corrida que foi a subsequente tramitação processual e realizada audiência final veio a ser proferida sentença na qual se decidiu: “Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu Banco BIC Português, S.A., a pagar ao Autor AA, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais pedido.

Custas por Autor e Réu na proporção do decaimento. – cfr. artº527º do CPC.

”* Irresignado, veio o réu interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem: “I. O Banco Recorrente não pode assim concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 5, 6, 8, 9 e 10.

  1. Considerando a prova testemunhal produzida, mormente o depoimento da testemunha João … (cujas passagens essenciais que aqui se dão por integralmente reproduzidos), bem como o boletim de subscrição do produto assinado pelo Autor deverá ser alterada a matéria de facto retirando a referência à garantia pelo BPN, ou risco exclusivamente banco constante do facto provado nº 5 dos factos provados.

  2. Pela análise dos mesmos elementos de prova deveriam, assim, terem sido dados como não provado os factos constantes do ponto 6, 8, 9 e 10 dos factos dados como provados.

  3. Consequentemente deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos dados como não provados descritos nos pontos 4, 5, 6 e 7.

  4. O depoimento da testemunha Maria …, esposa do Autor, deverá ser analisado como se de verdadeiras declarações de parte se tratem uma vez que a testemunha é co-proprietária dos fundos em causa.

  5. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.

  6. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

  7. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.

  8. Mesmo que se compare o investimento efetuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros.

  9. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.

  10. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.

  11. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.

  12. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.

  13. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

  14. Pelo que o investimento efetuado era então adequado a alguém como o Recorrente XVI. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.

  15. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.

  16. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.

  17. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com exceção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.

  18. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.

  19. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições versadas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.

  20. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.

  21. O dever de informação previsto no art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art.º 312º-E nºs 1 e 2.

  22. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.

  23. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da matéria de facto provada.

  24. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o envessamento.

  25. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.

  26. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer fatores extrínsecos aos mesmos.

  27. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.

  28. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto! XXXI. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.

  29. É que essa característica a excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.

  30. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).

  31. Sucede e acresce ainda que, as disposições supra referidas resultam...

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