Acórdão nº 2239/15.5T8ENT-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | MATA RIBEIRO |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA e BB, deduziram embargos de executado por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhes move BANCO CC, S.A.
, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1), alegando, em síntese: - O que está na base da execução é um incumprimento dum contrato de locação financeira, relativo a um imóvel, tendo os executados entregue à exequente o imóvel inerente a tal contrato, a qual, perante tal ato “declarou a extinção total da dívida perante a entrega do bem”, não resultando prejuízo de maior perante o incumprimento do contrato de locação financeira; - A livrança apresentada à execução foi abusivamente preenchida, dada a extinção da dívida.
Concluindo pedem a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução.
A exequente veio contestar, salientando que a entrega do imóvel não ditava a extinção da dívida e que foi respeitado o pacto de preenchimento da livrança celebrado entre as partes no que tange o valor apurado de responsabilidades pela devedora.
Findos os articulados o Julgador a quo salientando “que se encontram reunidos todos os elementos necessários à decisão, passo à prolação de sentença, assim ao abrigo do disposto no art. 595.º/1, al. b) do NCPC, o que dispensa a realização de audiência prévia, ex vi art. 593.º/1 do mesmo diploma” proferiu de imediato sentença pela qual julgou improcedentes os embargos e ordenou o prosseguimento da execução.
* Irresignados, os embargantes vieram interpor recurso tendo apresentado as respetivas alegações, terminando pela formulação das seguintes «conclusões»[1] que se transcrevem: “1.ª Com o Saneador-Sentença, procedeu o Tribunal a quo à dispensa da audiência prévia nos termos dos artigos 595º, nº 1, al. b) ex vi artigo 593º, nº 1 do CPC.
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Considerou o Tribunal a quo que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais prova, a apreciação total do mérito da causa, tendo nesse momento dispensado a realização de audiência prévia e, sem mais, proferido a douta sentença de que ora se recorre.
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Decisão essa, que surpreendeu os ora Recorrentes, uma vez que dos autos não decorriam quaisquer indícios que o Tribunal a quo iria agir deste modo, pelo que, salvo melhor opinião, consideram os Recorrentes que os autos não permitiam a tomada desta decisão surpresa, facto este confirmado pelo próprio saneador-sentença.
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Com efeito, em dada altura refere o tribunal a quo “competia-lhe [aos Recorrentes] demonstrar que a livrança não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre os sujeitos cambiários, isto é, incumbia-lhe provar o facto do qual extrai o abuso” e que “era aos oponentes que competia a alegação e posterior prova da inobservância, pela exequente, da convenção de preenchimento”.
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Ora, na verdade procederam os Recorrentes à alegação de factos conclusivos da situação de preenchimento abusivo do título executivo (livrança) e, em consequência, que não é devida a quantia exequenda, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo. Mas a comprovação desses factos, concretamente alegados, exigiria a produção de prova, a qual ficou impedida pela preterição da realização da audiência prévia.
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Ainda que se entendesse que os factos alegados pelos Recorrentes, importantes e necessários para ser decidida a ação, estariam alegados de forma vaga, imprecisa ou até de forma relativamente descontextualizada, certo é que isso sempre obrigaria, a nosso ver, à prolação de um despacho de aperfeiçoamento dos articulados, ao abrigo do artigo 590º, nº 2, al. b) e nº 4 do CPC, o que não se verificou.
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Certo é que apesar de o Tribunal a quo teoricamente entender que os Recorrentes deveriam ter produzido prova conducente à confirmação da sua alegação, em momento algum deu azo a que tal acontecesse, não tendo sequer permitido a audição de testemunhas.
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Na verdade, apesar de as partes terem apresentado, nos seus articulados, a prova testemunhal e documental que queriam ver produzida em sede de audiência de julgamento, o certo é que nunca lhes foi permitida produzirem esta prova, testemunhal.
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Ora, dada a importância e carácter marcante da audiência prévia na ação executiva, conforme reconhecem a generalidade da doutrina e jurisprudência, enquanto momento para facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projeta decidir e, ao mesmo tempo, visando assegurar a aproximação entre as partes e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo, são raras as situações em que o legislador permite a sua preterição.
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Tais situações constam do artigo 592º do CPC e nelas não cabem, com toda a certeza, os presentes embargos.
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A dispensa de audiência prévia carece de preencher os requisitos previstos no artigo 593º do CPC, desde logo que a ação haja de prosseguir. Só neste caso o juiz pode dispensar a realização daquela audiência, contando que se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º do CPC.
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Ora, o conhecimento da totalidade do mérito da causa não é de considerar para efeitos do artigo 593º do CPC, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”.
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Em qualquer caso, o juiz não pode dispensar a realização de audiência prévia quando, para satisfação dos respetivos fins, haja necessidade de realizar qualquer dos atos previstos nas alíneas a), b) c) e g) do nº 1 do artigo 591º do CPC.
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Assim, ela é de realização necessária designadamente quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados. Mesmo quando o tenha sido, a decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes, em conformidade com disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.
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Efetivamente, a dispensa da audiência prévia só será admissível num contexto que o tribunal sempre teria que descrever no despacho respetivo e só depois de ouvidas as partes, conforme resulta dos artigos 547º e 6º do CPC.
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Mal andou o Tribunal a quo ao tomar esta decisão, porquanto e pelo que se verifica no texto da sentença, o próprio teve dúvidas no momento do proferimento de tal decisão. Dúvidas essas que, a existirem, deveriam ter sido colmatadas pela realização de audiência prévia e produção da prova indicada pelas partes e por toda a que se viesse a mostrar necessária.
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Com a não produção de prova testemunhal, proferindo o Tribunal a quo a decisão de mérito agora recorrida, apenas com os elementos existentes nos articulados, foram impedidos os Recorrentes de cumprir o ónus probatório relativo aos factos alegados, conforme lhe competia, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 595º, nº 1, al. b) do CPC.
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Destarte, e salvo melhor opinião, afigurasse-nos evidente a necessidade de realizar a audiência prévia ante a perspetiva do Tribunal conhecer do mérito dos embargos de executado, desde logo porque não ocorre nenhum dos motivos legalmente previstos para a não realização da mesma (artigos 592º e 593º do CPC).
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Pelo que deve a decisão ora recorrida ser anulada, bem como os termos processuais subsequentes a essa decisão viciada, incluindo a decisão que julgou improcedente os embargos de executado, devendo determinar-se o prosseguimento dos autos com vista à delimitação dos temas do litígio e posterior produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
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Sem prescindir, sempre se dirá que proferiu o tribunal a quo decisão sem anunciar a sua intenção de conhecer imediatamente do mérito da causa, constituindo uma verdadeira decisão surpresa.
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Ora, conforme já ficou dito en passant e conforme é entendido pela maioria da doutrina e jurisprudência, não pode o tribunal julgar o mérito da causa no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes, como previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC.
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Tal solução impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão surpresa, ao mesmo tempo que são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final, tal como se verificou neste caso concreto.
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O Tribunal a quo, ao dispensar a realização de audiência prévia, nos termos do artigo 595º, nº 1, al. b) do CPC, ex vi artigo 593º, nº 1 – afinal não aplicável ao caso – com a agravante de não ter comunicado essa posição às partes antes da comunicação do teor da decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador-sentença, violou o direito de aquelas serem ouvidas sobre a matéria de facto e de direito em causa e defraudou as suas legítimas expectativas de contribuírem para a sua discussão em função da antecipação da decisão para o momento do saneador.
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Com efeito, a...
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