Acórdão nº 1006/17.6T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1006/17.6T8TMR.E1 Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Recorrente: BB, Lda (arguida).

Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho.

  1. Nos presentes autos de contraordenação, a arguida veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho, que lhe aplicou a coima de € 2 600, pela prática de uma contraordenação ao disposto no art.º 25.º n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30/8 (vd. decisão de fls. 61 e proposta de fls. 44 a 59).

    A recorrente referiu, em síntese, que o seu motorista conduziu um veículo equipado com tacógrafo digital em 3 das datas em causa, mas a ACT não apresentou qualquer prova em como o agente autuante tenha solicitado o respetivo cartão de condutor. No dia 10 de outubro de 2010, o seu trabalhador permaneceu no armazém da arguida, pelo que a ausência de apresentação dos tempos de trabalho não resulta de comportamento doloso ou negligente da arguida. Organizou o trabalho do seu condutor de forma a que este pudesse cumprir com o disposto no Regulamento (cfr. fls. 78 a 103).

    O processo foi remetido a Tribunal, tendo o Ministério Público apresentado os autos.

    Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo sido tomadas declarações ao legal representante da arguida.

    Foi proferida sentença onde se decidiu julgar totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada e, em consequência, manter a decisão administrativa.

  2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e apresentou as conclusões seguintes: A. Douta Sentença proferida padece de vícios que determinam a sua nulidade, designadamente de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação, previstas no artigo 379.º n.º 1, alíneas c) e a) do Código do Processo Penal, subsidiariamente aplicável aos presentes autos ex vi do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e 41.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação atual.

    1. A recorrente invocou estar abrangida pelo regime de isenção do uso de tacógrafo, previsto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 222/2008, de 5 de março, sobre a qual a Douta Sentença recorrida não faz qualquer referência em sede de matéria de facto provada e não provada, nomeadamente quanto aos factos subsumíveis a integrar a previsão legal para a isenção, limitando-se, sem qualquer matéria fáctica que o suporte, a excluir essa isenção, o que determina, por si só que enferme de vício de omissão de pronúncia.

    2. Atendendo à redação do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação em vigor, aplicável ex vi do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que estabelece no seu n.º 1 que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”, a importação das soluções do processo criminal ao processo de contraordenação está dependente do reconhecimento da inexistência de solução própria no âmbito do regime das contraordenações, bem como de um processo de adaptação.

    3. Ora, naquilo que à sentença proferida em sede de processo de recurso de contraordenação se refere, dada a ausência de qualquer normativo específico quer na Lei n.º 17/2009, quer no próprio RGCO, à mesma aplicam-se as normas referentes à sentença penal, nomeadamente as previstas nos artigos 374.º e seguintes do Código de Processo Penal, nomeadamente as referentes à fundamentação, onde se impõe a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

      E O dever de fundamentação encontra-se previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, e é encarado como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, consubstanciado pelo direito a conhecer as razões do sancionamento, pelo que é comum ao processo criminal e ao processo de contraordenação, valendo também para este o disposto no artigo 374.º n.º 2 do Código do Processo Penal, do qual resulta a necessidade de a decisão judicial indicar e discutir de forma séria os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa, sejam os mesmos enquadrados como provados ou não provados, consoante aquilo que resulte dos autos.

    4. Sendo alguns dos factos invocados pela arguida totalmente omitidos na sentença, nomeadamente enquanto matéria de facto provada e não provada, deve a decisão sentença proferida ser declarada nula, por violação do disposto no artigo 379.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.

    5. Por outro lado, a alínea c) do mesmo número, artigo e diploma legal estabelece a nulidade de sentença como consequência para os casos em que “o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

    6. Ora, no caso dos autos, estamos perante uma situação em que, tendo a recorrente apresentado recurso de impugnação judicial, de forma tempestiva, todos os factos ali invocados deviam ter merecido tratamento na Douta Sentença proferida, o que não sucedeu.

      I. Inclusivamente, e ainda a propósito da fundamentação, a Douta Sentença recorrida não permite concluir que a recorrente não beneficia de isenção do uso de tacógrafo, e, consequentemente, de todas as obrigações legais associadas a esse uso.

    7. Quanto à fundamentação da Sentença, a mesma possui regulamentação específica, designadamente o artigo 374.º n.º 2 do Código do Processo Penal que estabelece que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, de onde decorre que a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito, ou seja, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada, a qual se há de depois submeter a tratamento jurídico adequado, designadamente à identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.

    8. Quando o juiz vai proferir a sentença tem já diante de si um conjunto de factos provados, designadamente aqueles que, na fase do saneador, foram incluídos nos Factos Assentes e ainda os que constam, como tal, da decisão sobre a matéria de facto, os quais não são objeto de qualquer apreciação, limitando-se o juiz a consigná-los na sentença como provados.

      L. A fundamentação de facto deve abranger todos os factos que foram adquiridos durante a tramitação da causa...

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