Acórdão nº 7505/15.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 7505/15.7T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central Cível de Setúbal Relatório (…), (…), (…), (…) e (…) propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…), (…) e incertos, estes últimos representados pelo Ministério Público, pedindo: - A sua declaração como únicos e legítimos proprietários do prédio urbano sito em Setúbal, na Rua (…), n.º 2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (…), em virtude de o terem adquirido por sucessão hereditária; - A condenação dos réus a reconhecerem a propriedade dos autores sobre o prédio por eles ocupado; - A condenação dos réus a absterem-se de qualquer acto que prejudique os direitos de propriedade sobre o referido prédio; - A condenação dos réus a desocuparem o referido prédio e a removerem, à sua custa, todos os móveis e utensílios que no mesmo se encontrarem e as construções nele implantadas.

A ré (…) contestou, pugnando pela improcedência da acção. Em reconvenção, a mesma ré pediu a sua declaração como legítima proprietária do prédio em causa, por o ter adquirido por usucapião.

Os autores replicaram, sustentando a inadmissibilidade legal e, subsidiariamente, a improcedência da reconvenção.

Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido saneador-sentença que, julgando a acção procedente, por provada, declarou que os autores são donos do prédio dos autos e condenou os réus a restituírem o mesmo prédio livre e devoluto, abstendo-se da prática de actos que perturbem o direito daqueles. A sentença julgou ainda improcedente a reconvenção.

A ré (…) recorreu do saneador-sentença, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do saneador-sentença proferido em 2 de Junho de 2017, que julgou procedente a acção e julgou improcedente a reconvenção deduzida pela ré (…).

  1. Como se vê, foi tal saneador-sentença proferido com continuação da audiência prévia (iniciada em 28 de Abril de 2017), com a finalidade constante do art.º 591º, nº 1, alínea b), do NCPC, uma vez que se pretendia conhecer de imediato do mérito da causa.

  2. É única, e ademais entende-se simples, a questão ora submetida à preclara apreciação da Vossas Senhorias. No caso, verificou-se ou não o imperioso pressuposto/requisito que permitisse o conhecimento imediato do mérito da causa? 4. Dispõe o sobredito preceito que o despacho saneador destina-se a: “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidades de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.” 5. No caso, com a prolação da sentença recorrida verificou-se a apreciação total dos pedidos dos autores e da reconvinte, que foram considerados procedente e improcedente, respectivamente, com claríssima violação daquele indispensável requisito/pressuposto, o de que o estado do processo o permitisse, sem necessidade de mais provas.

  3. No caso, o estado do processo não o permitia, resplandecendo a absoluta necessidade de mais provas.

  4. Como refulge na contestação e reconvenção, de 20/11/15, a ré (…), contestou e reconveio.

  5. Isto é, não só contestou factos alegados pelos autores (vg. art.ºs 14º a 19º, 37º, 38º, 41º e 42º da contestação), como invocou factos (vg. art.ºs 20º a 22º, 24º a 26º, 28º, 33º e 35º) que fundamentavam o seu pedido reconvencional de ser declarada legítima proprietária do prédio, adquirindo por usucapião, por posse pacífica, pública e de boa-fé! 9. A questão central aprecianda era a de qualificar a posse do prédio pela reconvinte, a partir de 1999 e oficialmente por ser notícia pública e documentada, desde o mês de Outubro de 2000, como de má-fé ou de boa-fé.

  6. Através da indispensável produção de prova em sede própria de audiência de julgamento, resultaria provada e não provada a factualidade que permitiria uma ou outra conclusão.

  7. A posse não titulada constitui pacificamente presunção ilidível, mera presunção juris tantum, pelo que, logo alegou factualidade diversa, e bastante, capaz de, a resultar como provada em audiência de discussão e julgamento, como era seu ónus, ilidir tal presunção.

  8. Isto é, incontestavelmente, resultaria da prova documental e testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, a conclusiva qualificação da posse como de má-fé ou de boa-fé, questão crucial para a precedência da acção ou da reconvenção.

  9. Reafirma-se que não estava de todo verificado o pressuposto/requisito imperioso que tornasse admissível o conhecimento do mérito no saneador, como infelizmente foi.

  10. Como é preclara e judiciosa Jurisprudência: - “I. A admissibilidade do conhecimento do mérito no saneador está condicionada à existência no processo de todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis do direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa. II. Se uma dessas soluções impuser prosseguimento do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir no saneador decisão sobre o mérito da causa (Ac. da Relação de Lisboa de 14/12/2006 – Proc. 9662/2006-6.dgsi.net)”.

  11. E, exemplarmente inexcedível: - “ I – Nas decisões que conheçam do mérito da causa, proferidas em sede de despacho saneador, uma vez que ainda não houve lugar a um juízo sobre a demonstração da veracidade dos factos alegados que se encontram controvertidos, por não ter havido oportunidade de produzir prova sobre eles, não é possível indicar-se os factos que não se provaram.

    II – A possibilidade de proferir uma decisão de mérito nessa fase baseia-se na circunstância da matéria de facto relevante para a decisão da causa já se encontrar definida ao findar a fase de apresentação de articulados, pelo que, nesses casos, para que a fundamentação de facto esteja completa, é suficiente indicar-se os factos que integram essa matéria.

    III – Na altura do despacho saneador os factos que podem ser considerados na decisão de mérito, além dos factos notórios e daqueles que o juiz tem conhecimento em virtude das suas funções, são aqueles que resultam de confissão judicial, de acordo expresso ou tático das partes nos articulados, do funcionamento de presunção legal inilidível, ou de documento com força probatória bastante.

    IV – A demonstração desses factos não resulta do exercício da livre apreciação da prova pelo julgador, mas sim do funcionamento de disposições legais que constituem um justificado resíduo do sistema da prova legal, pelo que nesta fase não tem lugar uma análise crítica das provas produzidas, nem a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, uma vez que a prova não resulta da formação de uma convicção, mas da aplicação de disposições legais, podendo apenas ser útil para a verificação da correcção da sua aplicação ao caso a indicação donde resultou a prova da...

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