Acórdão nº 1377/15.9PBFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução04 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 1377/15.9PBFAR, Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Faro – Juízo Local Criminal – J1, foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos, estando acusado da prática de um crime de ameaça agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153º, nº. 1 e 155º, nº. 1, al. a), ambos do Código Penal.

Na audiência de julgamento, produzida a prova, foi comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P., no sentido do aditamento à descrição dos factos atinentes ao elemento subjetivo, do segmento «…, bem como de a afetar na sua liberdade de decisão e ação», ao que a defesa declarou nada ter a opor (cf. ata de fls. 130 e 131).

Foi proferida sentença, em 16/01/2017, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…), julgo a acusação pública provada e procedente e, em consequência: A) Condeno o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº. 1 e 155º, nº. 1, al. a) do Cód. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; B) Suspendo a execução da pena acima mencionada pelo período de 1 (um) ano, subordinando tal suspensão á condição de o arguido entregar à APAV a quantia global de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) no período da suspensão, devendo comprovar trimestralmente nos autos o cumprimento dessa obrigação. Custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do CPP e 8.º, n.º. 9 do RCP). (…)» Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: A) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que condenou o então Arguido, e ora Recorrente, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do CP, e, em consequência, na pena de 10 (dez) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinando tal suspensão à condição de o arguido entregar à APAV a quantia global de € 2.400,00 no período da suspensão, devendo comprovar trimestralmente nos autos o cumprimento dessa obrigação; B) Salvo o merecido e sempre elevado respeito pelo Tribunal a quo, o ora Recorrente entende que a Sentença recorrida padece do vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379, n.º 1, alínea c), do CPP, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão relativamente à qual devia ter-se pronunciado; C) Consta a fls. 90 dos Autos um requerimento apresentado pela ofendida CL através do qual esta declara “que Desiste da Queixa por si apresentada nos presentes Autos contra o Arguido AA, mais desejando a consequente extinção do procedimento criminal contra o mesmo, arquivando-se os presentes Autos.” (Fim de citação – Cfr. fls. 90 dos Autos); D) E em sede de inquérito, aquando do interrogatório do arguido, o ora Recorrente, declarou que “não se opõe a uma eventual desistência de queixa”, conforme Auto de Interrogatório de Arguido que constitui fls. 20 dos Autos.; E) Sobre esse requerimento de desistência de queixa que constitui fls. 90 dos Autos o Tribunal a quo não se pronunciou; F) Sucede porém que, esse Requerimento (fls. 90 dos Autos) foi valorado pelo Tribunal a quo na douta Sentença de que ora se recorre - valoração essa ademais de suma importância uma vez que o próprio Tribunal a quo sustenta a fiabilidade e a credibilidade do depoimento da ofendida CL, designadamente “por antes da audiência ter manifestado nos autos a intenção de desistir da queixa apresentada contra o arguido e ter requerido o arquivamento do procedimento criminal em curso contra o mesmo (fls. 90), revelando não possuir qualquer interesse na sua condenação neste processo.” –, mas relativamente ao qual o Tribunal a quo não se pronunciou na Sentença em crise; G) Tendo sido apresentado um requerimento de desistência de queixa nos Autos, o Tribunal a quo tinha que se ter pronunciado sobre o mesmo, pois que a desistência de queixa apresentada por quem tem legitimidade e dentro do prazo legal faz extinguir o procedimento criminal contra o Arguido; H) A Jurisprudência não é unânime quanto à natureza pública ou semi-pública do crime de ameaça agravada (a título exemplificativo, o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 13/11/2013, que sufraga natureza semi-pública do crime de ameaça agravada); I) No entanto, mesmo que o Tribunal a quo considerando que o crime de ameaça agravada de que o Arguido, ora Recorrente, se encontrava acusado e, que produzida a prova em audiência de julgamento, considerou dar por provado e, por consequência, foi condenado, tem natureza pública, e, como tal, que a desistência de queixa apresentada pela ofendida CL é ineficaz, tinha que se ter pronunciado nesse sentido, o que não fez; J) Desta forma, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a desistência de queixa apresentada nos presentes Autos, ainda que, dando-se por provada a factualidade integradora do tipo em causa, se considerasse que estava em causa um crime de natureza pública e que como tal a desistência era ineficaz, deixou aquela Instância de se pronunciar sobre questão relativamente à qual tinha que se pronunciar, pelo que a Sentença recorrida é nula, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, com todas as legais consequências; K) Ainda, salvo o muito e devido respeito, o Recorrente entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar por provado sob o ponto 3 dos “Factos provados” que o Arguido, dirigindo-se a CL, afirmou “Vou buscar uma caçadeira de canos serrados e dou-te dois tiros”, ou mais, concretamente, que, dirigindo-se a CL, afirmou “dou-te dois tiros”; L) A propósito da expressão “dou-te dois tiros”, na fundamentação vertida na douta Sentença recorrida, o Tribunal a quo verteu o seguinte: “A instâncias da defesa, esclareceu que o arguido só queria pagar parte do preço e como lhe disse que não podia levar o carro sem pagar este se lhe dirigiu, dizendo que ia buscar uma caçadeira e dava dois tiros, tendo interpretado que a expressão era para si..”; e mais adiante que “e, mesmo quando instada pela defesa e pelo tribunal a esclarecer a expressão proferida pelo arguido, continuou a referir, de forma segura, que o arguido lhe disse que ia buscar uma caçadeira e dava dois tiros, tendo interpretado que a expressão era para si, por não o deixar levar o carro,”; M) Sucede que, do depoimento da Testemunha CL em sede de Audiência de Julgamento não decorre do mesmo que a Testemunha tenha afirmado, “de forma segura”, que quando o Arguido lhe disse que ia buscar uma caçadeira e dava dois tiros interpretou essa expressão como sendo para si; N) Do depoimento da Testemunha CL, prestadas na 1.ª Sessão de Julgamento, no dia 29 de Novembro de 2016, com registo de prova das declarações prestadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com início às 14h:54m e fim às 15h:18m, conforme Ata da Sessão de Julgamento e do registo do CD, encontrando-se o trecho das declarações desta Testemunha quanto a este facto, especificadamente, com registo de prova gravado em CD, com início aos 17m.10s. e fim aos 21m.30s. do período de registo gravado em CD (início às 14h:54m:48s e fim às 15h:18m:37s), resulta sim que, quando a Instâncias da Defesa foi perguntado “quando a Sra. diz, quando nos diz, que o Sr. AA disse que ia buscar uma caçadeira que dava dois tiros, a minha pergunta é: se ele disse que ia buscar uma caçadeira e dava dois tiros ou se disse vou buscar uma caçadeira e dou-te dois tiros?”, a Testemunha CL responde “Não sei, na altura presumi que era para mim.

Se ele disse dou dois tiros ou dou-te dois tiros…eu fiquei em pânico, pronto!”; O) Mas novamente, a pergunta da Defesa em que se esclarece: “É que pode ser chegar lá dar dois tiros e partir as montras, os vidros, atirar contra um carro… É diferente…”, a Testemunha, de forma espontânea e sincera responde “Não me lembro, esse pormenor se é dou-te ou dou…”; P) Ora, do depoimento desta Testemunha resulta pois que se, num primeiro momento, a Testemunha CL diz que “presumiu” que quando o Arguido fala em dois tiros os mesmos seriam para si, já no momento imediatamente seguinte diz que não sabe se o que o Arguido disse foi que “dava dois tiros” ou se disse que “lhe dava dois tiros”; Q) A partir desse momento, isto é, após ter sido questionada sobre se o que o Arguido disse foi “dou-te dois tiros” ou se disse “dou dois tiros”, a Testemunha apenas afirmou, e voltou a reafirmar, de forma sincera, que já não se lembrava se o Arguido disse “dou dois tiros” ou se disse “dou-te dois tiros”, pois mesmo após a Instância da Defesa, a Testemunha já a Instâncias da Meritíssima Juiz, volto a afirmar, pelo menos duas vezes, que não se lembrava “se ele disse dou dois tiros ou se é dou-te dois tiros”; R) Perante o depoimento da Testemunha CL, em que a Testemunha é clara, espontânea e sincera em afirmar que não se lembra se o que o Arguido disse foi “dou-te dois tiros” ou se disse “dou dois tiros”, o Tribunal a quo não podia ter dado por provado que o Arguido disse “vou buscar uma caçadeira de canos serrados e dou-te dois tiros”; S) Não é por a Testemunha ter ficado assustada ou ter “presumido”, como a própria disse em Audiência de Julgamento, que os tiros seriam para si, que se pode concluir, sem mais, como o Tribunal a quo fez que o Arguido disse que ia buscar a caçadeira e que lhe dava dois tiros; T) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter dado por provado que o Arguido afirmou “dou-te dois tiros” com base numa interpretação que a Testemunha CL declara que fez no momento em que ouviu...

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