Acórdão nº 42/13.6S1LSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | ANA BACELAR CRUZ |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO No processo comum n.º 42/13.6S1LSB, do Juízo Central Criminal de Santarém [Juiz 3], da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou (i) JJ, casado, militar reformado, nascido a 9 de fevereiro de 1954, em Alferrarede, concelho de Abrantes, filho de…, residente em Alferrarede Velha, Abrantes, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real: - de um crime de tráfico de armas previsto e punível pelo artigo 87.º, n.º 1, por referência, ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artigo 3.º, n.º 1, n.º 2, alíneas b), e), f), h), l), n.º 5, alíneas a), g) e n.º 6, alíneas a), c) e artigo 90.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e - de uma contraordenação, prevista e punível pelos artigos 97.º, n.º 1, e 48.º, n.º 1, alíneas a) e b), por referência ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas e), f), g) h), aae), e artigo 3.º, n.º 2, alínea n) e n.º 9, alíneas d) e f), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e (ii) “C …– Fabrico e Venda de Artigos de Caça e Pesca, Unipessoal, Ldª.”, pessoa coletiva n.º …, com sede na Av…., em Abrantes pela prática - de um crime de tráfico de armas, previsto e punível pelo artigo 87.º, n.º 1, por referência, ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artigo 3.º, n.º 1, n.º 2, alíneas b), e), f), h), l), n.º 5, alíneas a), g) e n.º 6, alíneas a), c) e artigo 90.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e - de uma contraordenação prevista e punível pelos artigos 97.º, n.º 1, e 48.º, n.º 1, alíneas a) e b), por referência ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas e), f), g) h), aae), e artigo 3.º, n.º 2, alínea n) e n.º 9, alíneas d) e f), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, nos termos do disposto no artigo 85.º da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, nos artigos 11.º e 90.º-A do Código Penal, e no artigo 7.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, aplicáveis por força do disposto no artigo 105.º da referida Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
O Arguido JJ apresentou contestação escrita, onde oferece o merecimento dos autos.
Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado em 7 de fevereiro de 2018, foi decidido: «
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Absolver os arguidos JJ e C…– Fabrico e Venda de artigos de caça e pesca, Unipessoal, Ldª., da prática, o primeiro em autoria material, na forma consumada e em concurso real um crime de tráfico de armas p.p. pelo art. 87º, nº 1, por referência, ao disposto no artº 86º, nº 1, als. a), c) e d) e ao disposto no artº 2º, nº 1, als. a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artº 3º, nº 1, nº 2, als. b), e), f), h), l), nº 5, als. a), g) e nº 6, als. a), c) e artº 90º da lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e de uma Contraordenação, p.p. pelos artºs 97º, nº 1, e artº 48º, nº 1, als. a) e b), por referência ao disposto no artº 2º, nº 1, als. e), f), g) h), aae), e artº 3º, nº 2, al. n) e nº 9, als. d) e f), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, o segundo, nos termos do disposto no artº 85º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro e artºs 11º, 90º-A do Código Penal, e artº 7º, nº 1 do RGCO, aplicáveis por força do disposto no artº 105º da referida Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
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Sem custas.
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Nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, declaram-se perdidas a favor do Estado as armas apreendidas.
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Determina-se, ainda, após trânsito em julgado, a remessa dos objetos identificados em C) para a Direção Nacional da PSP, nos termos do artigo 78.º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.» Inconformado com tal decisão, o Arguido JJ dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «a) Ao abrigo do disposto no art.º 180.º, n.º 2 CPP, os objetos apreendidos deveriam ter sido restituídos ao ora Recorrente. Dispõe o artigo 186.º, n.º 1, parte final, do CPP, que os objetos apreendidos são restituídos “a quem de direito”.
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Tratando-se de produtos do crime, substâncias ilegais, e objetos perigosos, não sendo possível entregar tais objetos “a quem de direito”, porquanto os mesmos não podem ser, legitimamente, reclamados terão os mesmos de ser declarados perdidos a favor do Estado.
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“Após a produção da prova, se assentam os factos e se procede ao seu enquadramento jurídico, aí decidindo-se a causa submetida a julgamento, entre estas, as consequências que daí possam advir. (...) Uma dessas possíveis sequelas é a perda dos instrumentos ou direitos relacionados com a prática de um crime.” d) Sucede que, quando o Tribunal decide pela perda de bens a favor do Estado, choca com o direito de propriedade do titular dos bens. Sendo, assuma-se, razoável admitir-se que o direito de propriedade ceda perante finalidades de política criminal.
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Como corolário do princípio do respeito pela propriedade privada, vem o artigo 62.º da CRP, referir que “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização”. Contudo, a doutrina tem vindo a entender que o citado preceito legal deverá abranger não só a requisição e expropriação, mas também outras figuras que colidam com o direito de propriedade, neste sentido Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV - “Direitos Fundamentais” (1998), p. 469.
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Quanto às decisões judiciais que determinem a perda de bens relacionados com a prática de um crime, tem de ser fortemente fundamentada (artigo 205.º da CRP). Ora, constitui direito de defesa a possibilidade de conhecer os concretos fundamentos.
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«No caso de se tratarem de instrumentos ou objetos cuja natureza e características sejam ilícitas, existem duas possibilidades: «a) tratando se de bens cuja detenção por particulares seja completamente proibida (v.g. armas de guerra; estupefacientes), os mesmos devem ser decretados perdidos a favor do Estado, mesmo que a sentença que tenha julgado essa causa já tenha sido proferida; b) sendo bens cuja detenção por particulares possa vir a ser regularizada (v.g. armas de defesa), deve-se conceder, por interpretação extensiva do citado art.º 14.º, § 1.º, do Dec. n.º 12.487, de 1926/Out./14, um prazo de 3 meses para que o interessado proceda à regularização dessa situação e à sua reclamação, notificando-se o mesmo para esse efeito e sob essa cominação, procedendo-se apenas à sua entrega após a correspondente regularização».
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Os bens apreendidos nos autos, além de objetos como roupa, coletes e sacos de transporte, inclui armas de defesa e de caça. Que, estando na posse e propriedade do Arguido e estando este habilitado para a sua detenção (por se tratar de militar com licença de uso, porte e detenção de armas), não estiveram envolvidas em qualquer crime, até porque, todos os Arguidos nos autos foram absolvidos, i) Não se vislumbra fundamentação para que as mesmas sejam declaradas perdidas a favor do Estado, porque a douta sentença ora recorrida não declarou, previamente, que os objetos fossem instrumento do crime. Aliás, a sentença absolveu, logo não poderia relacionar os objetos com a prática de um crime que não declara ter sido cometido.
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Não sendo os bens apreendidos nos autos e declarados por douta sentença perdidos a favor do Estado de detenção proibida por particulares. Não se vislumbra nem há, lei ou princípio da ordem jurídica que impeça a sua restituição a particulares. Pois não estão em causa armas de detenção absolutamente proibida, cuja posse é, por si só, sempre ilegal.
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Aliás, a restituição não impede e deve contribuir para a possibilidade de os bens poderem a ser comercializados, desde que verificados todos os requisitos legais. A douta sentença ora recorrida nem sequer faz referência a factos concretos, provados, que indiquem que os Arguidos praticaram crimes e usaram os objetos para tal fim, aliás, absolve os Arguidos.
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A perda de bens requer que da douta sentença constem factos, os concretos, suficientes para a declaração de perdimento. Falta de fundamentação bastante que deverá levar à revogação, determinando a entrega dos bens ao proprietário.
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Dos factos dados como provados não resulta que os arguidos tenham praticado qualquer crime de tráfico de armas. Ora, sem crime não há instrumentos do crime.
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As armas, e demais objetos apreendidos nos autos, são objetos legais e não revelam perigo de serem usadas em qualquer crime, pelo menos não mais do que quaisquer outras que sejam detidas por terceiros, facas de cozinha ou isqueiros.
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A jurisprudência entende, na linha do que defende Figueiredo Dias, que a perda de bens não é uma pena, nem uma pena acessória, não sendo medida de segurança e também não se trata de um efeito da pena ou condenação a que eventualmente haja lugar. Assim, é uma providência sancionatória, semelhante a medida de segurança e, por essa razão deverá ser proporcional à gravidade do ilícito típico perpetrado e à perigosidade do objeto.
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São requisitos para a declaração de perda, a saber (requisitos cumulativos): a) que o objeto tenha servido para a prática do ilícito; b) que o objeto apresente perigosidade; e c) Que haja proporcionalidade na decisão de perda.
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Armas legais, devidamente registadas (ou passíveis de serem legalizadas, na posse de particular (militar na reserva) com licença para as deter não revestem qualquer especial perigosidade para a prática de crimes. E, o decretamento da perda é desproporcional, pois que não foi cometido qualquer crime e não há qualquer sanção penal aplicada.
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Pelo que, deverá a douta sentença ora recorrida ser revogada na parte em que decretou a perda de objetos a favor do Estado, determinando-se que os mesmos sejam restituídos a quem provar ser o legal responsável e habilitado legalmente à sua...
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