Acórdão nº 390/14.8TBBNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 390/14.8TBBNV.E1 Tribunal Judicial da comarca de Santarém Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 2 I. Relatório (…), residente na Estrada Nacional n.º (…), em (…), instaurou contra “(…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.”, com sede na Av. (…), n.º (…), em Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 180.226,44 (cento e oitenta mil duzentos e vinte seis euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa legal até efetivo e integral pagamento. Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado com a demandada no ano de 2006 os dois contratos de seguro do ramo de vida que identificou através das apólices emitidas, associados a contrato de empréstimo para aquisição de habitação, os quais incluíam as coberturas de morte e invalidez permanente. Tendo-lhe sido atestada em 2011 uma incapacidade permanente global de 85%, decorrente de doença degenerativa ainda não diagnosticada cujos sintomas se iniciaram em 2009, interpelou a ré para proceder à entrega do capital contratado, o que esta se recusou a fazer, invocando terem sido omitidas pelo demandante, aquando da celebração dos contratos, patologias pré-existentes. Mais alegou que tal não é rigoroso, uma vez que respondeu com verdade a todas as questões que então lhe foram colocadas, sendo a ré devedora das quantias peticionadas. * Citada, contestou a ré nos termos da peça que consta de fls. 49 a 67, na qual arguiu a excepção da ilegitimidade activa por se encontrar o autor desacompanhado de (…), que com ele aderiu ao contrato de seguro titulado pela apólice (…), tornando-se ambos pessoas seguras e sendo ambos titulares do direito a eventual remanescente de capital seguro, cujo beneficiário, até ao limite do empréstimo concedido e ainda em dívida, é o Banco (…). Alegou ter procedido à anulação do contrato de seguro em questão dado que o autor omitiu, aquando da elaboração da sua proposta de adesão, factos que tinha o dever de revelar, ocultando os reais condicionalismos do risco, maneira que, tivessem sido tais factos conhecidos e a contestante não teria aceitado a adesão do autor ou, pelo menos, não a teria aceitado nos mesmos termos e condições, donde não ter cabimento o pagamento da quantia reclamada. Mais invocou a cláusula de exclusão constante da al. c) do art.º 3.º das condições especiais contratadas, o que sempre imporia a sua absolvição do pedido formulado. O autor fez intervir a indicada (…), a qual veio aos autos declarar que aderia aos articulados por aquele apresentados (cfr. fls. 169 v.º), tendo ainda respondido à matéria das excepções. * Teve lugar a audiência prévia e nela, após prolação de despacho saneador tabelar, prosseguiram os autos com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova sentença que decretou a improcedência da acção, absolvendo a ré do pedido. Inconformado, interpôs o autor o presente recurso e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final (desnecessariamente longas e repetitivas) conclusões, que assim se sintetizam: i. Foram mal julgados os factos provados em 26., 27., 28. e 29. da sentença e ainda os factos dados como não provados em 8., 9. e 10., os quais deveriam ter sido dados como provados face à prova produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos prestados pelo autor e pela interveniente (…), nas passagens identificadas; ii. Dos factos provados 18., 19., 20., 21. e 22. resulta que os sintomas descritos nos referidos relatórios e as sequelas da hemorragia subaracnoídea sofrida em 2012 nada têm a ver com o tumor que o recorrente teve em 1994 e do qual ficou totalmente curado, nem com as sequelas daquele tumor, pois durante mais de 20 anos trabalhou e fez a sua vida como qualquer pessoa normal, como se nunca tivesse tido aquele problema e apenas em 2012, quando começou a perder massa muscular e teve uma hemorragia subaracnoídea -que, mais uma vez, conforme consta dos relatório médicos, nada tem em ver com o tumor que sofreu- e por já não se conseguir movimentar é que foi aconselhado a solicitar que lhe fosse atribuída uma incapacidade e foi reformado por incapacidade; caso as sequelas do tumor, que não eram visíveis, o impedissem de fazer a sua vida normal, como o recorrente fazia, os médicos ter-lhe-iam sugerido, como aconteceu em 2012, que requeresse a incapacidade, tendo a mesma, por essa razão, sido apenas atribuída em 2012 e não em 1997, pois o recorrente não sentia qualquer incapacidade decorrente do tumor. iii. Dos mesmos depoimentos resulta ainda que o recorrente, quando celebrou o contrato de seguro, não ocultou nem mentiu em nada do que lhe foi perguntado, respondeu tão só às perguntas que lhe foram feitas pelo funcionário da empresa aquando da celebração do primeiro contrato de mútuo, sendo que as respostas às questões se mostravam já preenchidas, pelo que apenas assinou, juntamente com a restante documentação, nem leu, pois não tinha surgido qualquer problema de saúde, e o inquérito que acompanhou as provas físicas que teve de fazer para a celebração do contrato de mútuo – provas físicas que passou sem qualquer dificuldade – também não foi preenchido pela mão do recorrente, mas pela assistente do médico que estava no local, tendo-lhe apenas sido perguntado se nos últimos 10 anos tinha tido algum problema de saúde, ao que o recorrente respondeu com verdade que não. iv. Na vida quotidiana dos cidadãos, quando adquirem habitação própria com recurso ao empréstimo bancário, o Banco (mutuante) propõe aos mutuários a subscrição de um contrato de seguro de vida, para que, em caso de morte ou incapacidade do segurado, a quantia ainda em dívida seja paga pela seguradora ao Banco. Estas propostas negociais adoptam o modelo de um contrato de adesão, cujas cláusulas os segurados não têm qualquer possibilidade de discutir ou negociar, e que, a mais das vezes, nem conhecem na sua totalidade por falta de transparência das entidades envolvidas, Bancos e Seguradoras, normalmente ligadas por vínculos jurídicos e pertencentes ao mesmo grupo financeiro. v. Em face desta realidade socioeconómica, a lei (Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro) vem em auxílio da parte mais fraca, o segurado, impondo às entidades com poder negocial para redigir unilateralmente estes contratos deveres de informação e de comunicação, bem como proibindo, através de uma enumeração exemplificativa, um conjunto de cláusulas contrárias à boa-fé e ao equilíbrio das prestações. vi. O art.º 5.º, n.º 1 do citado diploma rege para o dever de comunicação, estatuindo que "O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais." (n.º 3 do art.º. 5.º). vii. A Seguradora Ré é responsável por não ter sido cumprido o dever de informação em relação ao segurado, devendo ser responsabilizada pelo incumprimento. viii. A Seguradora não informou o segurado devidamente – aliás, nem sequer este leu a proposta de adesão nem o questionário clínico, nem o preencheu, apenas lhe foi perguntado se tinha tido algum problema nos últimos 10 anos –, nem lhe foram comunicadas as consequências de faltar a verdade e que tal tivesse impacto no risco, de forma a que a Seguradora tivesse a possibilidade de agravar os prémios ou alterar as condições do contrato em conformidade com os riscos acrescidos. ix. Se não foram comunicadas ao recorrente as questões constantes do questionário, nem informado que devia declarar doenças pré-existentes, nem lhe foi perguntado se tinha sido submetido a alguma cirurgia, nem se tinha sofrido de tumor, e as consequências caso prestasse falsas declarações, ao recorrente deve ser declarada inoponível a mencionada cláusula, em virtude de incumprimento do dever de informação a cargo da Seguradora, por não ter informado o segurado das condições do contrato de seguro. x. A questão sobre o recorrente ter tido um tumor não foi colocada em momento algum, tendo [a resposta] sido aposta não pela sua mão, sendo que nem leu os questionários da proposta de seguro. xi. A referência a doenças pré-existentes e consequente obrigação de comunicação à Seguradora faziam parte das Condições do Contrato de Seguro de Vida Grupo que integravam a Apólice, que não foram lidas, nem o seu conteúdo informado ou explicado ao recorrente pela seguradora ou quem a representou na data da assinatura da apólice de seguro. xii. Não se provou que esta cláusula tivesse sido comunicada ao segurado nem que lhe tivesse sido entregue a apólice juntamente com as Condições do Contrato. xiii. Sendo assim, o dever de informação pelo recorrente de que tinha tido um tumor em 1994 tem como pressuposto a comunicação por parte da seguradora, quer da questão em concreto constante da apólice de seguro, quer da consequência de não declarar uma doença pré-existente, pelo que o autor não podia dar tal informação, já que o dever de a prestar não lhe foi comunicado pela seguradora. xiv. O facto de o contrato de seguro de grupo implicar a participação de uma terceira entidade, o tomador de seguro, como é o caso dos autos, que angaria clientes para a seguradora e funciona como intermediário na promoção dos contratos, não pode ser utilizado como argumento jurídico para diminuir as garantias do cidadão, nem para exonerar a Seguradora – entidade que recebe os prémios dos mutuários e que com isso visa a obtenção de lucros – do cumprimento dos deveres de informação. xv. O princípio da boa-fé na formação, celebração e execução dos contratos fundamenta também a vinculação das seguradoras a deveres de informação, cooperação e lealdade para com o segurado. A posição privilegiada do Banco, devido à circunstância de a subscrição do contrato de seguro se fazer nas instalações deste, não exonera a seguradora do dever de enviar ao segurado (e ao Banco), antes da data da aceitação do contrato, a documentação relativa ao...

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