Acórdão nº 9184/15.2T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 9184/15.2T8STB Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório BB impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que aplicou à arguida supra identificada uma coima única no valor de €3.500,00, nos termos dos arts. 18.º, n.º 2, 19.º e 17.º, todos do DL n.º 433/82, de 27-10 (na redacção dada pelo DL n.º 244/95, de 14-09), pela prática das seguintes contra-ordenações: 1) de um contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 215.º, n.ºs 1 e 5, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €714,00 (7 UC); 2) de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 202.º, n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €714,00 (7 UC); 3) de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 29.º, n.ºs 2 e 6, segunda parte, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16-09 e alterado pelas Leis n.º 119/2009, de 30-12 e 55-A/2010, de 31-12), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €800,00; 4) de uma contra-ordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 79.º, n.º 1 e 171.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 98/2009, de 04-09, tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €2.550,00 (25 UC).

Nessa impugnação, a arguida BB invocou, e no que ao presente recurso interessa, a ilegalidade de visita inspectiva em escritório de advogado, alegando, em síntese, que a recorrente exerce a profissão de advogada em escritório de advogados, com placa visível colocada na fachada das paredes exteriores do respectivo prédio, tendo, no dia 04-04-2011, sido realizada uma visita inspectiva ao escritório de advocacia onde a arguida exerce a sua actividade profissional.

Mais alegou que nessa visita inspectiva não constava qualquer despacho judiciário emitido por Juiz de Direito, em violação do disposto no art. 268.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo que esta norma do Processo Penal protege, não só as apreensões, como também as buscas, e a própria presença de alguém num escritório de advogados pode ser, em si mesmo, considerado um facto sigiloso, que viria a ser exposto e revelado, de forma ilegítima e sem a devida e necessária ponderação judiciária, com a presença de inspectores da ACT.

Mais concluiu que, inexistindo tal decisório judiciário, estamos em presença de uma verdadeira proibição de prova, pelo que todos os “pseudo-indícios”, ao terem sido obtidos nessa diligência, mostram-se contaminados com a tal sanção de proibição de prova, devendo os presentes autos ser arquivados por inexistência de indícios conducentes à demonstração de qualquer ilícito contra-ordenacional, impondo-se a revogação da decisão da ACT e a absolvição da arguida de todas as infracções contra-ordenacionais que lhe são imputadas.

O tribunal de 1.ª instância, em despacho prévio, datado de 04-06-2018, quanto a esta questão, decidiu: Não se reconhece, deste modo, violação de qualquer princípio, designadamente dos princípios da legalidade, lealdade, proporcionalidade, ou de qualquer preceito legal, susceptível de afectar a validade da acção inspectiva.

É que no âmbito das suas competências a Inspectora do Trabalho, afecta à ACT., não efectua buscas ou apreensões, sendo que relativamente à documentação, na sua falta, procede à sua requisição ou notificação para a apresentação de documentos, aliás como aconteceu com a ora Recorrente.

Assim importa considerar que a ACT com a sua conduta não violou o disposto no artigo 8º da CEDH, nos artigos 8º, 16º nº1, 32º, nºs 1, 3, 8 e 10, 34º e 208º da CRP, nos artigos 126º, nºs 1, 2, alíneas c) e d) e 3, 177º, nºs 3 e 4, 179º nº2, 180º, nºs 1 a 3 e 268º, nº 1, alínea c), do CPP (aplicável ex vi artigos 19º e 22º da Lei n.º 18/2003 e artigo 41º, nº 2, do RGCO), bem como o disposto nos artigos 68º, 70º, 71º, 72º e 75.º do EOA.

(…) Nestes termos e nos melhores de direito, está afastado o efeito útil do Parecer com vista ao arquivamento do processo, com a concomitante absolvição da Recorrente/Advogada sem a realização de audiência de discussão e julgamento.

Inconformada, a impugnante interpôs recurso de tal decisão, finalizando as suas alegações com as conclusões que se seguem:

  1. A presente questão prende-se com a realização de uma visita inspetiva pela ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores.

  2. A visita inspetiva pelas senhoras inspetoras da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores, foi feita sem ter sido cumprido o preceituado no nº1 do artigo 268º do Código Processo Penal, não tendo existido despacho judicial e acompanhamento da visita inspetiva por juiz de direito e por conselheiro de deontologia do Conselho Regional da Ordem dos Advogados.

  3. O local onde funciona um escritório ou sociedade de advogados não pode ser alvo de uma atividade inspetiva direta da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho, nos mesmos termos em que esta o pode fazer noutras instalações.

  4. O princípio da legalidade plasmado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, impõe que os poderes associados à atividade inspetiva da ACT sejam exercidos no estrito cumprimento da legislação especial que regula o exercício da advocacia e de acordo com formalismo ai exigido.

  5. O conjunto de poderes e prerrogativas funcionais de que beneficia a atividade de inspeção laboral é suscetível de pôr em causa as prerrogativas e garantias associadas ao exercício da advocacia.

  6. Na esteira do entendimento e posição tomada pelo Conselho Regional da Ordem dos Advogados no seu Parecer, a Recorrente também defende que uma ação inspetiva laboral a um escritório ou sociedade de advogados deve classificar-se como uma “diligência equivalente” a uma imposição de selos, arrolamentos buscas ou apreensões, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 75º do EOA.

  7. E assim sendo, a visita inspetiva pelas senhoras inspetoras da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores, foi feita sem ter sido cumprido o preceituado no nº1 do artigo 268º do Código Processo Penal, não tendo existido despacho judicial e acompanhamento da visita inspetiva por juiz de direito e por conselheiro de deontologia do Conselho Regional da Ordem dos Advogados.

  8. Encontrando-se em face disso tudo o que vier a ser apurado na visita inspetiva realizada, apenas pelas senhoras inspetoras da ACT, inquinado pelo vício de proibição de prova, nulidade/irregularidade nos termos do Código Processo Penal.

  9. E é com base nas razões e fundamentações supra expostas que a Recorrente discorda com o douto Despacho em crise ao ter decidido não haver violação de qualquer princípio, designadamente dos princípios da legalidade, lealdade, proporcionalidade, ou de qualquer outro preceito legal, suscetível de afetar a validade da ação inspetiva da ACT, decidindo pelo não arquivamento do processo, com a concomitante absolvição da Recorrente sem a realização da audiência de discussão e julgamento, designando dia para a realização da mesma.

  10. O douto Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito que é muito, não atendeu ao preceituado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, onde se encontra plasmado o princípio da legalidade, impondo que os poderes associados à atividade inspetiva da ACT sejam exercidos no estrito cumprimento da legislação especial que regula o exercício da advocacia e de acordo com o formalismo ai exigido.

  11. Da mesma forma ao não aceitar que a diligência a uma trabalhadora num escritório de Advogado, possa ser definida como uma “diligência equivalente” a uma imposição de selos, arrolamentos, buscas ou apreensões, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 75.º do EOA, compromete as prerrogativas e garantias associadas ao exercício da advocacia.

  12. A presente questão é prévia à apreciação da factualidade controvertida quanto à prática ou não de ilícitos contraordenacionais e que a sua apreciação poderá afastar a realização de prova na audiência de discussão e julgamento.

    Em contra-alegações, o Ministério Público, propugnando pela improcedência do presente recurso, apresentou as seguintes conclusões: 1.

    É obrigação da “ACT” assegurar a aplicação das normas reguladoras das condições de trabalho e a promoção do respeito das normas de apoio ao emprego e de protecção no desemprego e o pagamento das contribuições para a segurança social.

    1. A intervenção dos inspectores do trabalho é uma intervenção social e não policial.

    2. Os inspectores têm livre acesso aos locais onde é prestado trabalho por trabalhadores a entidades empregadoras para verificação das condições de trabalho e do cumprimento das normas legais.

    3. A “ACT” não apreende documentação solicita-a e na falta dela notifica as entidades empregadoras ou os seus representantes para a apresentarem em prazo a fixar.

    4. O que está em causa é a legalidade das relações de trabalho dependentes, estabelecidas em escritórios de advocacia com trabalhadores dependentes e não o exercício da advocacia.

    5. Em qualquer local de trabalho, onde prestem trabalho trabalhadores dependentes, as entidades empregadoras devem ter, entre outros, disponíveis: quadro de pessoal, mapa de horário de trabalho, mapa de férias, registo dos tempos de trabalho, são estes os elementos solicitados pela “ACT” e não apreendidos ou objecto de quaisquer buscas.

    6. Diferentemente, quando se trata da actuação dum órgão de polícia criminal, no âmbito de uma qualquer investigação, quando essa...

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