Acórdão nº 12/16.2GAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução11 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No inquérito n.º 12/16.2GAPTM, da Comarca de Faro, foi proferido despacho em que se decidiu não validar o resultado das apreensões decorrentes da busca efectuada; integrar os factos dados como indiciados no âmbito do crime previsto no art.º 25.º, al a) do D.L. nº 15/93; sujeitar o arguido MF a obrigação de apresentação diária no posto da GNR de Lagos, a acrescer às obrigações decorrentes do TIR; indeferir o requerimento para aplicação de prisão preventiva, nos termos conjugados dos art.º 191.º, n.º1, 192.º, n.º 1, 193.º, n.º1, 195.º, 196.º, 198.º, 204.º, al a) todos do CPP conjugado com o disposto no art.º 25.º, al a) do DL 15/93 de 22 de janeiro.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de Portimão que, na sequência do primeiro interrogatório judicial do arguido MF, não aplicou a este medida de coacção prisão preventiva, como havia sido requerido pelo Ministério Público e, bem ainda, não validou os resultados da busca domiciliária (judicialmente autorizada) à residência daquele, porquanto, a busca foi feita fora do prazo de validade a que a lei alude obviamente que os seus resultados não podem ser tidos em conta.

  1. Mais foi decidido em tal despacho que a factualidade em causa integraria o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e não o crime previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

  2. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, discordamos em toda a linha de tal decisão proferida pelo insigne magistrado judicial. Com efeito, no que tange aos mandados de busca, os mesmos foram emitidos e assinados pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal no dia 14 de Fevereiro de 2018, sendo que, a busca foi concretizada no dia 15 de Março de 2018, razão pela qual, foi aquela realizada dentro do prazo de 30 dias (pois que o mês de Fevereiro só tem 28 dias).

  3. Ainda que assim não fosse, o que se admite por mero raciocínio académico, ou seja ainda que a busca tivesse sido concretizada para além dos 30 dias do prazo de validade, estaríamos perante uma nulidade sanável (dependente de arguição) e, por conseguinte, só poderia ser do conhecimento do Mm.º Juiz de Instrução a requerimento do sujeito processual interessado, in casu, o arguido MF, o que na situação em apreço não aconteceu, ou seja, este não arguiu qualquer nulidade.

  4. Ao ter declarado nula a busca domiciliária em causa e ao não ter validado as apreensões que resultaram da mesma, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal violou o disposto nos artigos 174.º, n.ºs 3 e 4 e 178.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Penal.

  5. O Mm.º Juiz de Instrução Criminal, em sede de primeiro interrogatório judicial, decidiu que a factualidade em causa nos presentes autos apenas seria susceptível de integrar o crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro sustentando tal decisão, para além da nulidade [inexistente como acima referimos] da busca, também no seguinte: não existir lastro probatório para alegar que o arguido não tem outra actividade para além do tráfico de estupefaciente, assim como, porque “os factos dos dias 7 de Junho pelas 18h45m e pelas 19h32m, bem como os factos dos dias 16 de Janeiro de 2018 pelas 18h e pelas 18h15m e bem ainda os factos do dia 17 de Janeiro pelas 18h e pelas 17h57m porquanto dos elementos de prova oferecidos só se firma que nessas ocasiões ocorreu um breve contacto e nada mais. Não resulta portanto do auto de notícia de fls. 4 e ss nem dos relatórios de diligência externa de fls. 234 e 237 que nessas condições tenha existido qualquer troca ou entrega.

  6. Ora, tal enquadramento jurídico-penal, para além de, no nosso modesto entendimento, não se encontrar correcto, vem completamente ao arrepio do entendimento que o insigne magistrado judicial expressou nos seguintes despachos que proferiu neste inquérito: i) despacho que em que foi determinado o adiamento do acesso aos autos por três meses (artigo 89.º, n.º 6, 1.ª parte, do Código de Processo Penal); ii) despacho em que foi determinado novo adiamento do acesso aos autos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 89.º, n.º 6, parte final e 1.º, alínea m), ambos do Código de Processo Penal e iii) despacho que autorizou a realização de busca domiciliária à residência do arguido MF.

  7. Por outro lado, analisando a factualidade que foi desconsiderada pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, constata-se que, o mesmo desabonou a importância da prova indirecta, sendo certa que, esta tem hoje um papel fulcral no domínio de aplicação do processo e direito criminal.

  8. Na verdade, contacto é sinónimo de “toque”, “tacto”, o que nas situações em apreço e mediante o contexto em que aqueles ocorreram, e fazendo cotejo de tais factos (e dos elementos de prova que os suportam, nomeadamente auto de notícia e relatórios de vigilância) com os demais elementos probatórios constantes dos autos, assim como, com as normais regras da experiência humana, são de molde a permitir concluir que efectivamente tanto no caso dos “contactos”, como nas situações em que existiu a “troca de algo”, estamos perante a venda de estupefacientes levada a cabo pelo arguido MF.

  9. Por conseguinte, uma correcta avaliação e ponderação dos elementos de prova deveriam ter levado o Mm.º Juiz de Instrução Criminal a dar como fortemente indiciados “os factos dos dias 7 de Junho pelas 18h45m e pelas 19h32m, bem como os factos dos dias 16 de Janeiro de 2018 pelas 18h e pelas 18h15m e bem ainda os factos do dia 17 de Janeiro pelas 18h e pelas 17h57m.

  10. Sendo certo que, ao não o fazer, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal violou o disposto artigos 124.º, n.º 1, 125.º e 127.º, todos do Código de Processo Penal.

  11. Um dos outros motivos que levou Mm.º Juiz de Instrução Criminal a enquadrar a factualidade em causa no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de Janeiro foi o facto dos autos não documentarem a desocupação do arguido MF em largos períodos do dia, pois que, o mesmo poderia realizar, passe a expressão, “nas horas vagas”, actos da chamada economia informal ou «a título exemplificativo poderíamos dizer que estas seriam as horas disponíveis para um tradicional padeiro pois é ao início da noite que esse padeiro iria iniciar a preparação da massa e depois a cozedura do pão que estaria fresco na manhã seguinte.» (o sublinhado é nosso).

  12. Sucede que, assim não é, pois que, por um lado, o arguido, no uso de uma faculdade que a lei processual penal lhe confere, não quis prestar declarações e por outro lado, os autos continham elementos de prova, que foram totalmente ignorados pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal que demonstram à saciedade, no nosso modesto entendimento, a situação de total desocupação por parte daquele.

  13. Com efeito, a esse propósito documentam os autos os seguintes elementos de prova: - Uma informação da autoridade tributária e aduaneira onde se dá conta que ao arguido MF: não é conhecido qualquer tipo de rendimento; não apresentou/submeteu declaração de IRS para o ano de 2016, sendo que a última declaração de rendimentos apresentada foi a do ano de 2007; não tem registado em seu nome qualquer bem imóvel; - Informação prestada pela Segurança Social dando conta que o arguido não possui registo de qualquer remunerações, pensões ou prestações; - Diversos relatórios de vigilância, nomeadamente os indicados pelo Ministério Público no mandados de detenção fora de flagrante delito que emitiu, onde se atesta vários dias e horas ao longo de quase dois anos a total desocupação que caracteriza a vida do arguido.

  14. Em termos objectivos, os autos documentam (vd. as várias vigilâncias efectuadas ao longo de pelo menos um ano e meio, assim como, as apreensões do produto estupefaciente efectuadas, na sequência de vendas, do arguido) que o arguido MF no período temporal compreendido entre pelo menos o dia 7 de Junho de 2016 e o dia 17 de Janeiro de 2018 teve como única actividade a cedência, a troco de dinheiro, de cocaína e heroína, a indivíduos consumidores que para esse efeito o contactavam.

  15. Assim sendo, o crime em causa e que se mostra fortemente indiciado nos autos é o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, por isso, aplicação da medida de coacção de prisão preventiva era a única que se mostrava adequada e proporcional à gravidade do ilícito praticado pelo arguido MF, mas principalmente, era a única prevista no nosso ordenamento que servia as exigências cautelares que o caso requeria (e na verdade, acreditamos, continua a requerer).

  16. Com efeito, não tendo o arguido qualquer actividade profissional declarada, nem outros bens próprios conhecidos, e necessitando de dinheiro para fazer face às despesas normais que qualquer ser humano necessita para viver e sabendo-se dos lucros fáceis e rápidos que a venda de substâncias estupefacientes propícia, conclui-se ser muito forte em concreto o perigo de continuação da actividade criminosa.

  17. Assim como, em liberdade poderá condicionar o testemunho dos indivíduos que lhe adquiriram produto estupefaciente, nomeadamente daqueles a que se reportam as vigilâncias existentes nos autos e cujo conteúdo lhe foi comunicado em sede de primeiro interrogatório judicial.

  18. O Mm.º Juz de Instrução Criminal, ao não determinar a prisão preventiva do arguido MF, violou os princípios de adequação e proporcionalidade da aplicação das medidas de coacção, previsto no artigo 193.º, do Código de Processo Penal, violou o disposto nesta norma legal, assim como, violou o disposto nos artigos 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas b) e c), conjugado com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93...

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