Acórdão nº 761/16.5T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 761/16.5T8FAR.E1 Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório: (…), residente na Rua do (…), nº 1, 1º-Dt.º, Olhão, por si na qualidade de cabeça de casal da herança de (…), instaurou contra Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade para a Requalificação e Valorização da Ria Formosa, S.A., com sede no (…) – Pinheiros de Marim, Olhão, Estado Português, representado pelo Ministério Público e Câmara Municipal de Faro, ação declarativa com processo comum (a ação foi ainda proposta contra o Comando Geral da GNR/Guarda Fiscal e Comando Geral da Polícia Marítima, por requerimento de 19/04/2016 a A. desistiu do pedido contra estes RR, desistência homologada por decisão transitada em julgado).

Em resumo, alegou que no ano de 1979, em conjunto com o seu falecido marido, construiu um casa na Ilha da Culatra, à qual foi atribuída o nº (…) do designado Núcleo dos (…), a qual se situa, bem como o respetivo logradouro, a mais de 50 metros da margem das águas do mar, que desde a referida data aí dorme em largos períodos de ano, confeciona e toma refeições, recebe correspondência e amigos, mantém imóveis, pertences e utensílios domésticos e cuida do logradouro, o que tem feito de forma ininterrupta, pública e pacífica, agindo relativamente à casa, terreno em que a mesma foi edificada e respetivo logradouro, sempre de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, com total conhecimento por parte de todos os serviços do Estado, incluindo todos os ora RR.

O terreno em que a casa se mostra implantada e respetivo e logradouro não pertencem ao domínio público do Estado e são suscetíveis de usucapião.

Foi-lhe comunicada uma deliberação do Conselho de Administração da ré Polis que determina a demolição da sua casa e a tomada de posse administrativa por parte da referida Ré, na sequência da qual a A. intentou providência cautelar, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, visando a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo, providência cautelar que se mostra suspensa para conhecimento da questão prejudicial que constitui o alegado direito de propriedade do A.

Concluiu pedindo a condenação dos R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da A. e da herança do seu falecido marido quanto ao imóvel (casa n.º 14, do núcleo dos …, Ilha da Culatra, terreno onde a mesma se encontra edificada e respetivo logradouro) e a reconhecerem que a A. e a herança adquiriram tal imóvel por usucapião.

A ré Polis contestou, em síntese, excecionando a ilegitimidade do A, por não demonstrar haver aceitado a herança de que se arroga cabeça de casal e defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa da A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

Concluiu pela improcedência da ação.

O réu Estado Português contestou, em síntese, defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa da A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

Concluiu pela improcedência da ação.

Por evidenciarem pedidos e causas de pedir similares à presente ação, a requerimento da A., foi ordenada a apensação aos autos dos seguintes processos: - Apenso A (processo n.º 816/16.6T8FAR), em que são autores (…) e (…), referente à casa com o nº 157, alegadamente construída em 1977; - Apenso B (processo n.º 820/16.4T8FAR), em que são autores (…) e (…), referente à casa com o nº 158, alegadamente construída em 1977; - Apenso C (processo n.º 838/16.7T8FAR), em que é autor (…), referente à casa com o nº 65), alegadamente construída em 1977; - Apenso E (processo n.º 845/16.0T8FAR), em que é autora (…), referente à casa com nº 101, alegadamente construída em 1982; - Apenso F (processo n.º 851/16.4T8FAR), em que são autores (…) e (…), referente à casa nº 96, alegadamente construída em 1978 pelo seu avô e para si transmitida por doação verbal; - Apenso G (processo n.º 853/16.0T8FAR), em que são autores (…) e (…), referente à casa com o nº 90, alegadamente construída em 1970.

- Apenso H (processo n.º 872/16.7T8FAR), em que é autora (…), referente à casa com o nº 112, alegadamente construída em 1977 e por si adquirida por compra em 2002; - Apenso I (processo n.º 870/16.0T8FAR), em que é autora (…), referente à casa com o nº 128, alegadamente construída em 1975; - Apenso J (processo n.º 881/16.6T8FAR) em que são autores (…) e (…) referente à casa com nº 126, alegadamente construída em 1981; - Apenso K (processo n.º 1038/16.1T8FAR) em que são autores (…) e (…), referente à casa com nº 52, alegadamente construída em 1975; - Apenso L (processo n.º 1130/16.2T8FAR) em que é autora (…), referente à casa com nº 159, alegadamente construída em 1975 e por si adquirida por sucessão testamentária em 2014; - Apenso M (processo n.º 1269/16.4T8FAR) em que são autores (…) e (…), referente à casa com nº 67, alegadamente construída em 1979; - Apenso N (processo n.º 1297/16.0T8FAR) em que é autora (…), referente à casa com nº 125, alegadamente construída em 1982 e por si adquirida por sucessão hereditária de seu pai; - Apenso O (processo n.º 1295/16.3T8FAR) em que é autora “Associação Núcleo Moradores dos (…)” referente à casa com nº 17, alegadamente construída nos anos de 1979/1980, por si adquirida por compra a (…).

O Município de Faro contestou algumas das ações apensadas suscitando respetivamente a sua ilegitimidade para a causa.

Os réus Polis Litoral Ria Formosa e o Estado Português contestaram as acções apensadas reiterando, em essência, a defesa respectivamente apresentada nos presentes autos.

  1. Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade do Município de Faro, improcedente a exceção da ilegitimidade da autora (…), afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, que dispôs a final: “Termos em que julgo improcedente a presente ação e respetivos apensos e, em consequência, absolvo os Réus “Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade para a requalificação e Valorização da Ria Formosa S.A.” e Estado Português do pedido.” 3. Os AA (processo principal e apensos) recorrem da sentença formulando as seguintes conclusões que se reproduzem: “I. A Ilha da Culatra é uma Ilha, cercada de água do mar; pelo que quanto a ela e à natureza e regime jurídico do seu leito, no que releva para a integração ou não no domínio público marítimo, regem o nº 2 do art. 10º e os nº 1, 2 e 6 do art. 11º da Lei 54/2005 de 15 de Novembro, e ainda o art. 121, nº 1, da Convenção da Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 ratificada pelo Decreto do PR n.º 67-A/97, de 14-10, publicado no D.R. I série – A, n.º 238, de 14-10-1997.

    1. Tratam-se de leitos marinhos, onde não existem aluviões ou depósitos aluvionares; mas sim deposição por deriva longilitoral ou diagénese.

    2. O legislador, atenta as diferentes natureza, génese, dinâmica, morfologia e fenomenologia das águas e dos leitos lacustres, fluviais e estuarinos, por um lado; e marinhos por outro; e atenta a harmonia e o contexto da legislação e do sistema, redigiu normas diferentes (as do nº 1 e as do nº 2, ambas do art. 10º daquela Lei 54/2005), uma para cada dessas situações concretas diferentes).

    3. Por isso, a interpretação literal, sistemática e teleológica necessária a reconstituir o pensamento do legislador, teria que levar o Tribunal a corretamente incluir os solos da Ilha da Culatra no âmbito do nº 2 daquele art. 10º da Lei em causa; sendo que nesse caso o domínio público marítimo nesses leitos só existe até 50m contados da linha máxima das águas vivas equinociais em preia mar.

    4. Ao ter concluído que aqueles solos são de formação aluvionar, aliás, contra o Parecer Técnico nos autos e contra a opinião de testemunhas cientificamente habilitadas, e inclui-lo assim no âmbito do nº 1 daquele art. 10º, o Tribunal errou; e errou ao declarar todo o solo da Ilha da Culatra, por isso, como do domínio público.

    5. Violando desse modo o nº 2 do art. 10º e os nº 1, 2 e 6 do art. 11º da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, e ainda o art. 121, nº 1, da Convenção da Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 e ratificada pelo Decreto do PR n.º 67-A/97, de 14-10, publicado no D.R. I série – A, n.º 238, de 14-10-1997.

    6. Igualmente erra o Tribunal ao entender que não existe animus dos AA quanto à posse na qual fundavam o seu pedido de usucapião. O animus existe claramente e está totalmente demonstrado nos atos materiais levados a cabo pelos AA., reiteradamente, por décadas, de modo evidente e público.

    7. Os AA. exerceram a posse à vista de toda a gente, inclusive dos órgãos, agentes e aparelho do Estado que, localmente, representavam esse mesmo Estado; ocuparam os terrenos e edificaram em parte deles; muraram-nos; tinham a chave do local; só ali entrava quem eles quisessem – inclusive agentes do Estado. Foram a departamentos e serviços do Estado (Junta, Governo Civil, Registos Prediais, Capitania, Guarda Fiscal, Finanças); e a Câmara Municipal, para tentar obter documentação que titulasse o seu direito que na prática exerciam. Comunicaram assim, desse modo prático e evidente, a todos esses serviços – e portanto, ao Estado –, que pretendiam formalizar esse direito de propriedade que na prática já detinham.

    8. Alguns inclusive inscreveram matricialmente na fazenda – portanto com conhecimento expresso do Estado – a sua propriedade sobre a casa e o terreno. Toda esta conduta plural e comum a todos os AA, reiterada no tempo por décadas, insistente, e que veio a concluir-se pela interposição da presente ação, tem que ser vista, porque o é, como uma manifestação clara e objetiva do animus necessário á usucapião.

    9. Nem se...

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